REFLEXÕES A CERCA DO TRANSTORNO DA EXPRESSÃO ESCRITA EM ESCOLARES DURANTE A ALFABETIZAÇÃO: DA LINGUAGEM SOB A ÓTICA DE WITTGENSTEIN À DIMENSÃO SOCIAL E A AÇÃO PSICOPEDAGÓGICA - PARTE I

 

                                              Artigo científico, preparado pelo pós-graduando Henrique Guilherme                                                Guimarães Viana como Trabalho de Conclusão de Curso para a obtenção do título de Especialista em Psicopedagogia Institucional

 

 

Resumo

Este artigo tem o objetivo de justificar a necessidade do estudo da linguagem na área da psicopedagogia- especialmente a partir das noções wittgensteinianas-, especificamente ilustrando como tais estudos possam garantir uma abordagem contextualizada nos transtornos da expressão escrita. Posto isso, outro objetivo é demonstrar o porquê da natureza sócio-política da alfabetização, de forma a justificar uma atenção especial a esse processo escolar a partir da supracitada necessidade de estudar a linguagem. Sucessivamente iremos então, investigar a natureza clínica-conceitual dos transtornos da aprendizagem, focando-nos naqueles da expressão escrita e então elencaremos as principais características dos transtornos estudados, para então vislumbrarmos a conspicuidade de uma equipe multidisciplinar na escola para estes casos, e, esboçaremos uma abordagem psicopedagógica com aportes em linguagem que possa auxiliar o profissional na compreensão dos transtornos da expressão escrita.

Palavras chave: Transtornos da expressão escrita. Jogos de linguagem. Alfabetização

Introdução

O processo de alfabetização é um momento chave na vida do escolar, visto que esse buscará capacitá-lo para adquirir conhecimentos posteriores. Nesse sentido, ater-se à linguagem durante esse processo é primordial para dar um andamento adequado à inserção do escolar na linguagem escrita.

Entretanto, diversos fatores podem dificultar a compreensão do escolar durante a alfabetização, como as dificuldades de aprendizagem e os transtornos de aprendizagem. Focando nos últimos iremos investigar sua natureza clínica-conceitual e somar aos conceitos de linguagem para Wittgenstein para arrolarmos à uma base de conhecimentos pertinentes à identificação dos transtornos da expressão escrita, que, principalmente irão auxiliar a escola, enquanto instituição a inserir adequadamente os escolares com tais transtornos durante o processo de alfabetização.

1.Henrique Guilherme Guimarães Viana é mestre em Humanidades, Cultura e Artes (Unigranrio), pedagogo (Faculdade Paulista São José), especialista em Ensino da Arte (UVA/American University System), pós-graduado em Língua Portuguesa (FSBRJ) e pós-graduando em Psicopedagogia Institucional (IBE/FACCREI).

A linguagem e Wittgenstein

A analogia de Wittgenstein 2 para compreender a linguagem, isto é, compreender aquém os usos da mesma até a atribuição de sentido, nos demonstra que a gramática - ou mais precisamente em seus termos, gramática dos jogos- pode ser representada semelhante a um jogo, no qual as regras são estabelecidas a priori, e, por isso não questionadas ao longo do jogo, pois não há jogo sem as regras seguidas.

Nesse sentido, o autor destaca que a noção de verdadeiro de uma expressão no âmbito gramatical não se dá arbitrariamente, e sim, em função do sentido de verdadeiro e falso (WITTGENSTEIN, 1989, §§ 90 e 124) pois, os jogos de linguagem submetidos à mesma não são representações de coisas do mundo, e sim, o resultado de contextos de ordens diversas (históricas, sociais e etc.) com relações quase inefáveis, muito distantes umas das outras. 

Mas afinal, qual o conceito de jogos de linguagem e o porquê da falha da definição da mesma como mera representação de objetos no mundo? Como o próprio autor os define, “Chamarei de ‘Jogos de linguagem’ o conjunto da linguagem e das atividades com as quais está interligada” (WITTGENSTEIN, 1989, § 7), e, nesse conjunto de linguagens e atividades inclui-se a nomeação de coisas no mundo, bem como outras atividades como: mentir, descrever algo, construir algo, conversar informalmente e etc, sem estas, formarem necessariamente categorias isoladas.

Neste ponto verificamos a plausibilidade da hipótese de Wittgenstein para linguagem não ser mera representação de coisas do mundo, porque afinal, esta é apenas uma atividade feita dela, que se relaciona com outras atividades e não se relaciona com tantas outras.

Ainda neste sentido, o elo entre os diversos jogos de linguagem é o que o filósofo define como “ar de família”: “[...] uma rede complicada de semelhanças que se envolvem e se cruzam mutuamente. Semelhanças de conjunto e de pormenor. ” (WITTGENSTEIN, 1989, § 67) e exemplifica:

2.É importante dar-se espaço para justificarmos a escolha teórica da investigação acerca da linguagem baseada em Wittgenstein, que iremos trilhar. Como nos expõe mais detalhadamente Pereira (2014) Wittgenstein detém o mérito da sugestão de um esforço mais moderado para compreender a linguagem, contrariando a tendência das teorias filosóficas da linguagem que investigavam os usos da linguagem, o austríaco nos sugere a analogia de jogos de linguagem.

Se meu conceito de jogo está na explicação que eu dou na descrição de exemplos de diferentes tipos de jogos, é porque mostro como se pode construir por analogia todas as espécies possíveis de jogos; digo que quase não chamaria de jogo a isso ou aquilo (WITTGENSTEIN, 1989, §75)

Na posse dos apontamentos de Wittgenstein sobre a linguagem no mundo, podemos destacar as aproximações possíveis entre a interpretação de jogos de linguagem, dimensão social do processo de alfabetização e os transtornos da escrita.

A dimensão social da alfabetização e os jogos de linguagem

O processo de alfabetização se torna ponto de discussão na área educacional desde que a educação se tornou uma educação de massa como nos diz Bravlasky (1988, p.42):

Os métodos para o ensino da leitura aparecem como uma questão problemática, em um momento muito singular. A partir do século XVII se desenvolveram mudanças históricas orientadas por novos modelos sociais que geraram a necessidade de ler e escrever, em uma época em que a maioria da população era ainda, analfabeta.

A educação popular ia se configurando como um direito, junto ao direito de livre expressão das ideias, mas ainda se ensinava como o faziam os antigos, segundo escreveu Dionísio Halicarnasso “Aprendemos primeiramente o nome das letras, depois a sua forma, depois o seu valor, mais tarde as sílabas e as suas modificações, e depois disso as palavras e suas propriedades”

Dada à associação entre a alfabetização e a livre expressão, se torna destarte, imprescindível arrolarmos então, à caracterização histórica e social ao supracitado direito para que isso nos leve aos aspectos que os unem.

A noção atual de livre expressão é parte integrante do que historicamente convencionou chamar-se direito à informação, que, apesar de tímidos movimentos nesse sentido na Idade Média (SEELAENDER, 1996, p.191), foi de fato estruturado e posto em debate a partir da concepção liberal das ideias de liberdades essenciais relativas à informação, isto, em meados do século XVII.

Neste contexto, Seelaender destaca dentre os pressupostos miltonianos 3 como pioneiros no desenho dos argumentos ao direito de informação presentes até hoje, sendo estes: liberdade de saber (protótipo do atual direito de imprensa), liberdade de informar e ser informado. 4

Observada a simultaneidade dos processos de construção do direito à informação e do surgimento da educação popular, e, principalmente sua complementaridade, vale-nos ressaltar que o contexto atual não é fruto de um processo mecânico e maniqueísta, e, sim de transformações sociais de inúmeras naturezas – a começar em campo abstrato -, como nos diz Rego (2006):

A capacidade de mobilização de uma idéia política reside justamente nos seus conteúdos abstratos. Aliás, a abstração é fonte fundamental de sua força, porque permite que os conteúdos de determinados princípios gerais possam ganhar redefinições inesperadas, e, portanto, a questão dos direitos será sempre uma construção imperfeita e inacabada. (REGO, 2006, p.184)

Assim, o autor dá luz sobre dois aspectos da nossa construção argumentativa até aqui, a saber :1) em que implica declarar a alfabetização enquanto direito; e 2) aonde esta suposição nos leva.

Admitir a alfabetização enquanto direito implica principalmente em ilustrar o que é direito. Chauí (1989) irá dizer-nos que histórica, filosófico e poeticamente –no âmbito o que chama de “advento da sociedade”, onde “o social, o político e a história são percebidos como obras dos próprios homens” (1989, p.17) - a declaração de direitos é associada primariamente à vontade divina, o que leva a uma asserção positiva dos mesmos.

 

  1. Sob a égide de importância primária, cabe a nós elucidarmos que o foco de Milton é em cima da censura de sua época, o que o levou a constituir argumentos a favor do que hoje conhecemos como direito à informação. Secundariamente, vale tomar nota daquilo que Seelaender nos expõe sobre o contexto de produção da John Stuart Mill produziu a obra (1996, p.192).

 

  1. Ainda no âmbito da censura que motivou a obra de Milton, vale dizer que tipificação do direito à informação em três termos é um reducionismo de ordem pragmática na estruturação do texto, muito embora Milton ou outros pensadores não tivessem assertivamente delimitado os mesmos precisamente desta forma, dividi-los assim é um risco aceitável para compreender-se o conceito de maneira global.

Todavia, a partir do momento em que há a separação de uma vontade divina na produção de garantias inquebráveis a algo, é interessante notar que declarar direitos significa principalmente o acesso à isonomia, quando a autora nos diz: