RELAÇÕES DE TRABALHO E A EFETIVIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS GARANTIDOS CONSTITUCIONALMENTE

Raimundo Nascimento Gama[1]

RESUMO:

O presente trabalho tem por objetivo precípuo mostrar que nas relações de trabalho deve haver normas reguladoras, principalmente quando há relação de subordinação, posto que as relações por si sós não se regulam, mesmo na modernidade atual, aonde o caráter subordinativo vai perdendo sentido, carecendo da tutela do Estado, cada vez menos intervencionista, como fiel da balança para minorar os conflitos e estabelecer condições que apontem para a dignidade humana, pois o Direito do Trabalho está, à luz das mutações das relações trabalhistas, sempre inacabado e em permanente processo de reconstrução, carecendo fazer imperar o valor constitucional dos direitos sociais nas relações de trabalho, aqui expostos em derredor do ponto fulcral residente que é, indubitavelmente, a cidadania, objeto maior dos direitos fundamentais inseridos na Constituição Federal.

PALAVRAS-CHAVE: Constituição; Emprego; Garantias constitucionais; Trabalho.

ABSTRACT:

The present work has as an aim to show that labor relations should be no regulatory standards, especially when there is a relationship of subordination, since the relationship per se does not regulate, even in the current modernity, where the subordinate character will lose meaning, lacking from State, less interventionist, as faithful balance to reduce the conflict and establish conditions that point to human dignity, because the Labor Law is, in light of changes in labor relations, always incomplete and ongoing process reconstruction and needed to govern the constitutional status of social rights in labor relations, shown here round about the crucial issue resident who is, undoubtedly, citizenship, fundamental rights of the largest object inserted in the Constitution.

KEYWORDS: Constitution; Constitutional guarantees; Employment; Work.

1      INTRODUÇÃO

O Estado, antes dos movimentos sindicais, organizados pelo operariado, manteve-se omisso, posto que fosse confortável não intervir nas relações entre as classes produtivas e os trabalhadores, pois os primeiros representavam a força motriz do desenvolvimento, os sustentadores do poder, enquanto que os segundos eram relegados à própria sorte, uma vez que estes não representavam importância alguma para a sobrevivência do poder Estatal.

Quando normas eram editadas estas favoreciam sempre à classe produtiva capitalista, em detrimento das necessidades dos trabalhadores e da desumanidade com eram tratados, antes como escravos sem remuneração, açoitados, castigados ao extremo e com jornadas de trabalho insuportáveis, e depois, como assalariados, com parcos salários e ainda com jornadas diárias desmesuradas.

Remontando, etimologicamente, aos conceitos, aos significados e às origens das palavras “trabalho” e “salário”: temos que a primeira originou-se do latim “tripalìum”, que significa 'instrumento de tortura'[2] usado para chicotear escravos, para forçá-los na execução de tarefas a esses destinadas, e a segunda vem de salarìum, que traduz em 'quantia dada aos soldados para comprarem o sal; soldo, salário'[3], sendo que esta última tem como núcleo a palavra latina sal ou salis que é a designação usual do cloreto de sódio.

Tais conceitos nos remetem à idéia de que as normas eram editadas unilateralmente, onde o empregador tinha o poder e o trabalhador o obedecia, situação que perdurou por anos e anos, até o surgimento de movimentos dos trabalhadores que desencadearam o direito do trabalhador.

As transformações surgidas no século XIX em decorrência da industrialização desordenada geraram profundas desigualdades sociais, principalmente com a introdução da máquina nos processos produtivos, gerando desemprego e miséria, além de provocar os primeiros acidentes de trabalho. As massas empobrecidas concentravam-se nas cidades, em busca de trabalho, enquanto as riquezas concentravam-se cada vez mais em poucas mãos. Nessas condições, para garantir a continuidade do processo produtivo e diante da omissão do Estado, alguns empregadores e grupos profissionais ensaiaram os primeiros acordos trabalhistas, digamos, parciais.

As lutas sociais procuraram estabelecer regras mais justas para o relacionamento entre capital e trabalho. No Reino Unido, na França e na Alemanha, movimentos populares denunciavam as condições de penúria em que vivia o proletariado. Os comunistas e socialistas tiveram um papel fundamental, principalmente depois da divulgação do Manifesto comunista e da criação da Internacional Socialista. Fortalecidos pela união em sindicatos, os operários conseguiam melhorar as condições de trabalho e de remuneração por meio de greves e da ação política, não raro revolucionária.

As conseqüências econômicas da primeira guerra mundial e a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1919 marcaram o nascimento e reconhecimento internacional do direito do trabalho. Marcos na história da disciplina são a lei britânica de 1802, que limitou em 12 horas a jornada de trabalho, e a criação do seguro social obrigatório na Alemanha de Bismarck[4]. Destarte, a maior parte desses direitos foi conquistada no século XX com as lutas da classe operária, favorecidas pelo crescente desenvolvimento da indústria, principalmente após a segunda guerra mundial, quando a economia capitalista esteve em pleno desenvolvimento e conseqüente expansão de emprego por aproximadamente três décadas.

Nesse ínterim o Direito do trabalhador surge então, não como paralelepipeditização[5] das relações trabalhistas, mas, como um conjunto de normas necessárias, reguladoras e delimitadoras de ações direcionadas à homogeneidade de tratamento, dentro da heterogeneidade complexa e difusa que é o mundo produtivo dos negócios e do capital e suas conseqüentes relações de interesses que encerram conflitos entre empregadores e empregados.

Com o passar dos anos, mais precisamente a partir da década de 1980, com o surgimento do neoliberalismo, as conquistas dos trabalhadores, com a grande influência alcançada pelo movimento sindical, tornaram-se hegemônicas e resultaram em avanços significativos, originando o Estado de Bem-Estar Social.

É a partir deste prisma, fulcrado nas relações entre empregado versus empregador e do bem-estar do trabalhador, enquanto indivíduo, e deste no meio social, enquanto parte integrante de uma sociedade mais justa, com qualidade de vida e mais produtivo, que este trabalho é alicerçado, principiando pelas garantias constitucionais, pormenorizando com os direitos fundamentais, perpassando pelas idéias de trabalho e emprego que permeiam as relações de trabalho, pois as relações de trabalho estão em constante mutação, haja vista que as evoluções tecnológicas modificam as formas de produção e afetam tais relações, e as circunstâncias sociais, econômicas e políticas também se alteram, enquanto que o Estado tende a ser cada vez menos intervencionista. Isto posto, implica que e o Direito do Trabalho está sempre inacabado e em permanente processo de reconstrução. Exsurge, então, as garantias constitucionais para efetivação dos direitos sociais nas relações de trabalho.

2      AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS.

Temos por garantia constitucional, em direito, os mecanismos jurídicos necessários que garantem a harmonia entre os poderes do Estado e permitem a tutela do exercício pleno dos direitos fundamentais dos cidadãos. O Estado constitucional, no exercício pleno do poder político soberano, no respeito aos direitos individuais e coletivos, busca conformar os direitos fundamentais do cidadão na exigência da promoção dos direitos sociais, econômicos e culturais. Por conseguinte, os direitos fundamentais dos trabalhadores possibilitaram a garantia da cidadania destes com o estabelecimento de limites do poder diretivo do Estado e do Capital, preservando os daqueles, mesmo que minimamente, propiciando uma ação continuada de conquista de novos direitos, facultando ao cidadão trabalhador, a partir de meios políticos ou judiciais, esforçar-se pela efetivação desses direitos.

No Título II da Constituição Federal de 1988 estão previstos os direitos e garantias fundamentais, subdivididos em cinco capítulos: direitos individuais e coletivos; direitos sociais; nacionalidade; direitos políticos e partidos políticos. Portanto a classificação perfilhada pelo legislador constituinte estabeleceu cinco espécies ao gênero ‘direitos e garantias fundamentais’: direitos e garantias individuais e coletivos; direitos sociais; direitos de nacionalidade; direitos políticos; e direitos relacionados à existência, organização e participação em partidos políticos.

Há, contudo, para melhor entendimento, que se distinguirem os direitos fundamentais dos direitos humanos, embora aqueles sejam intrínsecos a estes, pois, enquanto os segundos referem-se diretamente ao indivíduo e são decorrentes da condição humana e estão de acordo com a lei natural, os primeiros são assim definidos na assertiva:

[...] “direitos reconhecidos ou outorgados e protegidos pelo direito constitucional interno de cada Estado e direitos humanos, que seriam positivados na esfera do direito internacional” e, por conseqüência, não necessariamente estariam positivados no ordenamento jurídico doméstico. (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Apud LOBATO, 2006 p. 28).

Em suma, os direitos fundamentais constantes da Constituição Federal de 1988 estão contidos no bojo da Declaração Universal dos Direitos do Homem, porquanto vejamos um e outro documento:

Art. 23.

1. Todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.

2. Todo homem, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.

3. Todo homem que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.

4. Todo homem tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses. (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM)

 

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desempregados, na forma desta constituição. Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;

II – seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;

(...)

(BRASIL. Constituição Federal, 1988, Título II – Dos Direitos Fundamentais – Capítulo II – Dos Direitos Sociais)

As coincidências entre um documento e outro apontam para a absorção dos direitos preceituados na Declaração Universal dos Direitos do Homem pela Constituição Federal de 1988 como fundamentos e estabelecimento de regras humanizadoras para as relações trabalhistas e, também, como o precípuo finalista, a motriz ensejadora e possibilitadora da cidadania antes almejada.

É no Título II – Dos Direitos Fundamentais, da Constituição Federal de 1988, que o trabalhador encontra amparo e resguardo para a efetivação dos seus direitos, existindo, entretanto, a necessidade de atuação mais efetiva por parte da sociedade civil, mediante controle político e ou judicial para a concretização desses direitos.  Coadunando com esta afirmativa temos:

O Direito Constitucional do Trabalho vem ao encontro das novas dimensões jurídico-sociais, como mecanismo concreto para a busca do domínio dos princípios e institutos jurídicos a ele concernentes. A tensão existente será canalizada para o estabelecimento do valor constitucional como mecanismo eficaz para a efetivação dos direitos. (LOBATO, 2006 p. 22)

Em que pese a importância dos avanços das leis que regulam as relações trabalhistas, fulcradas na Constituição Federal de 1988, há muito que melhorar no que se refere aos direitos do trabalhador, pois com o mundo globalizado, a tendência é que esses "direitos" se achatem com o passar do tempo e o trabalhador veja diminuídas as conquistas já efetivadas, sob o pretexto tergiversável de maior flexibilidade e menor onerosidade para o empregador, enquanto fomentador do desenvolvimento. O Estado, enquanto tutelador desses direitos, tem a obrigação de se fazer presente, positivamente, para a aplicabilidade das normas constitucionais direcionadas às relações trabalhistas. Nesse sentido, coadunando com essas informações, Lobato afirma:

A ausência da atuação positiva do Estado leva a classe operária à total marginalização, haja vista que o trabalho retorna aos tempos de escravidão, em ambientes de trabalho subumano. Tal situação levou a que os trabalhadores passassem a se organizar por meio de instituições coletivas [...]. (LOBATO, 2006 p. 35)

Os direitos sociais, muito embora tenham nascido para impor uma atuação positiva do Estado para a garantia e proteção dos direitos humanos fundamentais, foram criados e introduzidos para uma aplicação mediata. Ou seja, para a sua realização concreta há a necessidade da intervenção do Estado. (LOBATO, 2006, p. 38)

De certo haverá sempre conflitos de interesses na dicotomia trabalho/capital, elementos constitutivos e essenciais à produção, na mais simples acepção da palavra, designando, assim, os processos empregados na melhoria e incremento dos bens para satisfazer as necessidades humanas. Isto se explica, de um lado, pela necessidade que o empregador tem de acumular capital para reinvestimento, e, de outro lado, pela imprescindibilidade do trabalhador, enquanto ente participativo da produção, de viver condignamente em sociedade, de exercer sua cidadania. É aí que se verifica a necessidade da tutela do Estado, como forma de consolidação do Estado Democrático, posto que, ao sairmos de um regime autoritário, onde o direito ao exercício à cidadania era mera conjectura, os resquícios ditatoriais dos governos militares, ainda prevaleciam nas raízes da sociedade.

É a partir de então, com o fim do regime autoritário e o nascimento da Constituição Federal de 1988, que surge o reconhecimento dos direitos fundamentais, quando de fato tornou-se possível a projeção e construção de um Estado Democrático de Direito, alicerçado nos fundamentos que embasam o direito à cidadania e o respeito à dignidade da pessoa humana, tornando-se imperativa a efetividade desses direitos.

Estar empregado implica para o trabalhador na constituição de recursos para suprir suas necessidades materiais e, também, lhe permite estar integrado na sociedade. É por essa razão que os direitos do trabalhador estão inseridos nos direitos fundamentais reconhecidos por muitos países.

Os keynesianos[6] já afirmavam que é ilusória a afirmativa de que, na lei de mercado dos clássicos, ‘a oferta cria a sua própria procura’, posto que a situação de pleno emprego seja excepcional, raramente atingível e quando atingida é de curta duração, haja vista que a durabilidade depende do aumento do consumo crescente e do poder de compra da sociedade.

Assim sendo, não depende a garantia de emprego da criação de leis ou de planos econômicos mirabolantes, mas da capacidade de consumo que a sociedade tem. Aí reside a possibilidade de incremento do emprego, a partir da produção alavancada pela procura e direcionada a esta sociedade consumista, disposta a saciar suas necessidades materiais, fazendo circular suas riquezas.

Por trabalho temos como resultado sinonímico a maldição bíblica pelo pecado original, mas a sua significação moderna indica meio de sobrevivência dependente da habilidade manual e ou da inteligência de quem as desempenha na transformação impressa à natureza para daí obter algum benefício.

Emprego e trabalho se nos apresentam, no campo do senso comum, como fundidos em termos de significação, muito embora tenham conceitos distintos e, na prática, os são. Enquanto o primeiro traduz-se na ocupação, seja em serviço público ou privado, cargo, função ou colocação, o segundo é resultado do conjunto de atividades, produtivas ou criativas, que o homem exerce para o atingimento de determinado fim.

O trabalho, além de denotar o caráter alimentar do trabalhador, agrega-o socialmente e tem importância excepcional para o homem. As relações trabalhistas, com caráter de subordinação, subserviência e hierarquia estão fadadas a mudanças ante a existência de trabalho sem vínculo empregatício nos moldes da legislação vigente, cada vez mais crescente, porém o trabalho continua carecendo de regulação.

Em virtude da superioridade econômica do capital, o trabalhador, nos moldes atuais de vínculo empregatício, é visto pelo Direito do Trabalho como a parte hipossuficiente, ou seja, em situação de inferioridade na relação trabalhista, razão que justifica o caráter protetório jurídico para o empregado, para que este supere a desigualdade entre capital e trabalho, daí a idéia, a impressão errônea, de que a Justiça Trabalhista superprotege o trabalhador.

 Enaltecendo os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, a Constituição Federal de 1988 traz como fundamento maior o trabalho, em sentido abrangente, e o trabalhador, em sentido estrito, como geradores de riquezas. A Constituição Federal não impõe normas rígidas nas relações trabalhistas, pois, como bem diz Pastore:

(...) preconiza o trabalho lato sensu, quando veicula, inclusive, a idéia de que o Estado de Direito se fundamenta na valorização do mesmo (trabalho), colocando-o como direito e garantia fundamental (cláusula pétrea), com a possibilidade de criação de associações ou cooperativas, na forma da lei (inciso XVIII do art. 5º), por exemplo. (PASTORE, 2008 p. 20)

Isto posto, conclui-se que as garantias constitucionais são direcionadas à proteção do trabalhador enquanto ente participativo da sociedade e parte integrante do setor produtivo, e por isso tutelado do Estado para garantia dos direitos daquele enquanto cidadão. Essas garantias são, antes de encaradas como normas rígidas e inflexíveis, formas garantidoras dos direitos fundamentais.

Verifica-se, entretanto, que existe uma tendência, tanto por parte dos empresários quanto por parte dos trabalhadores, de buscarem soluções que visem facilitar as relações trabalhistas dentro de uma liberdade negociada. Essa liberdade advém das novas direções apontadas nas negociações pelo Direito do Trabalho, a partir de consenso e respeito mútuos.  Tal liberdade não constitui em si objetivo de subterfugir as normas trabalhistas contidas na CLT e na Constituição Federal de 1988, mas de maleabilizar as relações do trabalho, apesar de existir correntes defensoras da necessidade de mudanças radicais dessas mesmas normas, “flexibilizando-as”, sob o pretexto de aumentar o nível de emprego.

Embora esses argumentos não sejam, por si sós, convincentes nem legítimos, pois as leis devem ser mudadas quando perdem sua eficácia ou seu objetivo, não devem ser desprezados na sua totalidade, posto que da sua derivação podem surgir mecanismos ensejadores de normativos propulsores de uma relação moderna e satisfatória para trabalhadores e empreendedores, entretanto não se deve deixar ferir os princípios da cidadania, posto que o trabalho é o caminho trilhado pelo homem para a conquista de tal condição, enquanto usufruidor dos direitos civis e políticos garantidos pelo Estado. A flexibilização não significa a retirada de conquistas já efetivadas, mas dar nova direção às relações ante a existência de novas modalidades de relações do trabalho que possam surgir.

Entrementes, enquanto a Constituição Federal de 1988 privilegia a relação de trabalho, a CLT trata do emprego, da relação de subordinação, significando dizer que aí residem as dificuldades para tratar com as transformações que surgem no mundo moderno do trabalho, pois estas desencadeiam reações ambivalentes na sociedade, justificadas pela necessidade de liberdade nas relações.

Nas relações trabalhistas, o lazer é um dos direitos sociais contidos no Capítulo II, Título II, da Constituição Federal, porquanto carecente de influência do Estado e de políticas públicas para sua implementação, quer ofertando espaços físicos para sua execução, quer adotando medidas incentivadoras para tal. O lazer traduz-se em período de tempo livre de que se pode dispor para realizar, sem obrigação de tempo e lugar, qualquer atividade capaz de aliviar o estresse e dar prazer. Por extensão, as atividades praticadas durante esse tempo são imprescindíveis à qualidade de vida do homem, por ser necessário ao seu desenvolvimento bio-psiquico-social, tornando-o, além disso, mais produtivo e com perspectiva de vida mais longa e com saúde.

É no lazer que o homem restabelece suas energias para continuar laborando, evitando doenças profissionais, principalmente aquelas relacionadas a trabalhos repetitivos, possibilitando sua interação no meio social. É, também, instrumento de ruptilidade com a estrutura hierárquica da sociedade, em que o trabalhador, ao realizar atividades lúdicas, se desliga da realidade social e recarrega suas energias, viabilizando o equilíbrio de conduta dentro da rede social.

Principia o direito ao lazer na limitação do trabalho, primeiro justificando a contraprestação a ser percebida pelo trabalhador, seguindo com a necessidade de criação de novos postos de emprego e, depois, como necessidade de preservar a saúde do trabalhador, evitando doenças ocupacionais. Além disso, visa reservar tempo ao trabalhador para possibilitar interação com a família e a sociedade. Sendo a saúde e a qualidade de vida desideratos comuns das sociedades, fica evidente a necessidade de efetivação do direito ao lazer para a sobrevivência da sociedade, não sendo tão somente direcionado a somente classes privilegiadas.

Embora o legislador constituinte não tenha detalhado o direito social ao lazer, deixando-o de forma sucinta e sem explicação ou indicação exatas, nos dando a idéia de não ter eficácia por possuir baixa riqueza de conteúdo normativo, é, contudo um direito fundamental, significando ser possível o uso da tutela judicial perante os que pretendam lesionar o referido direito, conforme afirma Calvet:

A dimensão subjetiva de qualquer direito fundamental preocupa-se, em primeiro lugar, com a verificação da possibilidade do recurso à tutela judicial para efetivação de tais direitos, desdobrando-se a questão em seu aspecto negativo no sentido de garantir o cidadão contra investidas a esses direitos por parte do Poder Público ou de particulares, seara em que pacificamente defere-se ao titular do direito uma posição jurídica de postular sua defesa em juízo, e, em segundo lugar, no seu aspecto positivo, de reconhecimento da posição jurídica do titular do direito de exigir do Estado ou de particulares providências materiais para consecução dos direitos fundamentais, questão em que prepondera – mormente acerca dos direitos a prestações – a incidência da chamada “reserva do possível”, (...). (CALVET, 2006 pp. 109 e 110)

Resta demonstrado que o direito ao lazer, como direito fundamental, principia com a limitação do trabalho e chega até o tempo livre e necessário para o trabalhador recarregar suas “baterias”, interacionando-se com a família e a sociedade, possibilitando-lhe maior qualidade de vida. Fica evidente, também, que o lazer, muito embora não esteja pormenorizado na Constituição Federal de 1988, por ser um direito fundamental, tem o titular desse direito a faculdade de invocar a tutela judicial.

3      A EFETIVIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO.

A maior parte de nossas vidas é dedicada ao trabalho, isto se verifica a partir de quando começamos nossos estudos, pois nos preparamos desde cedo para o exercício de alguma profissão. É a partir do exercício de uma profissão que principiamos o exercício da cidadania, porquanto, devido ao tempo dedicado ao trabalho, nada mais justo que as relações de trabalho sejam menos conflituosas, com respeito mútuo entre trabalhador e empregador, e com qualidade de vida para o primeiro.

O lazer, aliado à limitação de trabalho, representa o ápice da relação trabalhista, posto que funciona como recompensa pela dedicação dispensada, além de oportunidade de recomposição de energias para o período laboral seguinte, daí a necessidade de uma nova visão dos direitos fundamentais trabalhistas.

Não basta, entretanto, a inserção dos direitos fundamentais na Constituição para tornar-se efetível, há que o Poder Judicial intervir para a concretização desses direitos, colocando-se no papel fundamental de interpretar a Carta Magna para garantir o seu valor e os direitos constitucionais, aplicando a proporcionalidade e a razoabilidade nas relações trabalhistas. Os direitos fundamentais nasceram como limitadores do poder do Estado e vinculando este ao cidadão.

Haverá sempre os que contestarão a aplicabilidade dos direitos fundamentais nas relações privadas, argumentando que o objetivo foi proteger os cidadãos dos abusos do Estado, mas há também quem entenda que o Estado foi identificado, à época da instauração da Assembléia Nacional Constituinte, como o maior agressor dos direitos naturais do homem, contudo, vê-se hoje que instituições privadas também representam ameaça e, assim sendo, nada mais natural do que exigir respeito aos direitos.

É de bom alvitre salientar que tão somente a aplicabilidade dos preceitos constitucionais não garante a efetividade dos direitos sociais nas relações trabalhistas, pois este pressuposto advém da vigília constante e das negociações crescentes entre capital e trabalho em busca da harmonia para o equilíbrio das relações e da produtividade eficiente.

4      CONCLUSÃO

É desiderato comum a busca de equilíbrio nas relações trabalhistas e essa foi a intenção do legislador constituinte quando fez constar da nossa Lei Maior. Os direitos fundamentais, balizadores da condição de cidadão, imprimem normas protetivas que visam, em sentido estrito do trabalhador, dignificá-lo para o exercício da cidadania, todavia não são suficientes para garantir a harmonia almejada para o capital e o trabalho, pois nestes reside o conflito de interesses. Mas esses interesses podem ser coadunados numa atenção maior, que é a paz social, tendo como conseqüência a negociação, a partir do princípio da dignidade da pessoa humana. É nesse sentido que a Constituição Federal de 1988 aponta, estabelecendo a igualdade no direito do trabalho e, também, no direito ao trabalho.

A diversidade de relações trabalhistas não foge aos princípios constitucionais, apenas carece, no campo das leis ordinárias, uma flexibilidade maior que direcionem o capital e o trabalho para um só objetivo: a produção.

Isto posto, considerando que o lazer proporciona saúde física e psíquica ao trabalhador, além de integrá-lo à sociedade, e também, considerando que o caráter subordinativo das relações trabalhistas passa por modificações, há que se repensar o trabalhador não tão somente como um executor de determinadas tarefas ou serviços, mas como consumidor dos produtos que ele mesmo criou e como cidadão cônscio da sua cidadania, com mais saúde física e psíquica, porquanto menos dependente do Estado, aceitando-os como titulares de direitos fundamentais que podem ser suscitados contra o Estado ou nas relações privadas, entre elas as relações de trabalho.

Em havendo mudanças nessas relações, que sejam limitadas pelo respeito aos direitos fundamentais positivados em nossa Constituição, pois a eficácia dos direitos fundamentais nas relações do trabalho deve ser estudada com o objetivo de maximizar a efetividade dos direitos, com base na razoabilidade e no princípio da proporcionalidade, questionando se estamos todos, Estado, empregador e empregado, seguindo o objetivo maior do nosso ordenamento jurídico: a dignidade da pessoa humana. A efetividade dos direitos sociais nas relações trabalhistas, dando o valor constitucional merecido, deve ser direta e imediata com o objetivo de eliminar a necessidade de mais normas para efetivação de direitos fundamentais, posto que a sociedade brasileira sofre com a desigualdade social, e a não efetivação desses direitos poderá abrir espaço para a omissão do Estado

5      REFÊRENCIAS

ANTUNES, Irandé. Lutar com palavras: coesão e coerência. São Paulo: Parábola, 2005.

BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Lucema, 1999.

BRASIL. Vade Mecum. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes – 7. ed. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2009.

Dicionário Eletrônico Houaiss. Versão monousuário 3.0 – junho 2009.Copyright Ó 2001..2009. Instituto Antonio Houaiss.

LAKATOS, Eva Maria. Metodologia do trabalho científico: procedimentos básicos, pesquisa bibliográfica, projeto e relatório, publicações e trabalhos científicos. – 6. ed. – São Paulo: Atlas, 2001.

LOBATO, Marthius Sávio Cavalcante. O valor constitucional dos direitos sociais nas relações de trabalho. – São Paulo: LTr, 2006.

SANTOS,  José Wilson dos, BARROSO, Russel Marcos Batista. Manual dos trabalhos acadêmicos: artigos, ensaios, fichamentos, relatórios, resumos e resenhas. – Aracaju: Sercore, 2007.

 



[1] Graduado em Letras Vernáculas, Literatura Brasileira e Literatura Portuguesa pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB – Campus XXII, Euclides da Cunha – Bahia, Serventuário da Justiça, da carreira de Analista Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, lotado no Tabelionato de Notas com Funções de Protesto da Comarca de Monte Santo, e Acadêmico do Curso de Bacharelado em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais AGES, Paripiranga – Bahia, e-mail: [email protected].

[2] Etimologia da palavra “trabalho”. Dicionário Eletrônico Houaiss. Versão monousuário 3.0 – junho 2009.Copyright Ó 2001..2009. Instituto Antonio Houaiss.

[3] Idem, ibidem.

[4] Otto Von Bismark. Político alemão, cognominado o Chanceler de Ferro, que consolidou a unificação do país na metade do século XIX.

[5] Palavra que, devido a pouca usualidade, é caracterizada como neologismo, pois, segundo HOUAISS (Dicionário Eletrônico), quando há o emprego de palavras novas derivadas de outras já existentes, ou atribuição de novos sentidos a palavras já existentes na língua, é possível sua formação. Assim sendo, a partir do substantivo masculino paralelepídedo (etimologicamente, palavra oriunda do lat. parallelepipèdum,i 'figura geométrica de seis faces', e do gr. parallélepípedos,os,on 'id.'), que significa “prisma de seis lados cujas faces são paralelogramos; hexaedro cujas faces opostas são paralelogramos paralelos”, origina-se o verbo paralelepipeditizar ( palavra que, do ponto de vista semântico, contêm as noções de ação, processo ou estado, e, do ponto de vista sintático, exerce a função de núcleo do predicado da sentença, que aqui é empregada com o sentido de limitar por todos os lados; enquadrar; formatar; adequar as relações às normas inflexíveis) + ação (afixo que, posposto a uma raiz, radical, tema ou palavra, produz formas flexionadas ou derivadas). Destarte, no contexto da frase, seguindo o advérbio não, que implica em expressa negação, dá a idéia de não estabelecer limites inflexíveis e inalteráveis às relações trabalhistas. Justifica-se a inserção deste neologismo invocando ANTUNES (2005, p.94), pois a escrita não é “mera atividade de grafar sinais, é construir uma interação verbal, ditada pelo sentido e pelas intenções”.

[6] Relativo ao economista inglês John Maynard Keynes (1883-1946) ou à sua doutrina.