RELAÇÂO ENTRE INSTITUIÇÃO DE ENSINO E O BRINCAR

 

 

Everson Augusto Marques

Gabriela Araújo Graciano

Silmara Aparecida Vigatti

Rachel Giglioti


Brincar não é “ficar sem fazer nada”, é ensinar a criança a viver.

Para a criança, brincar é coisa muito séria, pois ao brincar ela aprende, se desenvolve e aprimora competências para a vida, assim como desenvolve sua personalidade.

Brinquedo e brincadeira é trabalho de criança, atividade através da qual ela se desenvolve, descobre seu papel, seu lugar e seus limites, experimenta novas habilidades e forma um verdadeiro conceito de si mesma.

O ato de brincar é muito importante para o desenvolvimento integral da família e da criança. As crianças se relacionam de várias formas com significados e valores inscritos nos brinquedos. A criança constrói sua identidade brincando, e ao brincar, atua sobre a realidade, representando-a, vivendo-a, transformando-a.

Brincando, ela experimenta possibilidades sem assumir responsabilidade, explora o mundo, faz pequenos ensaios, compreende e assimila gradativamente suas regras e padrões, absorve o mundo em doses pequenas e toleráveis, e aprende como podem se relacionar: ela e o mundo. Distingue seus desejos e fantasias, da realidade; aprende a escolher, a decidir, a ter autonomia e iniciativa.

          No entanto, um sintoma grave e denunciador na criança, é o não brincar ou a inibição ao brincar; sendo que este fato pode ser um sinal de problema em seu desenvolvimento. A preferência constante pelo brincar solitário pode também revelar dificuldade de relacionamento com outras pessoas e uma fuga ao contato com a realidade.

A importância do brincar

 

As crianças não brincam sempre do mesmo modo, nem escolhem a mesma brincadeira sempre; Brougère (2010, p.32), afirma que ela não pode ser nem muito entediante nem muito desafiante ao ponto de provocar ansiedade; e quando falamos que “essa criança não sabe brincar” é porque a mesma não entra no universo do faz de conta.

Para Kishimoto (2000, p.39), a criança precisa de tempo e de espaço para trabalhar a construção do real pelo exercício da fantasia.

A escola, ou instituição de ensino, deve manter ou transformar a visão que a criança tem de si mesma, de suas capacidades e de seu valor, além de responder às necessidades da criança, através do estímulo à imaginação e à exploração; possibilitando que as crianças desenvolvam suas próprias teorias de mundo, permitindo a negociação entre o mundo real e o imaginado por elas.  Deve ser uma instituição ativa, atenta ao desenvolvimento da criança, estudando questões específicas das áreas do conhecimento, bem como discutir sobre o comportamento e a relação humana, integrando o conhecimento de vida à proposta pedagógica, proporcionando assim desafio para o educador, para a criança e para própria comunidade.

Viabilizando tempo para brincar, um ambiente para explorar e materiais que favoreçam as brincadeiras, os adultos estarão promovendo a aprendizagem das crianças, proporcionando o aprender fazendo e brincando, o empreendedorismo, o informar e formar; que possibilita à criança apreender novos conceitos, adquirir informações e até mesmo superar dificuldades que venham a encontrar em suas tentativas de aprendizagem.

Os professores são adultos significantes e modelos a serem imitados, bem como os amigos de brincadeira são os transmissores de novos padrões de comportamentos e atitudes; portanto educadores devem reconhecer as possibilidades de aprendizado que se pode obter com atividades ludo pedagógicas e conhecer a infinidade delas para inseri-las em seu dia-a-dia em sala de aula e também permitir-se ser lúdico. Nas escolas, o tempo destinado a essa atividade essencial ao desenvolvimento infantil é curto ou, ainda, está atrelado exclusivamente ao aprendizado. Não é errado usar o recurso da brincadeira para ensinar, porém, não é ideal limitar o ato de brincar a este objetivo, pois o brincar deve significar toda situação de espontaneidade, de naturalidade.

Pensando no papel da família para com o desenvolvimento da criança, é impossível não ter como centro do processo os pais, pois é com eles que as crianças compartilham suas primeiras emoções.

Para Piaget (1988), a família deve apoiar a criança, valorizar o seu trabalho na escola, o seu ganho de competências e habilidades. Os pais devem estar prontos aos pedidos dos filhos, sabendo discutir, rever, ceder ou impor normas.

Respeitar uma criança é aceitá-la do jeito que é, entender que ela vai crescer e construir sua própria vida, e que ela age movida apenas por suas necessidades, medos e aflições; é necessário ensinar-lhe, mas compreender seus limites, inclinações e imperfeições; pois a meta na vida dessa criança é tornar-se ela própria.

Para Weigel (1998), é importante que os adultos proporcionem situações às crianças, onde elas experimentem diferentes emoções. Portanto devemos evitar brinquedos afetivos (ursinhos, pequenas bonecas, etc.), por uma dupla razão: os pais os compram normalmente, e em geral, as crianças jamais se separam deles.

Ao longo dos anos, a importância de orientar e instrumentalizar o professor, para o conhecimento contínuo quanto às tendências e concepções pedagógicas, vem gradativamente recebendo maior investimento, por parte das secretarias e órgãos educacionais; possibilitando que a escola e a comunidade, criem momentos ou situações onde as crianças possam construir e ampliar suas experiências em brincar, para se tornarem sujeitos na construção e ampliação de seu desenvolvimento. Para Gilles Brougère as crianças brincam antes mesmo de entender o que estão fazendo. Elas percebem e atuam antes de entender o significado de suas ações e de poder refletir sobre elas.

         Sendo assim, a brincadeira deve começar a ser sugerida à criança o mais cedo possível. Por isso, a casa, a família, os pais são os primeiros a proporcionar incentivos à criança.

A criança deve ter um local onde possa usar de liberdade, arrumar e desarrumar a seu modo. Não deve ser interrompida subitamente quando estiver brincando. Porque este é o seu trabalho, sua tarefa, a sua forma de aprender a viver. (ENCICLOPÉDIA DA MULHER E DA FAMÍLIA, 1971, p.2).

 

         Não devemos, portanto, “obrigar” a criança a pensar, agir e se comportar, a partir de modelos pré-estabelecidos e incutidos em nossa personalidade adulta, mas deixá-la livre para imaginar, criar, se expressar e evidenciar seus anseios e desejos infantis.

 

 

O brincar nos dias atuais

 

Os meios de comunicação informam novidades e iniciam temporadas de consumo. As crianças costumam ser as grandes vítimas do consumo exagerado; pois são os adultos que influenciam as mesmas para o querer ter mais e mais.     Observa-se que muitas vezes as crianças não sabem responder qual o último presente (brinquedo) que ganharam; se esforçam para lembrar, ficam na dúvida ou não se importam com a resposta a dar.

         Isso nos faz pensar que a noção original (surpresa, expectativa, alegria) de presente/brinquedo perdeu totalmente o valor para grande parte das crianças, pois passaram a ganhar tantas coisas sem motivo que se tornou algo trivial, quase uma obrigação dos adultos para com elas.

         Em contrapartida, as mesmas respondem rapidamente e com exatidão se indagadas a nomear o que queriam ter; listando quantidades enormes de objetos.

         Para os pais (extremamente consumistas), é difícil lidar com o consumismo dos próprios filhos, pois os mesmos argumentam, pedem, insistem, berram e vencem o adulto “pelo cansaço” e pela chateação; sendo que na maioria das vezes, adquirem-se brinquedos caros, que encantam o adulto, e acabam não sendo valorizados pela criança.        

         Na sociedade moderna, com o crescimento das cidades, com o progresso tecnológico, e o acúmulo de conhecimentos, as brincadeiras infantis perderam seu espaço, e o brinquedo passou a ser um produto de consumo e deixou de ser uma diversão e alegria. Devemos ainda atentar para o fato de associar o brincar com a internet, pois a relação on-line não pode substituir a interação com o real; mas, as atividades lúdicas e tecnológicas podem conviver de forma harmoniosa, desde que utilizada de acordo com a faixa etária, o tempo adequado e o nível de compreensão e desenvolvimento da criança; sendo que as mesmas, “precisam do olhar, do toque, da voz, de encontros e encantos. Isso é proporcionado nas brincadeiras coletivas”. (GABRIEL CHALITA).

            Ressalta-se ainda, que o tempo usado no convívio com os filhos, é mais precioso que o dinheiro gasto para comprar coisas e adquirir objetos muitas vezes inúteis; e que a quantidade enorme de objetos que ganham, na maioria das vezes, não permite que desfrutem do uso deles. Lembremos ainda que os mesmos podem crescer, achando que tudo podem.

            É necessário que a escolha de brinquedos obedeça a critérios bem fundamentados, seja compatível com a idade da criança e possa ser capaz de estimular seu desenvolvimento; sendo que através da observação das brincadeiras dos filhos, os pais podem observar e aprender muitas coisas, como por exemplo, a versão da criança de situações da rotina familiar.

Mas para isso eles também precisam se inteirar e estimular a criatividade dos filhos nas brincadeiras construídas em casa. Os programas de TV, como os desenhos infantis, devem ser selecionados conforme indicação adequada para cada idade e fase de desenvolvimento. Quanto menor a criança, mais importante que o tempo diante da TV seja subdividido em períodos pequenos, para que ela possa digerir e processar o que assistiu, favorecendo a percepção de que a vida contempla múltiplos interesses.

              Brougère é favorável ao movimento de valorizar os jogos em que as crianças são personagens, atores, e deixar em segundo plano os brinquedos em que elas têm de atuar como diretores, pois os primeiros são melhores para o desenvolvimento cognitivo infantil.           

             Os pais devem embarcar no mundo da fantasia com seus filhos. As brincadeiras são ótimas para estreitar o relacionamento familiar. Em casa, com as crianças, pode-se criar brincadeiras bacanas que irão diverti-las e ao mesmo tempo ensinar algo novo. Para  Drumond, “brincar com a criança não é perder tempo, é ganhá-lo. Se é triste ver meninos sem escola, mas triste ainda é vê-los enfileirados em salas sem ar, com atividades estéreis sem importância alguma para a formação humana”.

As crianças devem colocar a fantasia para fora. Brincar de faz-de-conta é essencial para o desenvolvimento e para torná-las mais felizes e confiantes. Mas, através do convívio com os pais, observa-se que os mesmos preparam os filhos para serem os melhores do mundo, porém pensam pouco no presente; porque é mais fácil se ocupar do futuro, já que o presente exige ações imediatas.

Por meio dos estudos e das leituras realizadas na elaboração deste trabalho, observa-se que, para viabilizar um trabalho eficiente, uma boa estrutura é essencial, inclusive ter material suficiente para que todos consigam compartilhar um bom espaço de criação.

Os ambientes devem ser convidativos e contextualizados com a história que se quer construir. Uma sala bem cuidada, rica em cores e com variedade de brinquedos e estímulos, que possibilitem momentos criativos, prazerosos e produtivos.

Mas, infelizmente esta não é a realidade que os educadores vivenciam nas instituições públicas de Educação Infantil; pois os mesmos trabalham em condições muito precárias em relação à disponibilização de recursos pedagógicos (brinquedos educativos).

Brinquedos adequados e disponíveis para atender as diversas faixas etárias das crianças das unidades, simplesmente não existem. As professoras inserem o brincar e as situações de brincadeira em suas salas, através de brinquedos usados, trazidos de suas casas; também utilizam muito material confeccionado com sucatas, que promovem a estimulação e o desenvolvimento da criança, mas, são sucatas.

A criança pode e deve ter acesso a todo tipo de material, mas não somente os descritos acima. É importante também que manuseie brinquedos mais sofisticados, coloridos, que produzem grande variedade de cores e sons, etc.

Segundo o ECA (ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE), em seu capítulo IV, artigo 59 diz “Os municípios, com apoio dos estados e da União, estimularão e facilitarão a destinação de recursos e espaços para programações culturais, esportivas e de lazer voltadas para a infância e a juventude”; mas na realidade a Lei se depara com o despreparo e com a falta de conhecimento das necessidades de um determinado setor (neste caso a educação) pois geralmente os cargos são ocupados por pessoas que não vivenciam ou vivenciaram há anos atrás a realidade (diferente da atual), e a necessidade das unidades escolares e do Sistema Educacional público, não promovendo assim ações, estratégias e materiais que facilitem e completem o trabalho do educador. Algumas vezes, nas escolas, são elaboradas listas para aquisição de brinquedos que nunca chegam às unidades e quando chegam são materiais simples, de pouca ou nenhuma durabilidade, adquiridos através da burocracia das licitações e da incompetência das pessoas que procuram atender a estas listagens.            

No caso de brinquedos adequados para crianças com algum tipo de NEE (Necessidades Educacionais Especiais), nem é cogitada uma remota possibilidade (aliás acho que ainda nem pensaram nisto) de aquisição de materiais e brinquedos adequados às especificidades dos mesmos.

Portanto, podemos perceber claramente que a política pública educacional de nosso país “prega” mudanças e adequações no setor, que muitas vezes, de tão bem escritas e ou discursadas nos emocionam, mas a vivência e o trabalho diário destas instituições, infelizmente demonstram uma situação bem aquém do mínimo esperado pelos profissionais envolvidos no processo educacional.

            Para Brougère os professores precisam estar à vontade com o material à disposição em sala de aula e usá-los para enriquecer a experiência lúdica das crianças.

 

 

 

Conclusão

         

O estudo e a observação de brincadeiras possibilitam a investigação de um fenômeno infantil “espontâneo”; onde crianças exercem suas capacidades de apropriação e transmissão de práticas culturais, socialização, constituição do sujeito, reflexão, e construção do novo. Propõe uma visão integradora e transdisciplinar; a brincadeira funde harmoniosamente realidade e fantasia – sendo indispensável para a formação do indivíduo em sociedade.

            Desenvolver o interesse e o hábito pelo brincar é um processo que deve ser contínuo, que começa em casa, aperfeiçoa-se na escola e continua pela vida inteira.

Falta-nos a formulação de políticas públicas educacionais que efetivamente auxiliem e viabilizem possibilidades que promovam o brincar e as brincadeiras, dentro das instituições de Educação Infantil; e que possibilitem a existência e a expansão de uma rede escolar eficiente, criando e apoiando as instituições para que democratizem o acesso a brinquedos, bem como pela fundação e fortalecimento de organismos que disseminem e defendam essa política.

Sabemos que a maior parte das crianças tem seu primeiro contato com os brinquedos ao ingressar na escola. Portanto, é imprescindível que o mesmo entre para a vida da criança antes da idade escolar e passe a fazer parte de sua rotina; pois as famílias possuem um papel fundamental na formação da criança; é no lar que elas iniciam seu crescimento e desenvolvimento, portanto devem ser incentivadas desde o nascimento.

Atualmente, as creches e pré-escolas são reconhecidas como instituições de educação e as crianças deixaram de ser vistas como adultos em miniatura; mas o brincar continua vinculado à Educação Infantil e vai se reduzindo pelas etapas escolares, se extinguindo por volta do 6° ano; sendo que até esta fase deve-se estimular ainda o brincar e as brincadeiras, tanto nas atividades exteriores como nas vinculadas ao currículo formal e à aprendizagem sistematizada; entretanto sem promover vinculação entre a ideia de brincar e o aprender algo, pois nem sempre a criança aprende brincando. O brincar não pode ser um modismo, tem que ter um propósito e perpetuar-se na rotina escolar.

Aos professores é exigida uma formação docente de nível superior. Isso nos permite observar avanços significativos na Educação Infantil e, portanto, entender que ela não deve mais ser vista com olhar assistencialista e sim como uma instituição de educação que pode e deve trabalhar para a transformação da sociedade, formando adultos realizados e conscientes.

Diferentemente do que muitos educadores imaginam, brincar não é perder tempo, mas sim ganhá-lo em todos os sentidos: das relações humanas, da alegria, do prazer, da expressão dos sentimentos, da manifestação do riso, da expansão da criatividade, cabendo ao educador não desqualificar o conhecimento de mundo que a criança já possui. Foi necessário um longo período até se chegar a estas conclusões e a brincadeira deve ser levada como algo “sério”. Assim, a escola terá sempre um impacto no desenvolvimento da criança, em todas as dimensões, ciências, artes e linguagens simbólicas.

Segundo Brougère, para enriquecer o brincar, a escola deve ter como primeira atitude a observação, depois refletir sobre a qualidade dos espaços destinados às brincadeiras, sejam eles externos ou internos; considerar como o professor pode favorecer esse enriquecimento (ficar fora, intervir ou participar da brincadeira) a partir da percepção do educador, da idade das crianças, das circunstâncias e das condições da escola. Se em algum momento o professor sentir que deve propor uma ideia ou indicar o uso de um material capaz de deixar a brincadeira mais interessante, ele não deve se privar disso – desde que tenha em mente que não se trata de obrigar as crianças.


REFERÊNCIAS

 

 

Atividades Escolares- Especial. Bauru-SP: Editora Alto Astral, Ano I- N° 1 - p.26 e 27, 2008.

 

BARROS, Célia Silva Guimarães. Pontos de Psicologia do Desenvolvimento. São Paulo: Editora Ática, p.199 a 212, 1993.

 

 

BROUGÈRE, Gilles. Brinquedo e Cultura. São Paulo: Cortez, 2008.

 

 

Estatuto da Criança e do Adolescente. São Carlos-SP: Edição gratuita e distribuída pela Prefeitura Municipal de São Carlos, p.24, 2007.

 

 

Folha de São Paulo. Caderno Equilíbrio. São Paulo-SP: 19/11/2009.

 

 

KISHIMOTO, T. M. O Brincar e suas teorias. São Paulo: Pioneira, 2002.

 

 

Revista Nova Escola. São Paulo: Editora Abril, Ed. n° 217, p. 48 a 57, Ano XXIII, Novembro/2008.

 

Revista Nova Escola. São Paulo: Editora Abril, Ed. n° 230, p. 32 a 35, Ano XXV, Março/2010.

 

Revista Projetos Escolares- Educação Infantil. São Paulo: On Line Editora, Edição Ano 4 n° 45 p. 3,31,32,33; Edição Ano 5 n° 53 p.3; Edição n°57 p.3,31,32,33.

 

SAYÃO, Roseli. Como Educar Meu Filho. São Paulo: Edição Publifolha, p.12, 2009.