RELAÇÕES AVOENGAS: Uma discussão acerca das distinções e semelhanças entre guarda e tutela e a possibilidade da atribuição de ambas aos avós[1]

 

 

Isabelle Christine Pinho Pereira[2]

Laura Rita Sousa Cardoso[3]

Anna Valéria De Miranda Araújo Cabral Marques[4]

 

 

 

Sumário: Introdução 1 Noções gerais do instituto de guarda; 2 Princípios basilares inerentes à guarda; 3 Preferência da guarda aos avós; 4 Causas que ensejam

 na guarda dos avós e os direitos e deveres avoengos na relação familiar; 5 Causas que ensejam na tutela dos avós e os direitos e deveres avoengos na relação familiar; 5.1 Da perda do poder familiar: causas e efeitos; 5.1.1 Das causas abusivas de ação; 5.1.2 Das causas abusivas de omissão; 5.2 Direitos e deveres dos avós na tutela dos netos; 5.2.1 Requisitos; 5.2.2 Direitos e Deveres. Considerações Finais.  Referências Bibliográficas.

 

RESUMO

O presente estudo visa propor uma análise acerca dos seguintes institutos intrínsecos ao Direito de Família: Guarda e tutela. A partir de conceitos elaborados pela doutrina e também com base em fontes jurisprudenciais, será dado enfoque na preferência da guarda atribuída aos avós, nesse sentido, a análise é direcionada também a vislumbrar os casos que ensejam a tutela dos avós quando há perda do poder familiar, podendo haver condutas comissivas ou omissivas dos genitores. Por fim, far-se-á uma explanação acerca dos direitos e deveres avoengos na tutela.

PALAVRAS-CHAVE: Guarda. Tutela. Direitos e deveres avoengos. Poder familiar.

 

INTRODUÇÃO

O trabalho se desenvolve a partir da observância de alguns pontos atinentes ao Direito de Família, os quais podem ser elencados: O instituto da guarda, seus princípios, e, primordialmente, a possibilidade de guarda dos avós. A análise acerca da preferência de guarda dos avós parte de uma concepção moderna de família, eminentemente distinta do tradicional conceito que sempre a definiu.

Por conta das constantes transformações sociais, atualmente a família não é vista apenas sob a ótica de sua estrutura básica constituída pelo pai, mãe e filhos, apesar de tal estrutura ainda ser predominante na sociedade, pode-se observar que, com o passar das décadas, novos modos de composição da família foram sendo cada vez mais frequentes.

Atualmente, é notório famílias onde as crianças convivam apenas com um dos pais, ou que os pais não exerçam o poder familiar, mas um outro membro da família o faça, como por exemplo, os avós, o qual, por ser objeto do presente trabalho, será amplamente discutido.

Para que os avós tenham essa possibilidade de direito à guarda de seus netos, no entanto, há de se observar o motivo da impossibilidade dos pais diretos em cuidar de seus filhos. Alguns desses motivos levam-nos a perderem o poder familiar.

Eis, assim, o foco do trabalho: a possibilidade de guarda dos avós quando os pais, pelos motivos elencados no ordenamento jurídico brasileiro, dissolvem a sociedade conjugal e/ou perdem o poder paternal sobre sua filiação. Para o caso de dissolução conjugal, a posse de fato pode dar ensejo à guarda atribuída aos avós. Já para o caso de perda do poder familiar por quaisquer das situações elencadas no Código Civil, a posse de fato pode não existir, e o que haverá é a aplicação do instituto de tutela.

1 NOÇÔES GERAIS SOBRE O INSTITUTO DA GUARDA

 

A guarda incide na prerrogativa legal atribuída aos titulares do pátrio poder ou terceiras pessoas de manterem consigo menores ou maiores inválidos, a fim de dirigir-lhes a formação moral e intelectual, suprir-lhes as necessidades materiais e imateriais, encaminhando-os para a vida. É a manifestação operativa do pátrio poder que, por seu turno, constitui-se no conjunto de equipamentos conferido aos pais para executarem o dever de assistência, amparo, sustento e direção no processo de formação da personalidade dos filhos[5].

Diferente é o conceito e alcance de guarda para os fins do Estatuto da Criança e do Adolescente. Neste, a guarda inclui-se entre as modalidades de família substituta, ao lado da tutela e da adoção, pressupondo a perda do poder familiar dos pais, razão por que é atribuída a terceiro[6].

A guarda se define através dos elementos que a asseguram, dispostos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), nos artigos que seguem:

Artigo 21 – O pátrio poder será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência. (Grifo nosso)[7].

Ou seja, o pátrio poder ou atual poder familiar será exercido por ambos os responsáveis, e em caso de desacordos, os mesmos poderão recorrer ao poder judiciário para sanar a situação.

Ademais, fundamentando a definição já exposta acima, “aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhe ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais”[8].

                   A norma jurídica fala que é de competência dos pais a criação e educação dos filhos. Contudo, nada fala em relação a como deve ser essa criação e educação. Leva-se em conta os laços familiares, pois a vida íntima desenvolve-se por si só. Porém cabe ainda dirigir espiritual e moralmente os filhos[9].

                   Entretanto, perderão o poder familiar e consequentemente a guarda os pais que deixarem de cumprir o dever legal e moral de criar e educar os filhos e sofrerão as sanções previstas no Código Penal para o crime de abandono material de menores[10], como veremos adiante mais aprofundadamente neste artigo.

                   Em síntese, é, pois, a guarda o dever de proteção caracterizada pela companhia dos pais junto ao menor[11].

2  PRINCÍPIOS BASILARES INERENTES À GUARDA

 

Devemos entender que o Direito de Família, necessariamente, merece ser analisado sob o prisma da Constituição Federal. E é por essa razão que trataremos aqui de alguns princípios advindos da carta magna que são importantes e que servem de fundamento para a guarda e o melhor desenvolvimento do menor em um ambiente familiar.

O primeiro deles é o princípio da função social da família. Há algum tempo se afirmava, nas antigas aulas de Educação Moral e Cívica, que a família é a célula mater da sociedade. Apesar de as aulas serem herança do período militar ditatorial, a frase ainda serve como luva no atual contexto, até porque o art. 226, caput, da Constituição Federal de 1988 dispõe que a família é a base da sociedade, tendo especial proteção do Estado[12].

Assim, as relações familiares devem ser analisadas dentro do contexto social e diante das diferenças regionais de cada localidade. Sem dúvida, a socialidade também deve ser aplicada aos institutos do Direito de Família, assim como ocorre com outros ramos do Direito Civil[13].

Isto é, não reconhecer a função social da família e à interpretação do ramo jurídico que a estuda é como não reconhecer função social da própria sociedade.

O segundo princípio é o do melhor interesse da criança, com suas raízes fundadas no art. 227, Caput da CF/88.

Prevê o art. 227, caput, da Constituição Federal de 1988 que

é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão[14].

Essa proteção é regulamentada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), que considera criança a pessoa com idade entre zero e doze anos incompletos, e adolescente aquele que tem entre 12 e 18 anos de idade. Em reforço, o art. 3º do próprio ECA prevê que a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e as facilidades, a fim de facultar-lhes o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade[15].

                   O último princípio que elencaremos é o princípio da afetividade. O afeto talvez seja apontado, atualmente, como o principal fundamento das relações familiares. Mesmo não constando a palavra afeto no Texto Maior como um direito fundamental, podemos dizer que o afeto decorre da valorização constante da dignidade humana. Em sede de jurisprudência nacional, o princípio da afetividade vem sendo muito bem aplicado, com o reconhecimento da parentalidade socioafetiva, predominante sobre o vínculo biológico[16].

Para nós, o princípio da afetividade é importantíssimo, pois quebra paradigmas, trazendo a concepção da família de acordo com o meio social.

 

3. PREFERÊNCIA DA GUARDA DOS AVÓS

Apesar de haver impedimento para a adoção por ascendentes (Art. 42, §1º[17]), a jurisprudência tem reconhecido a possibilidade de guarda para os avós o que guarda conexão com a exigência do ECA em manter a criança ou adolescente com sua família extensa ou ampliada.

                         Aqui, também, incide a norma basilar de interesse primordial da criança e do adolescente, muito embora temperada pela determinação de que considerar-se-á o grau de parentesco para a família substituta, deixando antever que têm os parentes mais próximos vantagem em relação aos demais e aos mais distantes e a até mesmo a terceiros[18].

Isto até tem especial razão de ser. Reconhece a lei que se o menor não permanecer com sua família natural, melhor que fique com parentes do que com estranhos. Sempre, no entanto, com exclusão de qualquer outro critério, há de prevalecer o seu bem-estar[19].

 

Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei.

§ 1º Sempre que possível, a criança ou adolescente deverá ser previamente ouvido e a sua opinião devidamente considerada.

§ 2º Na apreciação do pedido levar-se-á em conta o grau de parentesco e a relação de afinidade ou de afetividade, a fim de evitar ou minorar as conseqüências decorrentes da medida[20].

 

Percebemos aqui que existe uma preferência de acordo com a afinidade e afetividade, assim também, como o grau de parentesco mais próximo, que sendo em grau de ascendência, os primeiros na ordem de preferência devem ser os avós, caso ainda sejam vivos. Não podemos negar que na maioria das vezes os avós são os primeiros a serem procurados.

                   A jurisprudência tem decidido muitos casos em favor dos avós em se tratando de guarda de menores. Como ilustração, temos uma decisão de agravo de instrumento logo abaixo.

0029240-78.2013.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 1ª Ementa

DES. CARLOS JOSÉ MARTINS GOMES - Julgamento: 11/06/2013 - DÉCIMA

SEXTA CÂMARA CÍVEL.

Ementa: Agravo de Instrumento. Ação de guarda. Agravante que, na qualidade de avó materna, sustenta que reúne melhores condições físicas, sociais e materiais para a criação e educação de sua neta. Indeferimento da guarda provisória, tendo em vista a falta de concordância dos genitores. Com efeito, a avaliação das melhores condições e circunstâncias que atendam ao melhor interesse da criança envolve dilação probatória, inclusive, conforme asseverado pela própria recorrente, quando ressaltou que "no momento de atribuição da guarda deverão ser observadas as condições físicas, morais, sociais e econômicas dos requerentes, objetivando-se constatar qual deles revela melhores condições de exercer a guarda jurídica do menor". “In casu”, nada foi comprovado, existindo apenas a afirmação unilateral da requerente neste sentido e que a menor já se encontra sob sua guarda de fato desde o nascimento, inexistindo qualquer confirmação dos seus genitores sobre os fatos alegados, de modo que a decisão agravada encontra-se em harmonia com o princípio constitucional do contraditório e ampla defesa (artigo 5º, LV, da Constituição Federal), não se olvidando que o dever de criar e de educar os filhos compete, primordialmente, aos pais, em função do poder familiar. Decisão que não se configura teratológica, contrária à Lei ou à evidente prova dos autos.

Observância do Enunciado nº 59 da Súmula da Jurisprudência desta Egrégia Corte.

Recurso a que se nega seguimento[21].

Como podemos ver a decisão da guarda em favor da avó materna, além de servir de ilustração da consonância com os princípios e os dispositivos legais aqui já expostos anteriormente, também demonstra uma situação que coloca em cheque a permanência da guarda aos pais, que é justamente o caso dos maus tratos.

Contudo, as considerações sobre os casos e as situações previstas que permitem a atribuição da guarda aos avós, nós trabalharemos no item a seguir do artigo.

 

4 CASOS QUE ENSEJAM NA GUARDA DOS AVÓS E OS DIREITOS E DEVERES AVOENGOS NA RELAÇÃO FAMILIAR.

           

                   Sobre a guarda, esta é o poder-dever de manter criança ou adolescente no recesso do lar enquanto menores e não emancipados, dando assistência moral, material e educacional[22].

                   Cristiano Chaves de Farias confirma as hipóteses que ensejam na guarda extrapaternal dizendo que há possibilidade de guarda por um dos cônjuges quando há dissolução matrimonial, chamando esta de guarda familiar; e, de outro modo, quando o menor é posto em situação dita irregular, há a possibilidade de colocação de guarda em família substituta. Sobre esta ultima ele afirma:

Esta se concede quando estiver o infante em situação anômala (irregular, na expressão legal), de risco, consoante determinação do Art. 148 c/c 98, do Codex Menorista. (...) Somente quando ocorre vulneração ou ameaça a algum dos direitos assegurados à infância e juventude, notadamente elencados no Art. 227, CF, e no Art. 4º, ECA, é que encontrar-se-á respaldo para a guarda aqui em comento.[23]

                   Conclui-se que, no caso de dissolução do matrimônio e, após a mesma, a possibilidade de que alguns dos direitos da criança e do adolescente sejam mitigados, o juiz poderá conceder guarda a família substituta.

                   A essa família substituta são auferidos deveres. Entrementes, a nível de localização do problema, o que se busca precipuamente com aguarda - em ambas as modalidades - é garantir, a título de proteção integral, os direitos daquele que está submetido àquela condição[24]

 

5 CASOS QUE ENSEJAM TUTELA DOS AVÓS E OS DIREITOS E DEVERES AVOENGOS NA RELAÇÃO FAMILIAR.

5.1 DA PERDA DO PODER FAMILIAR DOS PAIS: Causas e Efeitos.

                   O poder familiar não é absoluto, podendo ser este retirado pelo Estado em determinados que serão a seguir elencados. O Código Civil deixa claro a possibilidade de perda do poder familiar no artigo 1638, e, de maneira especial, no artigo que o antecede, os quais versam:

Art. 1638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: I – castigar imoderadamente o filho; II – deixar o filho em abandono; III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente

Art. 1637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha. PU. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão.

 

                         Por sua gravidade, a perda do poder familiar somente deve ser decidida quando o fato que a ensejar ponha em perigo permanentemente a segurança e a dignidade dos filhos. Isso demonstra que não é tão simples se demonstrar a perda do poder familiar [25].

                         É possível, assim, se visualizar pelo menos dois tipos de condutas que ensejam na perda do poder familiar dos pais. São essas causas abusivas de ação e causas abusivas de omissão. Obviamente, hão de ser analisadas no caso a caso. São fatos ou omissões que demonstram deficiências que não condizem com o que se espera da autoridade paternal. Como diz a hermenêutica, é somente contra fatos (ou omissões), que se têm argumentos [26].

 

5.1.1 Das Causas Abusivas de Ação

 

                   Essas causas parecem de mais fácil visualização no próprio artigo 1638 nos incisos I, III e IV. Exigem um ato comissivo; uma ação própria, que ensejará em uma conseqüência, seja direta ou indireta, no que tange a segurança ou dignidade, física ou psíquica, dos filhos em questão. Sobre as tais, Pereira explica da forma seguinte:

Inciso I – Do castigo imoderado. “(...) o castigo, sem excessos, é lícito; a lei pune o exagero, na intensidade dele; ou na sua qualidade (...). Se o castigo exceder a moderação, pode o juiz destituir o pai ou a mãe, de seu poder”

Inciso III – Praticar atos contra a moral ou aos bons costumes. “(...) abrangem vasta Doutrina as situações de abuso de caráter sexual (...)”  Também se descreve a possibilidade da violência intrafamiliar (entre o próprio casal) incorrer no caso do inciso III, devendo o juiz ponderar até que ponto essa violência pode afetar os filhos, de modo que se tomem providências para que não aja tal interferência.

Inciso IV – Reincidência da causa suspensiva. Sobre esse fato, ocorre quando um ou ambos os pais de alguma forma arruínam os bens dos filhos ou são sentenciados irrecorrivelmente com penas que ensejam mais de dois anos de reclusão. Quando essas práticas acontecem de forma reiterada, pode o juiz decretar a perda do poder pátrio[27].

5.1.2 Das Causas Omissivas

                       

A priori, pode-se presumir que o verbo aqui poderia se resumir em “deixar”. Contudo, a conduta omissiva vai além de deixar com que algo tome rumos desconexos com o que se pede de uma autoridade familiar. (...) deixar o filho em estado de vadiagem, mendicidade, libertinagem ou criminalidade; exercitar ou propiciar esses estados ou concorrer para a perversão[28]

Silvio de Salvo Venosa explica que abandonar não é apenas deixar o filho sem assistência material, mas também a omissão de amparo intelectual e psicológico. Ao final ele afirma que quaisquer dessas falhas podem tirar a perda do poder familiar não somente de um dos pais, como de ambos[29]

Observando esses casos, o próprio Ministério Público deve acionar o poder judiciário para decretar a perda do poder familiar do ou dos pais. Há, no entanto, de se frisar que o que se visa com a destituição desse poder paternal não é a simples perda em si, como punição, mas, o afastamento de possíveis danos que podem advir aos filhos em tal relação. Nesse sentido, o processo de perda do poder familiar, quando ocorre de ambos os pais destituir-se dele, ou que, enquanto um se destitui e o outro não tem as mínimas condições de exercê-la, nomeia-se um tutor, que será, de preferência, parentes mais próximos.

A relevância deste tópico para o presente trabalho está no fato de que a perda do poder familiar traz a necessidade de tutela para salvaguardar-se o desenvolvimento da criança e do adolescente. A perda do poder familiar, então, pode dar ensejo à possibilidade de guarda avoenga, tendo em vista que são parentes muito próximos da criança que está desolada no caso de perda do poder familiar pelos pais.

O julgado mostrado no tópico acima deste demonstra que não é tão simples, porém, obter-se a guarda na qualidade de avô ou avó. Observa-se que o julgamento afirma que não se ficou demonstrado 1) que houve qualquer uma das hipóteses que ensejaria na perda do poder familiar e, assim, na possibilidade de sua tutela; e 2) não foi demonstrado a anuência dos pais na guarda avoenga, ainda que se tenha deixado a criança sob guarda de fato da avó. Há, para tanto, um processo. Há de se pedir a guarda. O processo de guarda avoenga, no entanto, não tem como pedido a perda do poder familiar dos pais, por qualquer que seja o motivo. No que propõe o artigo, não é o pedido em si, mas para a causa do pedido se faz necessário demonstrar a tal da perda desse poder provinda dos pais legítimos, sob pena de não conseguir-se a guarda intentada. Isso porque se se reconhece, em qualquer fonte do direito de família, que é dever primordial dos pais cuidar de seus filhos, passando-se a tutela caso estes estejam, de alguma forma, impossibilitados. Eis, portanto, a importância de se compreender as possibilidades de perda do poder familiar para o artigo em questão.

5.2 DIREITOS E DEVERES DOS AVÓS NA TUTELA DOS NETOS

 

5.2.1 Requisitos

 

Silvio Rodrigues assevera que Assim, perante os olhos do Código Civil é lícito definir a tutela como “um instituto de nítido caráter assistencial e que visa substituir do pátrio poder em face das pessoas cujos pais faleceram ou foram suspensos ou destituídos do poder paternal[30].

                   O artigo 1728 indica que “os filhos menores são postos em tutela: I – no falecimento dos pais ou sendo estes julgados ausentes; II – em caso de os pais decaírem do poder familiar”. No artigo 1731, como se percebe no decorrer deste trabalho, afirma que “Em falta de tutor nomeado pelos pais incumbe a tutela aos parentes consanguíneos do menor (...): I – aos ascendentes, preferindo o de grau mais próximo ao mais remoto”, o que nos indica que a tutela avoenga deve ser a primordialmente procurada. O artigo 1735 trata das impossibilidades do exercício da tutela.

Como se já compreende, para que se tenha lugar a possibilidade de tutela, há de se observar a perda ou a suspensão do poder familiar, tendo em vista que não se pode existir tutela quando ainda há autoridade paternal que influencia a vida da criança[31].

5.2.2 Direitos e Deveres

 

                   Venosa trata da situação da seguinte maneira:

Para desempenho da tutela, o tutor é provido de uma soma de poderes que se assemelha ao poder familiar, mas com este não se confunde. O tutor possui poderes para praticar atos em prol do menor, mas não terá as mesmas faculdades do pai: age sob vigilância do juiz, necessitando de autorização judicial para a prática de inúmeros atos, em dimensão maior que a restrição imposta aos pais.[32]

               

O artigo 1740 trata do exercício da tutela, e diz:

Incumbe ao tutor, quanto à pessoa do menor: I – dirigir-lhe a educação, defendê-lo e prestar-lhe alimentos, conforme os seus haveres e condição; II – reclamar do juiz que providencie, como houver por bem, quando o menor haja mister correção; III – adimplir os demais deveres que normalmente cabem aos pais, ouvida a opiniao do menor, se este já contar doze anos de idade

               

Por fim, conclui-se que, tendo os pais perdido o poder familiar (e assim não tendo a capacidade de nomear um tutor), o juiz o nomeará, ou ascendente ou consangüíneo mais próximo. Fato é que, a primeira opção é a guarda avoenga. Isso ocorre quase que automaticamente quando ambos os pais decaem do poder familiar. No entanto, quando um dos pais permanece na guarda, torna-se a tutela avoenga um tanto quanto mais distantes. Nessa situação, os avós têm de pleitear pela guarda quando se visualize falha em alguns dos deveres paternais oferecidos pelo pai ou mãe que não decaiu do poder familiar. Isso somente o juiz pode deferir, tendo como relação a casuística. Quando, porém, é concedida a tutela aos avós, eles têm os mesmos deveres dos pais, no entanto, sendo assistido, ou melhor, fiscalizado pelo juiz acerca de seu trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Há de se vislumbrar, ao fim da discussão, que, não obstante as diferenças doutrinárias e procedimentais, os princípios basilares e os objetivos que dão ensejo aos institutos de guarda de família substituta e de tutores são os mesmos, tendo em vista que almejam não a punição dos pais negligentes ou nocivos (quando há dissolução familiar ou perda do poder pátrio), mas o cuidado com a criança e o adolescente.

 Para o trabalho, então, não importa se houve dissolução do matrimônio ou atos perigosos foram realizados pelos pais. O que importa é que os filhos precisam ser protegidos e seus direitos assegurados. E nada mais lógico que os avós participem de maneira privilegiada da guarda ou tutela de seus netos, tendo em vista que estão de maneira mais intimamente ligados a eles, mesmo que em alguns casos não tenha demonstração de grande posse de bens.

Diante desse quadro, o presente estudo buscou mostrar a melhor forma de privilegiar o menor, em caso de guarda e tutela concedida aos avós, visando os seguintes aspectos: O bem-estar da criança ou adolescente, sua estabilidade no que diz respeito aos quesitos emocional e financeiro, e sua proteção.

Desse modo, no decorrer do trabalho, foram explicitados o que pode ensejar a guarda aos avós e quais casos ensejam a tutela dos avós, bem como seus direitos e deveres durante o exercício da tutela.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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LÔBO, Paulo. Guarda e convivência dos filhos após a Lei nº 11.698/2008. 2010. Disponível em:< http://saiddias.com.br/imagens/artigos/15.pdf>. Acesso em 20 abr 2014.

PEREIRA, Caio M. da Silva. Instituições de Direito Civil. Direito de Famíloa. Vol 5, 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

TARTUCE, Flávio. Novos Princípios do Direito de Família Brasileiro. 2009.  Disponível em:<http://professorallan.com.br/UserFiles/Arquivo/Artigo/artigo_novos_principios_do_direito_de_familia_tartuce.pdf>. Acesso em 19 abr 2014.

TJ do Rio de Janeiro. 0029240-78.2013.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 1ª Ementa DES. CARLOS JOSÉ MARTINS GOMES - Julgamento: 11/06/2013 - DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Direito de Família. 7. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2007.



[1] Paper apresentado à disciplina Direito de Família e Sucessões do 6º período da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB

[2] Aluna do 6º período da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB

[3] Aluna do 6º período da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB

[4] Professora. Me. Orientadora

¹ GESSE, Eduardo. Guarda da Criança e do Adolescente: Conceito, ponderações sobre as diversas espécies e um breve exame de critérios e peculiaridades específicos de cada uma delas. São Paulo, 2001, pág. 3. Disponível em:<http://www.pjpp.sp.gov.br/wp-content/uploads/2013/12/2.pdf>. Acesso em 20abr 2014.

² LÔBO, Paulo. Guarda e convivência dos filhos após a Lei nº 11.698/2008. 2010, pág. 2. Disponível em:< http://saiddias.com.br/imagens/artigos/15.pdf>. Acesso em 20 abr 2014.

[7]Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), art. 14.

[8]Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), art. 21.

[9]DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro.18 ed. São Paulo: Saraiva,2002, pág. 451.

[10] Idem, pág. 452

[11] CARVALHO, João Andrades. Tutela, Curatela, Guarda, Visita e Pátrio Poder. Rio de Janeiro: Aide, 1995, pág. 145.

[12] TARTUCE, Flávio. Novos Princípios do Direito de Família Brasileiro. 2009, pág. 6.  Disponível em:< http://professorallan.com.br/UserFiles/Arquivo/Artigo/artigo_novos_principios_do_direito_de_familia_tartuce.pdf>. Acesso em 19 abr2014.

[13] Idem.

[14]Constituição Federal de 1988, art. 227, Caput.

[15] TARTUCE, Flávio. Novos Princípios do Direito de Família Brasileiro. 2009, pág. 5.  Disponível em:< http://professorallan.com.br/UserFiles/Arquivo/Artigo/artigo_novos_principios_do_direito_de_familia_tartuce.pdf>. Acesso em 19 abr 2014.

[16] Idem, pág. 6.

[17]Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), art. 42, §1º.

[18]FARIAS, Cristiano Chaves de. A guarda e a tutela no direito brasileiro. Bahia, 2011, pág. 5. Disponível em:< http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/infanciahome_c/Guarda_Tutela/gt_doutrina_guarda_tutela/A%20guarda%20e%20a%20tutela%20no%20direito%20brasileiro%20-%20MPBA.pdf>. Acesso em 19 abr 2014

[19] Idem.

[20]Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), art. 28, §1º e 2º.

[21]TJ do Rio de Janeiro. 0029240-78.2013.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 1ª Ementa DES. CARLOS JOSÉ MARTINS GOMES - Julgamento: 11/06/2013 - DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL.

[22] SILVIO RODRIGUES. 1997, p.21, op cit FARIAS, p. 2

[23] FARIAS, Cristiano Chaves de. A guarda e a tutela no direito brasileiro. Bahia, 2011. Disponível em:< http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/infanciahome_c/Guarda_Tutela/gt_doutrina_guarda_tutela/A%20guarda%20e%20a%20tutela%20no%20direito%20brasileiro%20-%20MPBA.pdf > Pág. 4

[24] Idem. Pág. 3

[25] LÔBO, Paulo. Guarda e convivência dos filhos após a Lei nº 11.698/2008. 2010. Disponível em:< http://saiddias.com.br/imagens/artigos/15.pdf>. P. 308

[26] PEREIRA, Caio M. da Silva. Instituições de Direito Civil. Direito de Família. Vol 5, 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. P. 438

[27] Idem.  P. 436

[28]Ibidem. P. 438

[29] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Direito de Família. 7. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2007.

P. 301-2

[30] RODRIGUES, 1991, p. 376, op cit FARIAS, p.1

[31] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Direito de Família. 7. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2007, p. 406.

[32] Idem, p. 406-7.