RELACIONAMENTOS E APARÊNCIAS NA EMPRESA

A boa convivência dentro do ambiente de trabalho interfere nos negócios sim.

Uma das capacidades humanas mais evidentes consiste em “não perceber” determinadas coisas ao seu redor. Fazemos isso automaticamente todos os dias por uma razão bem simples: perceber significa, em algum grau, se envolver!

Como normalmente achamos que “já temos problemas demais”, evitamos perceber uma série de coisas para não ter de nos envolver com novas situações que poderiam nos trazer alguns “probleminhas” a mais...

A popularmente chamada “vista grossa” ou, de maneira mais elegante, nossa miopia cotidiana, muitas vezes ocorre automaticamente e, outras tantas, conscientemente.

O fato é que essa miopia nos leva a viver num mundo que não existe, uma espécie de mundo simplificado que, longe de solucionar nossos problemas, muitas vezes os agrava.

Chegamos ao trabalho, cumprimentamos as pessoas e notamos que algumas estão sorridentes e receptivas, outras um tanto indiferentes e, outras ainda, um pouco mal-humoradas. Ao mesmo tempo que damos o nosso “oi matinal”, exercemos duas características básicas: uma, a nossa miopia e, outra, sua íntima associada: a nossa capacidade de fazer julgamentos precipitados.

Julgamos que os sorridentes e receptivos são legais, que os indiferentes são egoístas e que os mal-humorados não apreciaram nossa chegada.

Mas, as pessoas sorridentes, não necessariamente, estão felizes, receptivas e realmente sentem prazer em nos ver. Seu comportamento pode simplesmente fazer parte do seu repertório social, uma espécie de “política da boa vizinhança”.

Os indiferentes não são necessariamente indiferentes mesmo. Muitas vezes, são pessoas introspectivas e ou estão vivendo dramas pessoais tão intensos que as fazem desligar ainda mais profundamente do que está á sua volta.

O mal-humorado pode ser alguém cujo biorritmo não funciona bem no período da manhã, alguém com distúrbios de sono e, até mesmo, alguém que segundo antes discutiu com outra pessoa em nossa defesa e, ao nos ver, retratou sua indignação com o fato anterior e não com a nossa chegada!

Pessoal versus profissional – Somos peritos em aparências e, muitas vezes, completamente leigos em essência. Nós nos esquecemos que nossos encontros com as outras pessoas não são neutros e que elas são universos em construção e expansão, assim como o cosmos!

Nossas bagagens emocionais se encontram antes mesmo que nossos olhos se cruzem e possamos dizer qualquer coisa. A realidade psíquica precede as demais realidades e lhes confere o cenário sob o qual as histórias irão se desenrolar.

Acreditar que em qualquer empresa as pessoas vão se relacionar profissionalmente e que a vida pessoal delas é deixada no estacionamento é uma profunda miopia.

Primeiro, porque não existe divisão real entre vida pessoal e profissional. Existem apenas tarefas e aspectos pessoais e profissionais de uma mesma vida. Você pode me contestar dizendo que consegue separar muito bem sua vida pessoal da profissional ou que conhece alguém que faz muito bem isso.

Bem, há pelo menos duas explicações: a primeira é que determinadas pessoas desprezam o seu “lado” pessoal ou profissional, embora finjam dar-lhe toda atenção e carinho. São espécies de atores sociais bem desenvolvidos que fingem se importar, mas, na verdade, não se importam. È muito fácil fazer com que algo que você não se importa não interfira em outra atividade!

Quantas pessoas você conhece que “estão” casadas, mas não “são” casadas? Que vivem com alguém mas não convivem? Que realizam relações sexuais sem amor ou prazer e um mínimo de dedicação proporcionar ao outro momentos mágicos? Percebe?

A segunda, mas não última explicação, está no fato de que algumas pessoas possuem uma incrível capacidade de foco – o chamado hiperfoco. Estas pessoas conseguem se concentrar de tal maneira no que estão fazendo, a ponto de acreditarmos que os demais aspectos de sua vida, por mais importantes que sejam não interferem.

Aprendendo a conviver – O relacionamento nas empresas é sempre humano em sua plenitude de defeitos e virtudes. Nosso comportamento pode estar adequado dentro dos moldes ditos profissionais – agimos de acordo com código de conduta e rituais sociais, mas em nenhum momento nossa complexidade psíquica e emocional está ausente.

Concluindo, se nos lembrarmos que nenhum de nós chegou até o momento atual sem sofrer traumas e que muitos deles ainda estão atuando fortemente em nosso comportamento, influenciando a forma como nos relacionamos com o mundo, é fácil perceber que vivemos todos imersos numa imensa aparência.

Em minha opinião, as grandes empresas são justamente aquelas que têm a dedicação e a coragem de vencer essa aparência cuidar de seus talentos, considerando suas essências, seus estilos e, sobretudo, permitindo que a realização profissional seja um caminho legítimo e digno para a autorrealização das pessoas que compõem a empresa. Querer que as pessoas se relacionem “profissionalmente” sem uma profunda busca pela compreensão das diferenças que as compõem e da fantástica bagagem de emoções, sentimentos e vivências que cada uma traz é um dos maiores terrorismos que podemos fazer dentro do ambiente corporativo.

O desafio é perceber e se envolver em profundidade na dimensão humana dos negócios. Afinal, negócios são ações eminentemente humanas, possíveis apenas através das pessoas. Retire a dimensão e não haverá negócios, apenas a manifestação dos instintos característicos do reino irracional: uma doentia manifestação da luta pela sobrevivência no que esta contém de mais selvagem!

O desafio é vencer o plano das aparências e a neurose coletiva da busca por resultados que não possuam dimensão humana. Qualquer resultado desprovido de dimensão humana é apenas um número e um número cada vez mais difícil de manter!

Cuidar das pessoas, ao contrário do que se pensa, não é apenas um discurso de humanistas, pacifistas e religiosos. Cuidar das pessoas é cuidar para que a vida possa continuar existindo no planeta!

 

Nádia Januário

Bacharel Administração com Habilitação em Marketing

Especialista em gestão de pessoas

Autora do livro: Tendências Globais em Gestão Treinamento e Desenvolvimento – ano 2020