Ana Beatriz Viana Pinto[2]

Igor Martins C. Almeida[3]

  • DESCRIÇÃO DO CASO

A comunidade Esperança conta com aproximadamente 70 famílias e possui infraestrutura de energia elétrica, abastecimento de água, posto de saúde, uma pequena escola comunitária (mantida em parte com recursos do Município) e um manancial, que abastece a comunidade e mais de 500 famílias vizinhas. A comunidade, que está consolidada há mais de 30 anos na zona rural de Terra das Palmeiras, região que possui mais de 1 milhão de habitantes, tem sofrido constante pressão imobiliária e financeira.

Certo dia, a comunidade foi surpreendida com um oficial de justiça, que apresentou uma ordem de despejo contra toda a comunidade. Isto porque, de acordo com a decisão judicial, o Sr. Aberlado Teixeira de Freitas apresentou registro que comprava que a área em que está situada Esperança era de sua propriedade. O registro estava datado de 17 de janeiro de 1997, e o Sr. Aberlado requereu a posse da área afirmando possuir um projeto habitacional de médio padrão para a localidade, que valorizaria a área,
atraindo serviços públicos essenciais que faltavam à comunidade Esperança, como asfaltamento de ruas, saneamento básico, escolas de nível fundamental e médio, bem como investimentos privados, como centros comerciais.

Por tal razão, o judiciário local concedeu a medida liminar, determinando a saída dos moradores de Esperança em até 15 dias, sob pena de uso de força policial, ressaltando ainda que, caso o Sistema de Segurança Pública não adotasse as providências necessárias para o cumprimento da ordem, o comandante geral da Polícia Militar e o Secretário de Segurança Pública do Estado poderiam ser presos por crime de desobediência.

Assustados, os moradores de Esperança resolveram a prefeitura municipal para reverter a situação e iniciar um processo de regularização fundiária da comunidade.

  • IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO 
  • Descrição das decisões possíveis
    • Os moradores devem retirar-se da comunidade
    • Os moradores possuem o direito de permanecer na comunidade 
  • Argumentos capazes de fundamentar cada decisão 

2.2.1 Os moradores devem retirar-se da comunidade

Inicialmente, deve-se destacar que a Constituição Federal confere à propriedade privada status de direito fundamental. É o que se verifica:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

 XXII - é garantido o direito de propriedade;

 XXIII - a propriedade atenderá a sua função social.

Não obstante, é cediço que tal direito não possui caráter absoluto. Isto porque, embora a Carta Maior assegure aos particulares o direito à propriedade privada, tal proteção está diretamente relacionada ao cumprimento da função social, nos termos do inciso citado acima. Ou seja, é concedido ao proprietário o direito de gozar, usar, dispor e reaver sua propriedade, desde que, esta cumpra sua função social.

Oportuno destacar que, a propriedade que atende à função social é aquela que não permanece ociosa e servindo somente aos interesses do proprietário, ao contrário, contribui com o interesse coletivo. 

In casu, o Sr. Alberto, alcançou, através de decisão judicial, o direito de reaver a sua propriedade, porquanto possui o registro desta, e requereu tal direito a fim de construir um projeto habitacional de médio padrão na localidade, o que irá valorizar a pequena Esperança, e atrair serviços públicos essenciais que lhe faltam, além de desenvolvê-la, considerando que o setor privado, ao notar a valorização, terá interesse em investir no local. Deste modo, o judiciário nada mais fez se não garantir o direito à propriedade privada ao Sr. Alberto, que, irá, ao reaver esta, cumprir a função social da mesma, beneficiando o local da comunidade e as regiões vizinhas.

Ademais, nota-se, no caso em questão, que, embora a comunidade Esperança possua 70 famílias que terão que ser retiradas de suas residências em detrimento da ordem judicial, a região de Terra das Palmeiras, possui mais de um milhão de habitantes e o projeto habitacional beneficiará toda a região, privilegiando, por conseguinte, o interesse da coletividade, que será favorecida com a prestação de serviços públicos antes ausentes, e a geração de empregos, em decorrência dos investimentos privados que tão logo surgirão. Sobre o assunto, leciona José Santos de Carvalho Filho (2002, p.32) que as relações sociais vão ensejar, em determinados momentos, conflito de interesses, mas, ocorrendo este, há de prevalecer o interesse coletivo, ou seja, aquilo que for mais favorável à coletividade, que no caso em questão é a retirada dos moradores da comunidade Esperança.

Por tal razão, a fim de garantir a supremacia do interesse público, corolário no qual deve se basear a Administração Pública, não deve o Município intervir.

  • Os moradores possuem o direito de permanecer na comunidade 

O processo de regularização fundiária da comunidade Esperança deve ser realizado. Com todo o respeito à decisão judicial exarada, nota-se, no caso em questão, que o MM. Juíz deixou de observar, para a concessão da medida liminar que determinou o despejo, o contexto fático, levando em consideração tão somente o registro de propriedade e as “boas intenções” do proprietário.

Um olhar mais apurado dos fatos permite constatar que a comunidade Esperança já está consolidada há mais de 30 anos, e o registro de propriedade do Sr. Alberto está datado em 17 de janeiro de 1997, o que significa que na data constante no registro, a comunidade Esperança já ocupava a localidade há, pelo menos, 12 anos.

Destarte, embora não estivessem os moradores legalizados em tal localidade, despejar 70 famílias das casas em que residem há mais de 30 anos, em detrimento de um mero registro de propriedade, que frisa-se, possui data posterior à da ocupação das famílias em Esperança, é, no mínimo, violador da dignidade da pessoa humana, valor em que se funda o Estado Democrático de Direito, nos termos do artigo 1º da Constituição Federal (BRASIL, 1988).

Ademais, a decisão judicial mostra-se também violadora do direito social à moradia, intrinsicamente relacionado à dignidade e assegurado pela Carta Magna, em seu artigo 6º.

Cumpre também salientar que o argumento de que o projeto de médio padrão que o Sr. Alberto deseja executar na propriedade beneficiará toda a região, e portanto, atenderá ao interesse da coletividade, não merece prosperar. Isso porque, a comunidade Esperança, embora composta por 70 famílias, possui um manancial que abastece 500 famílias vizinhas, não havendo de se falar, deste modo, em confronto de interesse coletivo sobre privado. Justen Filho sobre o assunto, explica:

Existem situações concretas que demonstram a existência de vários interesses públicos, inclusive em conflito entre si. Logo, a decisão a ser adotada não poderá ser fundada na pura e simples invocação do “interesse público”, pois estarão em conflito diversos interesses públicos, todos em tese merecedores da qualificação de supremos e indisponíveis. (JUSTEN FILHO, 2009, p. 65).

Ressalta-se que, durante aproximadamente 30 anos, as famílias de Esperança residem na localidade, sem qualquer intervenção do “proprietário”, sendo desprovido de razoabilidade o despejo de tais famílias em razão de um registro de propriedade e da promessa da construção de um projeto que, em tese, irá beneficiar a região em que está instalada.

Deste modo, favorável é o parecer a fim de proceder à regularização fundiária, que, de acordo com a Lei Federal nº 11.977/2009 é o “conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”.

  • DESCRIÇÃO DOS CRITÉRIOS E VALORES

Para a realização deste trabalho, os critérios e valores utilizados fundaram-se nos princípios que regem a Administração Pública, e na Constituição Federal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 4ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 25ª Ed. São Paulo: Atlas, 2012.

 

[1] Case apresentado á disciplina Direito Administrativo II, da UNDB

[2] Aluna do oitavo período do curso de Direito, da UNDB

[3] Professor orientador

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