Reflexões sobre o modelo de saúde de abordagem biopsicossocial
Por Raquel C. | 03/04/2019 | SaúdeRaquel C. 2019.
Esse estudo teve como objetivo refletir sobre os novos modelos de saúde, que se mostram presentes na formação médica atual. Teve ainda a intenção de verificar como esses dois modelos (Biomédico e Biopsicossocial) influenciam a prestação de cuidados na saúde de pacientes.
Esse tema é interessante porque embora exista a tendência a humanização em que a pessoa deve ser tratada como um todo - a pessoa doente, ainda na maioria dos casos; é vista como uma junção de várias partes, em que se preze a especialização de cada profissional para curá-lo. A integralidade da pessoa humana e o respeito por sua condição social e psicológica contrapõem-se a medicina cartesiana que floresceu junto ao desenvolvimento de tecnologias e a urgência econômica.
Atualmente existem essas duas concepções que se contrapõem, influenciando a prática. “Assim temos a concepção orientada para o tratar e outra orientada para o cuidar”. (OLIVEIRA, LOPES, LUZ, 2013, p.13). O modelo biomédico ainda impera na formação medica brasileira, sistema esse agravado pelas condições, muitas vezes precárias da estrutura de atendimento público e mesmo privado.
Porém considera-se que algo está mudando. Novas demandas e novos olhares a saúde, no sentido de trazer o paciente para o protagonismo, além da criação de uma medicina social, voltada para prevenção e melhoria da saúde e vida da nossa sociedade. Tudo isso é digno de uma reflexão mais detalhada, que leve os profissionais médicos a resgatarem a essência do prazer de cuidar e curar.
As mudanças que ocorrem no mundo nos últimos anos também impulsionaram mudanças nas práticas de saúde. A incorporação de contribuições de diversas áreas de conhecimento e abordagens diferenciadas favoreceu a construção de um novo modelo biopsicossocial em contraposição ao anterior modelo biomédico, cristalizado ao longo dos séculos passados. (DE MARCO, 2006).
A própria Organização Mundial de Saúde – OMS tem estimulado a adoção de um novo modelo curricular para a formação de áreas de saúde que incorpore os fatores sociais, psicológicos e biológicos dos pacientes. (CASTRO et al, 2005).
Dessa nova abordagem biopsicossocial apareceram novas áreas, como a Psicologia Médica; Psicossomática; Medicina Comportamental e várias outras atuações que consideram o se humano e suas variáveis sociais e psicológicas. (DE MARCO, 2006).
Assim, mudanças curriculares estão sendo imperativas para a atualização do profissional de saúde, na tentativa de uma maior humanização da prática médica por meio da incorporação de aspectos psicossociais ao modelo biomédico. (DE MARCO, 2006).
O conceito de Biomedicina, conforme Camargo Jr. (2005, p. 178), corresponde a “racionalidade mecânica clássica”, ao conceito moderno de doença, e as implicações desse conceito na sua diagnose e terapêutica. Assim, a Biomedicina dá ênfase às doenças, aos diagnósticos e ao tratamento das mesmas, bem como o entendimento do corpo humano “dividido em sistemas agrupado segundo as propriedades isoladas por cada uma das disciplinas articuladas em seu discurso”.
Entretanto, novos conhecimentos apontaram para a necessidade de uma nova “objetividade, incompatível com a caracterização das doenças baseada apenas na sua sintomatologia” (CAMARGO JUNIOR, 2005, p. 179), e no corpo humano apenas como uma junção de sistemas.
O surgimento de uma corrente voltada para a medicina biopsicossocial não se deu apenas por mero acaso, foi consequência da própria necessidade de um melhor entendimento dos problemas dos pacientes e da valorização das experiências pessoais dos mesmos. Esta nova vertente veio se justapor ao modelo Biomédico, no qual a especialização, a racionalização e a excessiva valorização da ciência e a “intelectualização de saberes, resultando, não raramente, em um distanciamento entre o profissional de saúde e o paciente sob seu cuidado”. (CASTRO et al, 2015, p. 25).
A abordagem biomédica, combatida por Engel, relaciona a ocorrência da doença com fatores puramente biológicos e dá pouco valor à necessidade de incorporação de outros fatores influentes no processo de adoecimento, entre eles, os fatores psicológicos e os sociais Da mesma forma, assim como a ocorrência da doença, o processo de cura deve ir além do âmbito do tratamento biomédico tradicional. (CASTRO et al, 2015, p.26).
Para Eksterman (2003, p.2) a humanização da medicina é essencial para uma prática médica, uma vez que leva ao profissional médico a ser “participantes de um momento crítico da vida de alguém”. Conforme o autor explica, a humanização da medicina é mais que simplesmente ser simpático com os pacientes em ambientes decorados com o propósito de os fazer ‘não lembrar’ do local de onde se está. Rios dá reafirma que as mudanças são necessárias, uma vez que “na medicina, o tecnicismo da prática atual descartou osaspectos humanísticos no cuidado à saúde”. Isso levou a abismo entre medico e o paciente.
Diminuir a assimetria entre paciente e médico é um dos princípios da humanização da medicina. O reconhecimento que todo aparato cientifico também não traduz em uma excelente prática medica, pois esta, conforme explica o autor, depende também “da habilidade e do desenvolvimento do praticante”. (CAMARGO JUNIOR, 1998, p.11).
Sendo assim, continua Eksterman (2003) os médicos devem se relacionar com seus pacientes de forma a exercerem a empatia. Colocar-se além de protocolos, e buscar conhecer o doente é importante, como sugere o autor, fazer uma anamnese comum associada ao diálogo, no qual se destaca uma investigação biográfica, na qual, com elementos significativos sejam destacados pelo próprio paciente conseguir entender as condições críticas existenciais que contribuíram para o desencadeamento da doença.
Desta forma, cada paciente, de forma singular tem um adoecer particular. Entender essas particularidades faz com que o medico consiga ter uma cumplicidade com o paciente, possibilitando uma relação mais profunda e um diagnóstico mais preciso. (EKSTERMAN, 2003).
Esta nova identidade médica, portanto, está relacionada a uma nova visão sobre o próprio paciente. Esse (o paciente) se mostra como participante, sujeito ativo de seu diagnostico e tratamento. Obviamente, o medico amparado na ciência e nos estudos mais recentes contribui de maneira efetiva para a excelência do atendimento. Reconhece ainda que a ciência tem limites, principalmente limites éticos que devem ser considerados para o exercício da medicina. Conforme afirma Rios (2009, p.225) “na área da saúde é imprescindível a educação para a ética nas relações entre as pessoas, sem a qual não é possível realizar a missão que nos destina essa escolha profissional”.
Como visto anteriormente, o modelo biomédico de saúde dá ênfase na explicação “unicausal da doença, pelo biologicismo, fragmentação, mecanicismo, nosocentrismo, recuperação e reabilitação, tecnicismo, especialização”. (CUTOLO, 2016, p. 16). Sendo assim, diferente de um modelo mais humanizado e holístico, o modelo biomédico concentra sua atuação nas doenças, em seu diagnostico e na busca por soluções no qual existe apenas o reconhecimento do agente etiológico, sendo que este deverá ser identificado e combatido.
Atualmente, na busca por tratamentos mais abrangentes, esse modelo não se mostra tão eficaz. Reducionista, a concepção biomédica abrevia o reconhecimento do adoecimento apenas a causas biológicas, onde o ser humano é deslocado de toda a sua história, seja de modo geográfico e social, seja no aspecto psicológico.
O modelo cartesiano (biomédico) de saúde compreende o ser humano como um simples corpo orgânico, fisicamente explicado, decomposto em partes, que somadas constroem o todo. Esta visão deu origem às especializações e afastou-se do ser humano mais profundo, composto por emoções e sentimentos, inserido em contextos, ou seja, da forma holística do ser humano.
A especialização teve sua origem não só na divisão do conhecimento, mas também nos aspectos de produção econômica, pela linha da divisão técnica do trabalho. Ainda segundo Cutolo (2016, p. 6) “o centro da atenção no Modelo Biomédico é o indivíduo doente. As ações de recuperação e reabilitação da doença são priorizadas em detrimento das ações da promoção e proteção à saúde”. Compreende-se, pela fala do autor, que o modelo biomédico não valoriza e protege a saúde, mas trata a doença.
A limitação do modelo biomédico, no Brasil, tem ênfase principalmente no tratamento dos pacientes doentes, sendo esta sua principal limitação. Apresenta entraves também no que se relaciona aos problemas sociais brasileiros sendo incapaz de intervir na área social de forma responsável, portanto não apresentando soluções para problemas de saúde em um plano coletivo.
Abordagens recentes têm apontado outro caminho para melhoria do atendimento a saúde dos pacientes, voltado para a medicina social inclusiva, coloca o paciente como sujeito contextualizado, na qual também existe uma iniciativa de prevalência, de trabalho em equipe e de interdisciplinaridade.
Em relação à interdisciplinaridade, assunto pouco explorado, salienta-se que o êxito dos programas de saúde social depende de uma formação adequada e envolvimento de vários profissionais de saúde tais como enfermeiros, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, médicos, atendentes, psicólogos e técnicos, em um “movimento de interdisciplinaridade, como princípio organizador dos saberes e práticas no campo da saúde” (PINHO et al, 2014, p.1), sem os quais quaisquer políticas públicas de saúde que venham a ser pretendidas não trarão resultados positivos para os doentes ou para a sociedade.
Percebe-se nos discursos ora colocados neste estudo uma enorme diferença entre a abordagem Biomédica e a abordagem biopsicossocial. Essas colocações possibilitaram entender que os cuidados médicos centrados na pessoa humana, devem ser considerados como uma prioridade para profissionais de saúde.
Torna-se importante tanto na prática profissional como na investigação, assumir o desafio de refletir sobre esse processo de transformação em que estamos envolvidos, mas, mais importante, torna-se necessário entender o paciente como um ser completo, interagindo em um contexto específico e com uma história particular.
A humanização dos atendimentos não é, nem de longe, uma atitude paternalista ou decorativa. Não se trata de “melhorias na aparência física dos serviços” como afirma Rios (2009, p. 254).
Esse processo que já está acontecendo envolve, segundo elenca Rios (2009), uma série de preceitos que incluem:
- Princípio de conduta de base humanista e ética;
- Movimento contra a violência institucional na área da saúde;
- Política pública para a atenção e gestão no SUS;
- Metodologia auxiliar para a gestão participativa;
- Tecnologia do cuidado na assistência à saúde.
Ainda a humanização preza o respeito e a valorização da pessoa humana, inclusive suas crenças, origens e ambiente. Seus costumes, cultura e diferenças. O respeito à integralidade da pessoa humana, tratada além de sua doença física. A busca pela humanização, portanto passa pela ética e pela busca de soluções compartilhadas para a sociedade como um todo. Conforme aponta Rios (2009):
No sentido filosófico, humanização é um termo que encontra suas raízes no Humanismo12, corrente filosófica que reconhece o valor e a dignidade do homem, este a medida de todas as coisas, considerando sua natureza, limites, interesses e potenciais. O Humanismo busca compreender o homem e criar meios de se compreender uns aos outros (RIOS, 2009, p. 255).
Porém, a realidade do ambiente de trabalho médico, muitas vezes leva os profissionais a duvidarem que seja possível uma efetiva ação humanizadora frente aos problemas brasileiros. Filas enormes de espera, falta de estrutura básica para cuidados dos pacientes, falta de remédios, exames demorados. Tudo isso implica em uma ambiência negativa para o exercício da medicina consciente e ética.
Não que isto se apresente como desculpa para um tratamento superficial, displicente ou desatento. O bom profissional médico muitas vezes dribla suas limitações estruturais para poder fazer um trabalho humanizado e correto. Sendo assim, tem-se no exercício da medicina um objetivo maior que é a prazer de cuidar e curar, mesmo diante de problemas graves como os que ocorrem atualmente no Brasil, em especial nos hospitais públicos. Como termina Rios (2009, p.260) “necessidade de bem cuidar será sentida como uma disposição que pode mover o desejo de aprender outro jeito de ser e [...], realizar a humanização em toda a sua amplitude.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAMARGO JUNIOR, Kenneth. Medicina, médicos, doenças e terapêutica: exame crítico de alguns conceitos. Serie Estudos de Saúde Coletiva. 1988.
CAMARGO JUNIOR, Kenneth. Biomedicina. PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 15(Suplemento):177-201, 2005.
CASTRO, Shamyr et al. O processo saúde-doença e o modelo biopsicossocial entre supervisores de um curso de fisioterapia: estudo qualitativo em uma universidade pública. Cadernos de Educação, Saúde e Fisioterapia 2015. Disponível em:< https://www.researchgate.net/publication/299475702_O_PROCESSO_SAUDE-DOENCA_E_O_MODELO_BIOPSICOSSOCIAL_ENTRE_SUPERVISORES_DE_UM_CURSO_DE_FISIOTERAPIA_ESTUDO_QUALITATIVO_EM_UMA_UNIVERSIDADE_PUBLICA> acesso em: mar. 2019.
CUTOLO, Luiz Roberto. Modelo Biomédico, reforma sanitária e a educação pediátrica. Arquivos Catarinenses de Medicina Vol. 35, nº4, de 2006. Disponível em:< http://www.acm.org.br/revista/pdf/artigos/392.pdf > acesso em: mar. 2019.
DE MARCO, Mario Alfredo, do modelo Biomédico ao modelo Biopsicossocial: um projeto de educação permanente. Revista Brasileira de Educação Médica. 2006. Disponível em:< http://www.scielo.br/pdf/rbem/v30n1/v30n1a10> acesso em: mar. 2019.
EKSTERMAN, Abram. Sobre Humanizar a Medicina. Programa de educação Continuada da Sociedade Brasileira de Cardiologia, módulo 1, fascículo 3, ano 2, 2003.
OLIVEIRA, Ana; LOPES, Sheila, LUZ, Vera. O paradigma biomédico e holístico face aos cuidados de enfermagem. Monografia [Graduação]. Universidade do Mindelo. Portugal. 2013. Disponível em:< http://www.portaldoconhecimento.gov.cv/bitstream/10961/2491/1/Oliveira%2C%20Lopes%20e%20Da%20Luz%202013.Paradigma%20biom%C3%A9dico.%20BSc..pdf> acesso em: mar. 2019.
PINHO, Leandro et al. Ideologia e saúde mental: análise do discurso do trabalhador no campo psicossocial. Texto contexto - enfermagem. vol. 23 nº.1 Florianópolis Jan./Mar. 2014. Disponível em:< http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-07072014000100065&script=sci_arttext&tlng=pt > acesso em: mar. 2019.
RIOS, Izabel. Humanização: a Essência da Ação Técnica e Ética nas Práticas de Saúde. Revista Brasileira de Educação Médica. 33 (2) 253 – 261. 2009.