UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ 

FACULDADE DE DIREITO 

DEPARTAMENTO DE DIREITO PROCESSUAL 

FILOSOFIA GERAL E EPISTEMOLOGIA JURÍDICA

 

PEDRO CARVALHO GONÇALVES

 

REFLEXÕES JURÍDICO-FILOSÓFICAS ACERCA DA INFLUÊNCIA DO PENSAMENTO DE HANS JONAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

 

FORTALEZA 

2021

 

Trabalho apresentado como requisito parcial para aprovação na disciplina Filosofia Geral e Epistemologia Jurídica, do Curso de Direito, da Universidade Federal do Ceará. Orientador: PROF. DR. FLAVIO JOSÉ MOREIRA GONÇALVES.

 

RESUMO

Esse trabalho busca analisar, de forma breve, a possível relação entre o pensamento de Hans Jonas no ordenamento jurídico brasileiro. Focando, especificamente, na influência do Princípio Responsabilidade na legislação ambiental brasileira. Palavras-chave: Hans Jonas. Princípio Responsabilidade. Legislação Ambiental.

ABSTRACT

This work seeks to briefly analyze the relationship between the thought of Hans Jonas and the brazilian legal system. Focusing specifically on the influence of the Imperative of Responsibility on the brazilian environmental law. Keywords: Imperative of Responsibility. Hans Jonas. Environmental law.

1 INTRODUÇÃO

A legislação ambiental brasileira sofreu uma série de mudanças desde a colonização, até a promulgação da Constituição Federal de 1988. No entanto, ela evolui muito pouco até meados do século XX, as grandes mudanças só vieram após 1980. Nesta década Hans Jonas publica o seu Princípio Responsabilidade, propondo uma nova forma ética no relacionamento do ser humano com a natureza. Convém averiguar, dessa forma, a relação entre a legislação brasileira e o princípio de Jonas, para isso se faz necessário analisar, separadamente, o Princípio Responsabilidade, a história da legislação ambiental brasileira e, por fim, refletir sobre a possível influência de Jonas no ordenamento jurídico brasileiro.

2 O PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE DE HANS JONAS

O filósofo alemão Hans Jonas (1903-1993) presenciou diversos grandes eventos, que promoveram intensas transformações na sociedade, que ocorreram no século XX, em especial ressalta-se a ascenção do Nazismo na Alemanha e a Segunda Guerra Mundial. Jonas presenciou o surgimento da ciência nazista, que não possuía limites nas suas pesquisas, utilizando animais e seres humanos de forma irrestrita, com o fito do desenvolvimento de tecnologias para o avanço da Alemanha. Ademais, ele também presenciou o Projeto Manhattan, que levou ao desenvolvimento da bomba atômica e culminou com o ataque nuclear norte-americano às cidades de Hiroshima e Nagasaki. Esses fatos o levaram a uma nova reflexão ética-filosófica, Jonas nota nos imperativos éticos vigentes a preocupação exclusiva com os problemas humanos atuais. E defende a necessidade da formulação de um novo princípio ético em uma civilização que atingiu extremos níveis tecnológicos, que agora se tornou capaz de destruir a própria existência da humanidade (FRANSSEN et al., 2018). Esse novo princípio ético é denominado Princípio Responsabilidade. Hans Jonas formula então um novo imperativo categórico: “Age de tal forma que os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida humana autêntica sobre a terra” (JONAS, 2006). Esse imperativo reflete a preocupação dele com o desenvolvimento tecnológico desenfreado, que passa a oferecer risco à própria sobrevivência dos seres humanos. Surge, então, uma nova ética, que retira o homem do foco principal e o coloca em conjunto com a natureza, que é condição necessária para a sobrevivência dele. “Hans Jonas determinou o Princípio Responsabilidade como sendo uma ética em que o mundo animal, vegetal, mineral, biosfera e estratosfera passam a fazer parte da esfera da responsabilidade” (BATTESTIN; GHIGGI, 2010).

3 HISTÓRIA DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL NO BRASIL

Segundo o jurista Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin, pode-se dividir, de maneira didática, a história da legislação ambiental no Brasil em três fases: “A Fase da Exploração Desregrada, a Fase Fragmentária e a Fase Holística” (BENJAMIN, 1999).

3.1 A FASE DA EXPLORAÇÃO DESREGRADA

A Fase da Exploração Desregrada começou com a chegada dos portugueses ao Brasil, no século XV, e perdurou até meados do século XX. No início desta fase, praticamente não havia proteção ambiental, visto que o Brasil era uma colônia de exploração portuguesa. Os recursos brasileiros, como o Pau-Brasil e o Ouro, foram extraídos de maneira insustentável durante boa parte desse período. As poucas normas existentes que limitavam a exploração dos recursos não visavam a proteção ambiental, mas sim os interesses econômicos da Coroa Portuguesa e dos Latifundiários. “(. . . ) não visavam, na vocação principal, resguardar o meio ambiente como tal. Seus objetivos eram mais estreitos. Ora almejavam assegurar a sobrevivência de alguns recursos naturais preciosos em acelerado processo de exaurimento (o pau-brasil, p. ex.)“ (BENJAMIN, 1999). A falta de preocupação com o meio ambiente que existia no período colonial continuou no período imperial e também após a proclamação da República, com esparsos avanços. “Nessa fase ainda não existe de fato uma preocupação com o meio ambiente, a não ser por alguns dispositivos isolados cujo objetivo seria a proteção de alguns recursos naturais específicos” (FARIAS, 2007).

3.2 A FASE FRAGMENTÁRIA

A segunda fase da legislação ambiental brasileira teve início no final da década de 1920. Começou-se a impor certo controle legal às atividades exploratórias, reprimindo e tipificando as condutas danosas à natureza. Estabeleceu-se o controle federal sobre os recursos naturais do país. Apesar dos avanços, a legislação não percebia o meio ambiente como um todo, protegiase os recursos de forma separada, sem a consciência de que eles compunham um sistema único. “Os recursos ambientais como a água, a fauna, a flora passaram a ser regidos por uma legislação diferenciada, de maneira a não existir articulação entre cada um desses elementos ou entre cada uma das políticas específicas” (FARIAS, 2007).

3.3 A FASE HOLÍSTICA

A Fase Holística, que teve início na década de 1980, influenciada pela 1ª Conferência das Nações Unidas Sobre o Meio Ambiente, rompeu com a proteção isolada dos recursos naturais e deu início à ideia da proteção do Meio Ambiente como um todo. A criação da Política Nacional do Meio Ambiente, através da Lei nº 6.938/81, que foi um marco na proteção ambiental no Brasil.

“Só com a Lei n. 6938/81, portanto, é que verdadeiramente começa a proteção ambiental como tal no Brasil, indo o legislador além da tutela dispersa, que caracterizava o modelo fragmentário até então vigente (assegura-se o todo a partir das partes).” (BENJAMIN, 1999)

A Fase Holística se consolidou com a promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF/88). O constituinte além de reforçar, por toda extensão do texto constitucional, a proteção do meio ambiente, ao definir outras questões, estabelece um capítulo exclusivo para o Meio Ambiente e sua proteção. Neste capítulo é positivada, no Art. 225, a relação entre a proteção ambiental e a qualidade de vida dos indivíduos: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, (. . . ) essencial à sadia qualidade de vida“ (BRASIL, 1988).

4 A INFLUÊNCIA DO PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE NA EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL BRASIL

A legislação ambiental brasileira, desde a chegada dos portugueses, até meados do século XX, via não só o homem de forma separada da natureza, mas também via a natureza como mero instrumento, um meio para o desenvolvimento econômico. Isso legitimou, durante esse período, o uso irrestrito e insustentável dos recursos naturais, que provocou diversos danos à fauna e à flora do Brasil, como a devastação da mata atlântica. No entanto, a evolução tecnológica aumentou de forma exponencial, tanto a capacidade de exploração de recursos, quanto o potencial danoso à natureza da atividade humana. Surge então uma necessidade de regular o comportamento do homem, na civilização tecnológica, perante à natureza. Nesse contexto, o pensamento de Hans Jonas entra em cena de forma inovadora e necessária. Ao estabelecer um novo princípio ético, que postula que não só o homem deve regular seu comportamento em relação a outros homens, mas também deve preocupar-se com sua relação com o Meio Ambiente como um todo. O Princípio Responsabilidade estabelece, então, que o ser humano deve agir de tal forma que possibilite a manutenção da vida humana futura. Dessa forma, deve-se regular a exploração humana de recursos naturais, que deve ser agora feita de forma sustentável, a fim de não esgotar tais recursos, permitindo que as gerações futuras os utilizem. Nessa perspectiva, pode-se dizer que, na década de 1980, o constituinte brasileiro adotou o Princípio Responsabilidade de Jonas. Isso fica claro, primeiramente, pela preocupação que outros institutos não interfiram na preservação do meio ambiente, expressa em diversos artigos ao longo da Carta Magna. Segundamente, e de forma mais explícita, o capítulo VI é inteiramente dedicado ao Meio Ambiente e à sua preservação. No Art. 225, que compõe tal capítulo, está expresso, de maneira quase literal, o Princípio Responsabilidade de Hans Jonas:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. (BRASIL, 1988)

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 coloca a conservação do Meio Ambiente como um direito de todos, condição essencial para a qualidade de vida da população. Além disso, define a reponsabilidade não só do Poder Público, mas também de toda a coletividade, na defesa do Meio Ambiente, visando a sua preservação para as futuras gerações, assim como expressa o imperativo ético de Jonas.

5 CONCLUSÃO

Pode-se ver, portanto, que a legislação ambiental brasileira, desde a época colonial, até meados do século XX, permaneceu relativamente constante, focando em regulamentar a exploração dos recursos naturais visando o desenvolvimento econômico. No entanto, na década de 1980, após a publicação do Princípio Responsabilidade, por Hans Jonas, solidificou-se um novo princípio ético, que desde os horrores da Segunda Guerra Mundial se mostrava necessário. Esse princípio, que determinava que o ser humano deve agir de tal forma que os efeitos das suas ações sejam compatíveis com a sobrevivência das gerações futuras, foi inspiração para uma série de movimentos ambientais, que culminaram na evolução das legislações sobre a proteção da natureza no mundo todo. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 utiliza, em seu Art. 225, tal princípio, transformando a legislação ambiental brasileira, que agora passa a ver o Meio Ambiente como um todo, sendo necessário a sua preservação para as gerações futuras.

REFERÊNCIAS

BATTESTIN, C.; GHIGGI, G. O PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE DE HANS JONAS: UM PRINCÍPIO ÉTICO PARA OS NOVOS TEMPOS. Revista de Filosofia Thaumazein da Universidade Franciscana, v. 3, n. 6, p. 69 – 85, Outubro 2010.

BENJAMIN, A. H. V. Introdução ao Direito Ambiental Brasileiro. [S.l.]: Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.

BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Brasília: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

FARIAS, T. Q. Evolução histórica da legislação ambiental. 2007. Caderno de Direito Ambiental. Revista 39. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direitoambiental/evolucao-historica-da-legislacao-ambiental/. Acesso em: 12/08/2021.

FRANSSEN, M. et al. “Philosophy of Technology”, The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Fall 2018 Edition). 2018. Disponível em: https://plato.stanford.edu/entries/technology/. Acesso em: 12/08/2021.

JONAS, H. O Princípio Responsabilidade: ensaio de uma ética para uma civilização tecnológica. Rio de Janeiro: PUC Rio, 2006.