INTRODUÇÂO

Em recente estudo sobre casos clínicos e fisiopatologia de morte encefálica, houve surpresa sobre os avanços nessa área. Estava bem consolidado o conhecimento de que midríase paralítica, abolição de reflexos córneo-palpebrais, óculo-vestibular seriam indicadores fortes sobre o quadro de morte cerebral, legitimando a realização do teste de apneia. Por fim seria o critério de silêncio elétrico, para em definitivo atestar a morte clínica do paciente em questão.

Na revisão da literatura recente, houve constatação a despeito de resoluções sobre os critérios de morte cerebral, que tais critérios estão longe de serem efetivos, qui sá, inócuos em suas realizações. O “famoso” Teste de Apneia pode, sozinho, determinar a morte do paciente testado, pela falta do aporte necessário de O2 para o paciente, ou ser o responsável pela instabilidade clínica, que poderá aumentar consideravelmente os índices de morbi-mortalidade.

O presente trabalho visa explorar melhor o que é morte cerebral, como se chega a ela e o seu diagnóstico, para podermos refletir melhor sobre o tema.

2. MORTE CEREBRAL

A morte neurológica, também denominada morte cerebral, é a perda definitiva e total da consciência e funções do tronco cerebral. Como a morte é irreversível, a manutenção artificial do organismo biologicamente ativo é realizada artificialmente, através de drogas e aparelhos, para tal fim. Nesse ponto cabe diferenciar biologicamente ativo de vivo. Analisando a clássica definição de ser vivo, nasce, cresce, reproduz-se e morre, temos aqui um ser que além de por si só, não conseguir realizar as funções necessárias para manutenção da vida, que dirá da reprodução. Logo não temos um ser vivo em completo, mas um organismo biologicamente ativo.

Quando vamos mais longe, perpassando a terminologia de tecidos vivos, entremos na seara da filosofia e ética para definir o que é vida humana. De modo simplório podemos definir que um ser é vivo quando há possibilidade de consciência, indo de encontro ao professor Mario Sérgio Cortella , que afirma que todo ser vivo morre mas o único que é mortal é o ser humano, pois só este tem consciência da morte.

Superado esse tema, temos que o conceito de morte neurológica é aceito em todo mundo, mas os testes para sua constatação, mudam ao longo do tempo. Essas mudanças decorrem do processo evolutivo do conhecimento, onde o que ontem era o estado da arte no conhecimento, hoje é superado por novas descobertas.

A legislação americana, define que morte neurológica é a ausência de função de todo o cérebro e não de parte dele. Logo advém deste princípio que não se pode presumir que haja morte encefálica apenas com perda da função de parte do encéfalo. Nesse sentido resta-nos claro que não podemos atribuir morte encefálica, somente com perda de determinada função e que testes que possam levar a danos em outras regiões sejam lícitos, justificados pela idéia que uma vez que não haja retorno a consciência, não há vida, até porque como mencionado anteriormente, técnicas mudam e conceitos evoluem, não legitimando atos nocivos por presunção de que nada mais pode ser feito, ou que a crença filosófica pode gerar azo a expor o paciente a riscos.

3. TESTE DE APNEIA

Os núcleos do trato solitário, situados no bulbo possuem o controle da função primária do controle da respiração. Eles reconhecem 3 estímulos, através de quimoreceptores, a saber: tensão sanguínea de CO2 (PCO2), composição química do sangue (pH), amplitude e distensão pulmonares (mecano-receptores da caixa torácica).

Os neurônios do nervo frênico e nervos intercostais estão sob controle dos centros respiratórios. Apesar de haver controle parcial da respiração, não podemos ficar sem respirar indefinidamente, com os controles supracitados o organismo detecta a hipercapnia e deflagra o movimento ventilatório, autonomamente. Isso explica o porquê nos afogamos, não conseguimos manter a apnéia indefinidamente.

Quando ocorre lesão do centro respiratório vários padrões respiratórios podem ser detectados, como Cheyne-Stokes, padrão apnêustico, respiração de Biot, respiração de Kussmaul.

As bases fisiológicas do teste de apnéia serão sempre iniciadas por uma possível lesão irreversível do encéfalo de tal sorte a comprometer o centro respiratório, sendo incapaz de controlar funções vitais. Ademais sugere-se que a lesão de tal centro evoluirá certamente para perda da função de controle cardiovascular. Ora sem o controle central cardio-respiratório seria a vida impossível.

Dessa premissa, parte a legitimação para o teste de apnéia. Foram criados em todo mundo, vários protocolos de teste de apnéia.

Nos referidos protocolos deve-se estimular a ventilação involuntária, deflagrada pelos centros respiratórios, através de estimulação por uma indução de hipercapnia e hipoxemia.

O paciente é ventilado de tal sorte que o nível de PCO2 alcance um nível máximo e durante o teste é suplementado com O2, através de cânula posicionada acima da carina. O objetivo do teste é elevar a PCO2 a valores superiores a 55mmHg, conseguindo-se isto desconectando o paciente do respirador por +/- 10 minutos.

Durante este período observa-se a presença ou não dos movimentos respiratório, em regra em um ser humano adulto e hígido eles ocorreriam.

O teste é considerado positivo sendo valor da PCO2 igual ou superior 55mmHg e não sendo observados movimentos ventilatórios.

O teste deverá ser abortado imediatamente em caso de desaturação, hipotensão arterial, arritmia cardíaca.

Findo o teste ou interrompido o paciente deverá ser imediatamente reconectado a ventilação mecânica.

A literatura mostra que o teste não é isento de complicações, podendo ocorrer hipotensão severa, arritmia cardíaca fatal, hipoxemia grave, acidose metabólica grave, dentre outras complicações.

O teste também por si só pode gerar ou agravar a lesão neurológica do paciente. Há relatos de hipoperfusão encefálica, hipertensão intracraniana, edema cerebral difuso, herniação uncal e de amigdalas cerebelares devido ao teste, condições estas potencialmente fatais.

4. DISCUSSÂO

Como de costume em meus artigos, o assunto é tratado de forma breve, direta, dando ênfase aos aspectos técnicos suscitados. No presente trabalho ocorreu o inesperado. O tema se revelou demais complexo, além de questões filosóficas densas permearem o assunto. Como demonstrado não há um consenso sobre o benefício do teste para o paciente, na realidade vários artigos mostram o contrário, o malefício. Da revisão realizada não nos é seguro tomar uma posição. Vários autores defendem o teste, alegando não ser mais viável o paciente acometido por tais lesões cerebrais. Outros defendem veementemente que não se pode descartar o paciente, por não ser o prognóstico claro nesses pacientes, e não investir todos os recursos terapêuticos, seria negar-lhes a chance de vida.

A discussão sobre o tema torna-se densa, quando descartamos o que o teste visa diagnosticar e passamos a dar ênfase no que ele pode gerar. O teste em si é de um risco para o paciente, que antes desse pé considerado “vivo” logo qualquer decisão que coloque em risco sua vida deveria ser evitada.

Os defensores do teste e do diagnóstico de morte encefálica, alegam que ao se optar pelo teste, já se tem quase certo o diagnóstico e o teste seria somente um meio de se comprovar, através de exame, aquilo que já se tem por observação clínica.

O que muito nos chama atenção é o fato de a literatura demonstrar que em necropsias, o achado de morte cerebral não corresponde a um tecido cerebral inviável, logo a necrose extensa, preditora de inviabilidade tecidual não é encontrada. Alguns estudos apontam 40%, ou seja, de cada 100, 40 não teriam dano encefálico suficiente para justifcar a presunção de morte ou inviabilidade do órgão.

Um outro fato que muito chamou atenção, foi o de que uma vez confirmada a morte cerebral, temos o paciente relegado a segundo plano, já que esta clinicamente morto, sendo só um meio para ajudar outros. Algo por muitos autores considerados, no mínimo, eticamente reprovável.

5. CONCLUSÂO

No que parece ser algo fantástico, anunciado por uma equipe de médicos italianos, o primeiro transplante de cabeça do mundo, a ser realizado em 2017, o questionamento vem de logo. Consegue-se a recuperação do paciente em cirurgia tão extensa e complexa, mas a recuperação do tecido cerebral é impossível?

Mais do que uma revisão sobre o teste de apneia e os protocolos para sua realização, nos deparamos com questões técnicas e éticas, que devem ser analisadas com profunda reflexão, bom senso e vários profissionais, para se ter certeza, se é que é possível tê-la, a respeito do que em momento tão difícil da vida de um ser humano e sua família, tomar a decisão que melhor resguarde os interesses deste paciente, que é o objetivo primaz da assistência ao paciente. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. ANDRADE, A.R. Et al. Teste de Apneia e o diagnóstico de morte encefálica. Revista médica São Paulo, 2007. Jul-Set, 86(3).

2. ALBERTS, B.; et al. Fundamentos da Biologia Celular. 2 ed. Porto Alegre, 2006.  740 p.

3.LEWGOY, F. Morte encefálica. Disponível em: https://biodireitomedicina.wordpress.com/2009/01/11/morte-encefalica-carta-do-professor-flavio-lewgoy-2/. Acessado em 08/02/2016 às 09:57:00

4. PENNA. M.L.F. Anencefalia e morte cerebral. Revista saúde Coletiva. Vol. 15, nº1, p. 95- 106. 2005.

5. LIMA, C.  Do conceito ao diagnóstico de morte: controvérsias e dilemas éticos. Medicina Interna: sociedade portuguesa de medicina interna, vol: 12, nº1, p.6-10. Jan/Mar 2005.

6. Morte cerebral. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Morte_cerebral. Acessado em 11 de mai. de 2016 , às 20:33:00.