Relacionamentos Kabbalísticos

     À medida que o grupo se torna mais sólido e aprofunda seus estudos e exercícios, sua complexidade aumenta. Depois que termina o período de lua-de-mel e tem lugar a primeira seleção das pessoas que não desejam trabalhar desta maneira específica, dá-se uma consolidação dentro do grupo, construída sobre uma linguagem criada comunitariamente e sobre experiência partilhada. A linguagem é um fator crucial, porque se desenvolve e se torna cada vez mais precisa, sutil e sofisticada, enquanto o grupo progride. Em seu extremo, isto é testemunhado em determinados manuscritos kabbalísticos, que, para compreendê-los, deve-se ser o erudito dos eruditos. Embora isto possa ser bastante aceitável dentro de um círculo de pessoas cultas, não é aplicável aos homens e mulheres que atuam no mundo em geral. Assim, enquanto a “língua franca” do grupo se encaminha para uma exata de expressão sobre assuntos kabbalísticos, não deve perder seu claro relacionamento com a vida comum. Aqui o equilíbrio entre os mundos é mantido corretamente. Não significa dizer que qualquer um seja capaz de entender com facilidade o que está sendo discutido no grupo, mas que esta linguagem não deve se transformar em puro jargão, e ser ininteligível.

     O lento acúmulo da experiência partilhada, baseado no que é trazido de fora para o grupo e no que é vivido durante as reuniões, com o passar do tempo preencherá as várias tríades da Árvore do grupo. Assim sendo, quando as pessoas trazem observações serão integradas em uma memória comum, como também o que se vive durante as reuniões, tais como no ritual da cadeira. O preenchimento das tríades e o aprofundamento da compreensão dos SEfirot, contudo, não só unifica o grupo, mas também dá início a uma diferenciação sutil dentro dele, que se torna mais pronunciada à medida que o grupo cresce em dimensão e capacidade.

     O primeiro estágio de diferenciação é a formação de subgrupos que possuam afinidades sociais, profissionais e de temperamento. Aqui semelhante atrai semelhante com toda a dinâmica do relacionamento humano. Algumas pessoas se sentirão bastante bem por um período, pois os seus egos yesódicos se relacionarão nessa área pessoal. Mais tarde, descobrirarão que há uma outra camada com a qual, em nível mais profundo, têm pouco em comum, embora possam ainda estar comprometidas com a Kabbalah. Outros acham que as circunstâncias as une, no sentido de que vivem no mesmo bairro e, assim, partilham do mesmo caminho até o grupo. Pode ser uma conexão de conveniência, mas é feita de muito puco mais que isso, pois não é apenas pelo fato de alguém ser membro do mesmo grupo que serão necessáriamente íntimos. Muitas pessoas preferem a distância quando fora da reunião por diversos motivos, e isto lhes deve ser permitido, pois não se deve abusar da boa vontade gerada durante as reuniões. A amizade deve ser ainda uma afinidade natural, e não forçada. Na verdade, alguns grupos instituem a regra de que ninguém que já não mantenha um relacionamento social ou profissional deve cultivar uma vinculação baseada na Kabbalah, embora a conexão possa ser reconhecida silenciosamente, quando as pessoas se encontram por alguma circunstância. O motivo disso é duplo. O primeiro é porque, em alguns casos, é excessivamente perigoso, como em alguns países, reconhecer abertamente uma conexão que poderia ser vista como herética, subversiva ou revolucionária; e o segundo é o fato de ser uma disciplina planejada para manter a consciência acima do nível comum do relacionamento social. Os maçons guardam esta regra, embora eventualmente, possa se tornar uma forma corrompida de exclusividade.

     A forma mais íntima de relacionamento, o amor, é possível acontecer em um grupo durante seu desenvolvimento. É um fenômeno perfeitamente natural, mas pode causar grandes problemas. Nada é mais raro e excitante que encontrar alguém do sexo oposto tanto desejável como comprometido com o desenvolvimento interno. Se este sonho se realizar é ótimo, desde que as pessoas envolvidas tenham intenções maduras o suficiente. Então o relacionamento pode seguir o seu curso teórico rumo ao casamento e a um compromisso para a vida toda. Mas como todos sabem, esta situação só ocorre ocasionalmente. Contudo, embora os altos e baixos de um caso de amor devam ser administrados fora das reuniões, suas manifestações não só afetam seus protagonistas, mas também os mais próximos, o que, muitas vezes, significa outros membros do grupo. Falando no geral, o tutor não deveria se envolver na situação, mas, às vezes, ela não pode ser evitada, se esse contexto afetar o grupo pela criação de uma atmosfera negativa, depois de uma briga de amantes, ou durante o término de um caso de amor. A responsabilidade do tutor aqui é reagir apenas quando solicitado pelas duas pessoas envolvidas, ou intervir se houver uma ameaça de ruptura na reunião. Então pode ser necessário pedir para um dos dois se manter afastado por algum tempo, até a atmosfera se acalmar, ou alterar a vinda deles ao grupo, até chegarem a um acordo entre si. Ninguém deveria ser expulso do grupo se desejar continuar na Kabbalah, a menos que a intenção seja ferir o ex-amante, tentando destruir a harmonia do grupo como às vezes acontece.

     Outro problema possível de acontecer é um dos participantes do grupo, casado com uma pessoa que não está interessada em Kabbalah, se apaixonar por alguém que está. A situação na qual esta pessoa se encontra não é fácil, e de forma alguma incomum, quando em casa nada é partilhado, além dos trabalhos domésticos e dos filhos. Com a paixão dos primeiros anos de casamento ausente, e tendo apenas uma rotina agradável ou desagradável, muitas pessoas começam a ansiar por algo mais e a buscar um significado mais profundo para a vida. Em um grupo dedicado ao desenvolvimento interno existem muitos amigos que se tornam mais próximos que a própria família. São verdadeiros companheiros, e dentre eles pode haver um homem, ou uma mulher, que corresponda exatamente a um parceiro ideal em corpo, alma e espírito. Esta é uma atração muito poderosa, e não se pode ousar julgar as pessoas nesta posição, porque quando um indivíduo atinge este estágio de desenvolvimento, os critérios comuns das convenções sociais não possuem o mesmo significado. Uma pessoa, por exemplo, envolvida em um casamento que só gera a discórdia ou, ainda pior, uma letargia embotadora da alma, deve ficar abalada ao encontrar outro indivíduo que provoque o melhor de si. É um difícil problema de ética moral, de sina e de decisão, no qual as pessoas envolvidas devem trabalhar recorrendo aos princípios espirituais. Em certos casos, pode ser bastante correto terminar um casamento decadente e iniciar um novo relacionamento. Em outros. Pode ser correto continuar, devido a algum karma inacabado, ou a alguma tarefa de apoiar, e até mesmo auxiliar, o parceiro original. Aqui o tutor deve ser o mais cuidadoso possível para não interferir, e, quando solicitado a aconselhar, deve sempre refletir sobre as implicações maiores e mais profundas da situação. Em tais considerações, os critérios devem ser o que é verdadeiro, o que deve ser aprendido, e quais serão as conseqüências para cada uma das pessoas envolvidas.

     Além dos relacionamentos sociais e íntimos que deveriam começar a surgir no período posterior ao da lua-de-mel, também surgirá a primeira estratificação do grupo. Como foi visto, já existem os que sabem alguma coisa sobre Kabbalah, ou que estiveram antes sob alguma disciplina espiritual. No início formarão o núcleo interno do grupo, pois, em geral, contribuem muito mais que os outros. Algumas dessas pessoas teriam saído na primeira turma dos que não desejavam trabalhar dessa maneira, e algumas das que permanecem, a esta altura, podem ser ultrapassadas por pessoas mais adiantadas que sabem tanto quanto elas, se não muito mais, tendo dominado a teoria e os exercícios. Em alguns casos, isso provoca competição e atrito ao nível do ego, trazendo dificuldades para o indivíduo e para o grupo em geral. Aqui o tutor deve agir como um misto de diplomata e sargento do regime, isto é, Hesed e GEvurah, para aplacar e encorajar os yesods das pessoas a desistirem da imagem de serem aqueles que sabem muito, quando na realidade sabem só um pouco, o que, com demasiada freqüência, se torna evidente à medida que o resto do grupo se desenvolve. O tato e a verdade são essenciais nessa delicada operação, ou um estudante com um grande potencial pode perder-se por ser exposto de forma muito abrupta à sua própria ignorância.

     Do núcleo original do grupo, os que chegam ao lugar onde foi conquistado um certo grau do despertar, estes se tornarão os estudantes mais próximos ao tutor. Estas pessoas podem não ser necessariamente amigas, ou mesmo se darem bem quando estão juntas. O que as une é o compromisso consciente com o grupo. Isto é bastante diferente de uma ligação coletiva inconsciente que outros participantes possam experimentar. Este núcleo interno é o ponto de crescimento do conjunto, que, mais ou menos nesse período, começa a se estratificar em três esferas distintas. A primeira é o núcleo próximo ao eixo do tutor; a segunda é composta por aqueles que reconhecem o valor dos Ensinamentos, mas não estão totalmente comprometidos; e a terceira, aqueles que encaram o grupo como um lugar de encontro quase que social. Deve ser acrescentado que muitas pessoas de inteligência elevada e bastante avançadas se encontram na última categoria porque nunca assumem, de fato, nenhum compromisso, temendo perder qualquer individualidade porventura adquirida ao se “submeterem” a ela, ao tutor, ao grupo, ou ao Ensinamento. Sem dúvida alguma, “consentir” é um termo melhor. Não é exigido que ninguém seja um escravo. De acordo com a tradição kabbalística, o Santo deseja cooperação, e não sujeição. O grau de compromisso diferencia os níveis, embora cada indivíduo possa alterar sua posição dentro do grupo, porque, na maior parte do tempo, nunca se permanece no mesmo estado de consciência e, assim sendo, de consistente integridade. Por exemplo, mesmo aqueles do grupo interno podem passar por lapsos, à medida que compreendem seu potencial e consideram-se, com um pouco da ajuda luciférica, os mais brilhantes depois do tutor. Aqui temos o primeiro dos testes mais sérios que todos os estudantes comprometidos devem passar assim que encontrarem a resistência da Oposição ao desenvolvimento do grupo, o que gera o fenômeno do estudante-estrela.