Relações de Poder e Cidadania no Brasil

O Brasil tem assistido, nos últimos 30 anos, ao crescimento da desigualdade social.  O país é campeão de concentração de renda e de riqueza.  Cresce o desemprego e o subemprego, ao mesmo tempo que o emprego se precariza, como consequência dos processos de reestruturação produtiva em larga escala no século XXI, em praticamente todos os países do globo terrestre (Mészáros, 2009).

Sob o mesmo ponto de vista afirma lesbaupin (2000) que a reestruturação produtiva nos países emergentes, incluindo o Brasil intensificou o aparecimento de diferentes formas de desemprego, processo considerado por muitos autores como o epicentro da exclusão social. Esse processo sistêmico atua na estrutura da sociedade não apenas na diminuição e escassez dos acessos aos recursos materiais, mas condiciona o desengajamento político e social das pessoas nos espaços onde vivem. Da mesma forma o desengajamento político e social, implica nas pessoas na ausência do pensamento reflexivo e da percepção do movimento das coisas no meio onde vive. Aos poucos o sujeito se desfilia como cidadão, ao se tornar a toa no mundo, o raciocínio geográfico, capaz de ver as coisas, cai por terra. Em outras palavras, essa situação manifesta a  descidadania , aspecto da não participação ativa no reclame dos direitos e deveres individuais dos cidadãos no lugar onde vivem (Harvey, 2009).

Analogamente sob esse ponto de vista alguns pensadores, entre eles Santos passaram a se portar de maneira crítica sobre a pretensa ideia de que todos são cidadãos. Santos no caso brasileiro destaca a descidadania que seria o contrário do cidadão ciente de seus direitos e deveres. Segundo Santos (2001) a descidadania deve ser analisada a partir de alguns fatores escalonados no tempo nos países desenvolvidos e que aqui no Brasil aparecem e sem plantão de uma só vez. Nesse meio tempo Santos aponta a convergência de várias causas, ao mesmo tempo revolucionária e dissolventes, iria ter um impacto negativo no processo de formação da ideia da cidadania e da realidade do cidadão.

De acordo com Santos(2001) em nenhum outro país, senão no Brasil  processos como a desruralização, as migrações brutais desenraizadoras, a urbanização galopante e concentradora, a expansão do consumo de massa, o crescimento econômico delirante, a concentração da mídia escrita, falada e televisionada, a degradação das escolas, a instalação de um regime repressivo com a supressão dos direitos elementares dos indivíduos, a substituição rápida e brutal, o triunfo ainda que superficial, de uma filosofia de vida que privilegia os meios materiais e se preocupa com os aspectos finalistas da existência e entroniza o egoísmo como lei superior, por quê é um instrumento da busca da ascensão social. A partir desse contexto Santos (2001) apresenta sua famosa afirmação que em lugar do cidadão no Brasil, formou se um consumidor que aceita ser chamado de usuário.

Más como se formou esse cidadão que aceita ser chamado de usuário? Em meados dos anos 60 e 70, o Brasil cresceu em média 10% do seu PIB, a indústria acima dos 10% e grandes obras de infraestrutura foram iniciadas. Esse período ficou conhecido como o milagre econômico brasileiro. Conforme Santos (2001) uma sociedade em que a pobreza se alarga a profunda, a fabricação de novas necessidades agravava a vocação ao consumo, e está só é parcialmente saciada para alguns, enquanto para os pobres não contemplados, e para os novos pobres que se criam pelo mesmo processo econômico, a revolução das expectativas crescentes renova a alimentação das Esperanças: é a esperança dos inconscientes e sua condenação à pobreza. Como a criação de novos objetos oferece novas opções as classes médias, essas novamente aparecem com como um exemplo a seguir, mas na verdade um exemplo impossível. É dessa forma segundo Santos que o consumo prossegue o seu trabalho ideológico, uma mitologia entranhada nas coisas, um ópio social mais eficaz que as religiões o foram no passado, já que se alimenta das práticas individuais e coletivas experimentados no próprio processo da vida: o trabalho, a casa, à educação, ou lazer. 

 Da mesma forma Santos (1993) relata que o modelo econômico que conduziu a urbanização no Brasil, nos últimos 30 anos, foi introduzindo sua marca, modificou as bases da sociedade brasileira, seja através dos métodos na produção industrial, serviços, com a implantação de novas tecnologias ou nas flexibilizações das leis trabalhistas, levando à formação de uma sociedade de massa, voltada quase exclusivamente para o consumo. Sob o ponto vista do pensador, a sociedade brasileira de massa é hierárquica, formada por uma pirâmide social que classifica as pessoas conforme o poder de compra. Na base dessa pirâmide, estão os trabalhadores assalariados, com pouco tempo correm o risco de perderem sua posição de consumidores nessa pirâmide, caso os avanços na reestruturação produtiva no país eliminem seus postos de trabalho, assim, sairiam inclusive dessa classificação, passando a formar a massa dos “desnecessários”, “inválidos” não empregáveis da globalização.

Por fim, pensar sobre o significado da cidadania ou sobre quem é o cidadão de hoje, requer uma reflexão profunda sobre o sentido que damos para a sua definição conceitual. Logo compreendemos que no século XXI, o quanto é inadequado o conceito de cidadania, fundamentada no binômio dos direitos e deveres das pessoas, mesmo atribuindo algum grau de participação nas decisões coletivas, seja fazendo parte dos pleitos eleitorais ou sendo assistido por algum programa governamental de auxílio desemprego por exemplo.

Logo a descidadania de Santos já se instaurou na nossa sociedade, sob a forma perversa da exclusão social. Nesse contexto de guerra, emerge a necessidade de um cidadão que além de estar ciente do que tem de ser os seus direitos numa sociedade democrática, esteja engajado nas lutas políticas e sociais nos diferentes cenários da conjuntura política e econômica de seu tempo. Um cidadão que manifeste a sua indignação ao modelo econômico que está aí, imposto, use seu poder e grau de intervenção nos espaços de atuação política e cultural, na sua posição em poder nele intervir e transformá-lo. 

Referências:

Lesbaupin, I. (2000). Poder local x exclusão social (2ªed.). Petrópolis: Vozes.

Mészáros, I. & Cornejo, F. R. (Trad.). (2009).A crise estrutural do capital. São Paulo: Boitempo.

Santos, M. (2014). O espaço do cidadão. (7ªed.). São Paulo: Editora da universidade de São Paulo.