REFLEXÕES SOBRE A VISÃO DOS AUTORES CONTEMPORÂNEOS, BASEADA NA LITERATURA DE MONTEIRO LOBATO

Silmara Savoldi Pastore[1]           

            O conceito de Literatura Infantil passou a constituir-se a partir do século XIX; antes disso não havia preocupação com esse Gênero e nem livros direcionados para esse público. A literatura constituída nessa época era moralista e não delineava um mundo para a criança, não havia uma preocupação em separar as ideias e valores da vida ou da cultura, que se destinavam aos adultos e às crianças. Estas eram consideradas um adulto em miniatura, que não necessitava de cuidados diferenciados.

            No Brasil, a Literatura Infantil começou a ganhar corpo no final do século XIX, mas é no início do século XX que Monteiro Lobato inicia a verdadeira Literatura Infantil Brasileira, composta por uma ampla imaginação, enredo e uma linguagem visual e concreta, renovando inteiramente o conceito da Literatura no Brasil. Ele não apenas cria, escreve em seus textos e histórias um rompimento com o preconceito mantido em torno da cultura popular e em torno da criança. Em suas obras, possibilitou-se o florescimento de uma série de autores importantes para a Literatura Infantil em todo o país, como Ruth Rocha, Ana Maria Machado e Lygia Bojunga, entre outros.

            A imaginação extraordinária de Monteiro Lobato excita o mundo inteiro com uma das principais personagens “Emília”, uma boneca de pano que ganha vida e sentimento, em contrapartida torna-se um símbolo da Literatura Infantil e Juvenil. O conceito de Literatura Infantil tem variado muito desde as suas obras e vem ganhando espaço e amplas perspectivas teóricas. A literatura Lobatiana expressa à ficção, não havendo nenhuma fronteira entre o real e o maravilhoso, o possível e o impossível. Em suas obras, tudo é tão natural que não existe diferença entre os dois mundos.

Segundo Cademartori (1994, pg.51), “é dessa maneira que o universo ficcional Lobatiano propicia novas aspirações, instiga fins e pretensões que abrirão caminhos a experiências futuras”. Ainda, acrescenta que “a leitura dos textos Lobatiano possibilita uma nova experiência da realidade em que, ao mesmo tempo em que são conservadas as vivências já adquiridas, antecipam-se possibilidades a serem experimentadas”. No entanto, Monteiro Lobato tinha a preocupação com o mundo infantil, então procurava introduzir em suas obras os mais diversos assuntos, nos quais a criança ao ler podia se identificar.

Conforme Arroyo (1990, pg.208) “a literatura infantil de Monteiro Lobato não ficava apenas na temática”, porém “é na temática que observamos o seu realismo original, ou seja, aquele impossível para o adulto, mas perfeitamente normal para as crianças: o maravilhoso, onde a imaginação supre as deficiências do mundo atuante”.  Portanto,

  

O revolucionário na obra de Lobato ganha maior abrangência na Literatura Infantil que ele inaugura entre nós. Rompendo com os padrões prefixados do gênero, seus livros infantis criam um mundo que não se constitui num reflexo do real, mas na antecipação de uma realidade que supera os conceitos e os preconceitos da situação histórica em que é produzida (CADEMARTORI, 1994, pg.48).

 

            Na produção da Literatura Infantil e Juvenil contemporânea, percebemos Monteiro Lobato na escrita literária dos mais diversos autores como “na linguagem coloquial de Lygia Bojunga, no olhar questionador dos personagens de Ana Maria Machado, no humor de Ruth Rocha” (SILVIA, 2009, pg. 07). É através dessa literatura que as crianças ampliam seu mundo da leitura entrando no universo da fantasia e da imaginação. As três autoras consideram suas produções, filhas da literatura de Monteiro Lobato, pois em suas obras, elas buscam relatar narrativas literárias alheias e até tradições folclóricas.

           Neste sentido, as literaturas da contemporaneidade trazem para a criança ideias, pensamentos e informações de um modo a instruir e educar o leitor, ao mesmo tempo, proporciona a felicidade de estar à frente de aventuras e desafios sem medo de estar sendo infantil demais. Nelas a criança se sente livre e crítica para percorrer todos os caminhos da imaginação que a mesma proporciona. Com isso,

Os escritores desse período tematizam os problemas da sociedade contemporânea, seja no que concerne às relações humanas, seja quanto às implicações psicológicas de que a criança é vítima. E a literatura voltada a esse público infantil passa a ser compreendida como agente capaz de promover a emancipação do leitor mirim, projetando-o para o universo do faz-de-conta, no qual ele encontrará respostas para o seu cotidiano (ARAÚJO,2012, p. 02).

 

            No entanto, a literatura de Ruth Rocha vai ao encontro com a de Monteiro Lobato, ela introduz o equilíbrio do humor, mesclando situações e falas que provocam risos e diversão do leitor, ao entrar em contato com o mundo da fantasia e do faz de conta. Para Silva (2008), Ruth Rocha é uma escritora de obras infantis, que apresenta um viés de escritura simples, singelo e delicado. Suas obras podem ser lidas e entendidas desde o público infantil, até um público adulto, sua intenção é estabelecer, como Silva (2008, p.184) descreveu “um clima de cumplicidade entre narrador e ouvinte”, uma aproximação da autora com seu público leitor. Ao mesmo tempo em que ela descreve de maneira simples os fatos da história, não deixa de produzi-las com certa criticidade. Este viés crítico se encontra, justamente, no estilo simples que está presente em suas obras, o que possibilita a compreensão de seus leitores.

            É possível também, fazer referência à linguagem de Lygia Bojunga, ela é quem mais se aproxima do contexto linguístico proposto na Literatura Infantil de Monteiro Lobato, suas linguagens coloquiais e os termos de gíria estão presentes em quase todas as suas obras. Portanto, “o falar bem coloquial é hoje norma na literatura infantil e comparece na grande maioria das histórias, evidenciando uma aproximação entre a voz narrativa e o leitor” (SILVA, 2009, pg.109). Lygia Bojunga revela, em seus livros de Literatura Infantil, as questões vinculadas ao domínio emocional. Na maioria de suas obras, Lygia retrata temas ligados à pobreza, à discriminação, ao abandono entre outros. Esses temas, muitas vezes, não são infantis, mas é a realidade que envolve muitas crianças em todo o país; em suas obras ela procura mostrar o que a acontece diariamente com a criança e, ao mesmo tempo, propicia que ela se identifique com aquilo que está lendo.

            Já nas obras contemporâneas de Ana Maria Machado, a Literatura Infantil está retratada na maneira como seus personagens de suas histórias se aproximam com os personagens de Monteiro Lobato. Ela, do mesmo modo, mistura a realidade e a fantasia, a semelhança ancorada em suas obras, busca ultrapassar o universo infantil, tornando-se o palco da aventura fantástica, possibilitando ao leitor a superação dos limites da realidade e estimulando a imaginação.

Percebe-se que as obras de Ana Maria Machado motivam o leitor a refletir sobre sua capacidade de transformar o mundo.  Um dos aspectos mais relevantes de sua literatura é o diálogo entre “realidade vivida e ficção, em que o leitor é convidado a (re) visitar o passado histórico em suas múltiplas faces, por meio da experiência estética oferecida pelo texto literário” (VIEIRA, 2004, p. 36). A narrativa histórica no texto literário de Ana Maria é apresentada de forma crítica, ressaltando pontos de vista diferentes dos enunciados histórico-tradicionais. Por isso,

 

Ana Maria Machado apresenta em sua literatura diferentes projetos de articulação à história, dinamizando um processo de reescrita das histórias e explorando ao máximo as potencialidades do próprio leitor em questionar a história convencional. A narrativa de Ana Maria Machado não dá conselhos. Mas proporciona ao leitor caminhos para que ele ganhe autonomia. Mostra que a sociedade é mais ampla, que possui seres humanos diferentes e, sobretudo, que a cultura é a grande alienação dos indivíduos (JACOMEL, Pg. 58).

 

            Desta forma, resta mencionar que a literatura brasileira é muito vasta e Monteiro Lobato, sem sombra de dúvidas, é o pai e fundador desta Literatura Infantil e Juvenil. Ele harmoniza os desejos e os anseios das crianças; as obras infantis por ele criadas sagraram-lhe como um dos melhores escritores de todos os tempos, que de forma transcendente conquistou seu público, fazendo com que suas criações se tornassem imortais.

Embora esse pensamento contemporâneo passe a diferenciar o mundo das crianças e dos adultos, nem sempre foi assim. Até o século XVIII, boa parte dos países do mundo não possuía mecanismos que protegessem as crianças de maus-tratos e esse foi um dos fatores para que o conceito de infância não existisse de forma claramente delimitada. Assim sendo, a inspiração dos mais “recentes“ autores, surgiu por meio das maravilhosas publicações deixadas por Monteiro Lobato do mesmo modo, o mais importante de tudo é que as crianças conheçam todos os tipos de literatura, pois esse conhecimento irá ajudar a escolher a leitura que mais lhe agrada.

REFERÊNCIAS

ARROYO, Leonardo. Literatura Infantil Brasileira. 10ª Edição, Editora Melhoramentos, Ano 1990.

ARAÚJO, Edite de.  Lygia Bojunga Nunes e seu projeto literário: uma contribuição significativa para a formação do leitor. Disponível em: <http://www.pucrs.br/edipucrs/CILLIJ/do-texto-ao-leitor/Lygia%20bojunga%20nunes%20e%20seu%20projeto%20liter%E1rio%20OK.pdf.> Acesso em 09 de Out. de 2012.

CADEMARTORI, Ligia. O que é Literatura Infantil. 6ª Edição, Editora Brasiliense, Ano 1994, 1ª Reimpressão 1995

JACOMEL, Mirele Carolina Werneque. Ana Maria Machado: uma voz entre a repressão e a resistência. Acesso em: www.ieps.org.br/mirele.pdf. Acessado em: 09 de Outubro de 2012

SILVA, Vera Maria Tieztmann.  Literatura Infantil Brasileira: um guia para professores e promotores de leitura. Goiânia: Cânone Editorial, 2008.

______.  Literatura Infantil Brasileira: um guia para professores e promotores de leitura. 2ª Ed. Goiânia: Cânone Editorial, 2009.

VIEIRA, Ilma S. G. O diálogo entre literatura e história na obra de Ana Maria

Machado. In: PEREIRA, M.; ANTUNES, B. Trança de histórias: a criação literária

de Ana Maria Machado. São Paulo: Editora Unesp, 2004.

[1] Mestranda do Curso de Pós-Graduação Profissional em Educação - PPGPE - Universidade Federal da Fronteira Sul - Campus Erechim.