Reflexão sobre Deus a partir da obra literária: A Cabana1 Ismênio Dias Libarino Júnior2 Podemos iniciar esse pequena reflexão com um questionamento: O que está por detrás desta obra que “move” multidões a lerem e buscarem nele uma motivação para o encontro pessoal com Deus? Ela é tão atual e transmite uma mensagem tão imediata e que responde a muitas perguntas acerca da transcendência, ou seja, do diálogo com Deus? Antes de adentrarmos de fato no conteúdo, podemos dividir o livro, pelo menos em duas partes: A primeira irá tratar da infância do personagem principal, Makenzie (Mack), e de sua relação com o seu pai, e também, a influência religiosa da mãe na sua criação. O pequeno Mack, cresceu em um ambiente conturbado, pois, de um lado percebia a hipocrisia do pai, que dentro de casa era uma pessoa, mas na Igreja tinha atitudes diferentes, mostrava-se uma pessoa calma e dócio, uma vez que em casa era agressivo. Vendo tamanho fingimento, da parte do pai, e nada contente, um certo dia foi levar ao Pastor o que acontecia em sua família, o garoto nunca mais se esqueceu deste dia. No entanto, foi essa situação de dor e sofrimento que levou o pequeno Mack a ter seu primeiro encontro com Deus, que dizia que os pais não deveriam agir desta forma, e Ele não estava contente com nada que estava acontecendo. Era Deus mesmo que afagava suas dores oriundas de traumas familiares, envolvendo sempre a figura do pai. Este encontro é decisivo e muda muito sua vida. Percebemos isso, pois, mais tarde ele se torna um excelente pai e um bom marido. 1 Livro escrito por William P. Young com a colaboração de Weyne Jacobsen e Brad Cummings. Texto apresentado À Disciplina de Deus e Criação I do Curso de Teologia da Pontificia Universidade Católica de São Paulo. 2 Discente do 3° período do curso de Bacharelado em Teologia pela Pontificia Universidade Católica de São Paulo – PUC -SP. Desta forma, Mackenzie soube canalizar toda essa raiva e magoa obtida na infância e torna-se uma figura doce e amável em sua família. Porém, ele possuía uma relação fria com Deus e com a religião, de modo geral. Frenquentava a Igreja como práxis familiar, onde levava sua esposa e seus filhos. Em um dado momento em um certo dia ele olha um dos vitrais e ali nos parece ser revelado a figura de Deus para ele. Um ser “velho”, de barbas, autoritário que nos remete a sua imagem de pai. Mais tarde intenderemos a dificuldade de relação que ele terá com Deus Pai, parece que essa associação de Deus com a figura do pai é muito forte e marcante em sua vida. Até este momento trabalhamos um poco a cerca da primeira parte, já na segunda parte em que podemos dividir este livro nos parece que Mackenzie está chateado com Deus. Deus o desapontou! Uma vez que ele teve sua filha pequena sequestrada e assassinada por um “serial killer” e Mack se sente culpado, pois, acha que de alguma forma Deus está o castigando, uma vez que, em sua infância ele acha que teria envenenado seu pai. Hoje, ele acredita que Deus é ruim e se questiona: “Se Deus é bom porque existe o mal?” Essa mesma pergunta que move muitas pessoas até hoje. Ou Deus é todo poderoso ou amor, para ele Deus não pode ser os dois ao mesmo tempo. Porque se Deus é todo poderoso e vê uma pessoa precisando de ajuda e não faz nada, é porque não ama. Agora se ama, e vê uma pessoa e não pode ajudar, é porque não é todo poderoso, na visão de Mack. Portanto, um Deus que seria os dois ao mesmo tempo seria inviável no momento, e o livro não trará uma resposta a esse assunto. Ele apresentará a “personificação” de Deus. Neste livro Deus é personificado e caracterizado como uma mulher, que ao que parece é para atender uma necessidade do personagem, pois o mesmo possui problemas com a figura paterna. A questão mais relevante é a particularização de Deus no ponto de vista Teológico, sabemos que este livro não é nenhum tratado teológico, muito menos doutrinários, mas, é bom fazer uma leitura acerca da teologia para melhor entendermos o seu conteúdo. Por isso a partir do livro percebemos que ultimamente é muito comum a mudança de uma pessoa quando adere uma nova religião. Hoje em dia as pessoas passam por diversas religiões e passam despercebidas, não há mais uma adesão por completo, e também, essas pessoas esperam que as religiões se adaptem ao seu modo de vida, não mais a pessoa se encaixa dentro da religião. É muito comum personalizar a Igreja e criar versões particulares do que seja uma religião. O autor pega justamente esse público, que acredita em Deus, mas não acredita em religião, e justamente, o que nos parece transparecer, a partir de uma análise, é que o Deus do autor é a-religioso e antirreligioso, pois, ele não gosta de religião “A religião e as Igrejas foram inventadas por homens, fazem parte da tríade do mal, da trindade dos horrores juntamente com Economia e Política. Esse é um Deus que não tem regras morais, não tem leis, ele mesmo fala tudo, absolutamente tudo parece ser permitido, a única coisa que você precisa ter é um relacionamento comigo”. O Jesus também vai na mesma linha, diz não gostar do cristianismo, que ele não é cristão. Justamente todo esse discurso parece ser para agregar essas pessoas magoadas com a religião institucionalizada e o autor dá razão a elas, dizendo que estão certas no pensar e agir. Esse Deus personalizado possui algumas falácias, assim como a sabedoria, que também é representado por outra mulher. Mack encontra-se em uma caverna com a sabedoria, onde ele precisa entender a necessidade de perdoar o assassino de sua filha. Para ele perdoar o assassino, a sabedoria apresenta algumas falácias; uma delas é que Mack não pode julgar o assassino da filha, uma vez que ele não conhece o coração do homem, esta é um primícia muito comum. Há diversas pessoas na atualidade que usam essa primícia cotidianamente. Quem disse que não pode julgar, foi o próprio Jesus, porém ele falava das intenções do coração. As ações podem e devem ser julgadas, se não fosse julgada poderíamos fechar os tribunais, não precisaríamos de advogados e juízes e policiais para defender o bem comum, o direito e as causas individuais. Julgar as ações faz parte da natureza humana, não podemos dizer as intenções, muito menos condenar pessoas ao céu ou ao inferno. A segunda falácia trata um pouco da predestinação. Essa sabedoria pede para Mack escolher 2 dos seus filhos serem salvos e 1 ficaria eternamente no inferno. Se existe um Deus que define quem vai salvar e quem vai se perder sem nenhuma chance dessa pessoa tomar partido nessa decisão, esse, é um Deus muito perigoso, que usa de arbitrariedade, Ele é completamente aleatório. Alguns calvinistas pensam desta forma, já outros, mais modernos, já possui outra concepção da predestinação e determinismo de Deus. A falácia mais importante a ser apresentada é que a Sabedoria fala para Mackenzie que o assassino pedófilo que matou sua filha, ele na verdade é uma inocente vítima da sociedade. Que na verdade ele é uma vítima do seu pai, que também no passado o seu pai fez muito mal a ele, e por isso desencadeou nele esse tipo de comportamento e o tornou assassino. Usar esse tipo de argumento é muito perigoso, e muitas pessoas querem usá-lo no ponto de vista social, filosófico e político ultimamente, que a pessoa, o assassino é uma vítima da sociedade. Esse pensamento iria de encontro a realidade de pessoas que nascem em meio a “podre” sociedade e desenvolve um bem grandioso a sociedade, pessoas que possui um histórico terrível, mas resolveram ser donas de si e mudar sua realidade. Da mesma forma não podemos afirmar de modo algum que de fato esse homem seja filho de uma realidade perversa e crual, que lhe foi tirado o direito de escolha. E é claro em nossa sociedade a desigualdade, a crueldade dos mais poderosos sobre os mais fracos, sem condições. Essas pessoas, como o assassino, realmente, poderia ter outro curso, mas talvez não teve possibilidades reais de mudar de vida. De modo algum podemos julgar o contexto deste personagem no livre, e muito menos na vida real, tantos outros modelos que encontramos e que se enquadra aqui. Se usarmos esse raciocínio, que a pessoa é só uma vítima, e aí fazemos um interrogatório a essa pessoa que diz que a culpa é do pai, perguntamos ao pai, ele afirmará que é do pai, e assim sucessivamente até chegar em Adão, e aqui é um grande perigo para quem é Cristão, pois, chegará até Adão, e em Gêneses 3, justamente Adão vai afirmar que pecou, pois, a mulher que Deus o deu, ofereceu a ele do fruto proibido. O problema por sua vez não é a mulher, mas “Deus que deu a mulher”. Quando Deus pergunta a mulher ela responde: “Foi a cobra que o senhor criou”. Então a culpa é de Deus, pois ele que criou a mulher e a serpente. Desta forma podemos perceber que é muito comum o ser humano atribuir suas culpas, um para o outro, de tal modo, percebemos que neste contexto, desta falácia o ser humano apresenta que Deus é o culpado, que ele manipula, que Ele não permite que as pessoas escolham seu destino, que ele causa um mal. A imagem de Deus, deste modo é formada como um Senhor grandeoso e o humano é uma marionete em suas mãos. “Você só é bom, se Deus lhe deu a sorte de sair de uma família boa, o outro é ruim, pois, Deus assim escolheu que ele nascesse em uma família ruim”. Se partirmos dessa falácia, que o autor nos propõe, encerramos a possibilidade de escolha, de melhora, de oportunidades para cada ser em sua individualidade. Neste contexto, não há uma predestinação. Um dos elementos mais supreendentes do livro é a revelação de Deus Pai como “Papai”, uma negra que é afável e carinhosa, que ao ouvir música se põe a dançar. Um modo muito diferente do que pensamos que Deus se apresentaria. Outro elemento que para nós é surpreendente é o Espírito Santo que nos aparece como uma misteriosa mulher asiática, Sarayu. Por fim, aparece Sophia, que posteriormente é descrita como a personificação da sabedoria de Deus. Aqui a Revelação de Deus se dá de uma visão onde “dois terços de Deus” é feminino. Um paralelo que faço a partir deste dado é que quando falamos da revelação de Deus, propriamente dita, é em Jesus Cristo. Deus se revela em Jesus Cristo, tudo o que sabemos de Deus foi o que Ele nos quis revelar em seu filho. De fato, ninguém viu Deus ace a face, porém o livre nos apresenta um encontro de Mack com a trindade, dando características físicas e emocionais ao Deus uno e trino. Outro ponto acerca da figura trina de Deus é que, tanto Pai, Filho e Espírito Santo levam consigo as marcas dos pregos, da morte de Jesus de Nazaré. Sabemos que é Jesus que morre, estavam junto dele o Pai e o Espírito, mas, somente o Filho que deveria pois, carregar essas marcas. Mais uma vez é bom salientar que este livro não se trata de um tratado trinitário ou Cristologico, porém quis destacar estes pontos que nos chama muita atenção acerta do texto. Pois, se não olharmos com atenção, podemos cair na “tentação” de dizer que Deus morreu na Cruz. Na morte se expressa e manifeta a sabedoria, uma vez que ali se manifesta a Plenitude de Deus e seu projeto de Amor pelo homem, e aqui, podemos “degustar” o sabor do Amor de Deus na Cruz de Jesus. O Espírito expressa essa Sabedoria pela inabitação o “in” não possuí caráter de negatividade aqui, mas, quer dizer “morando dentro”, O Espírito mora dentro de nós. Quando o William P. Young se refere a Sophia como personificação da Sabedoria de Deus, podemos dizer que de fato a Sabedoria vem de Deus e é a ação, movimento, vai além do tempo e espaço e leva o homem a transcender-se. Ela possuí autonomia diante do humano. A Sabedoria, na Teologia também é atribuída tanto ao Filho quanto ao Espírito. Cristo manifesta em sua vida essa sabedoria, sobretudo na entrega de si mesmo na morte. Já o Espírito interioriza a Sabedoria nos corações e nas comunidades dos fieis. A partir de uma reflexão trinitária, podemos dizer que o livro “A Cabana” possuí em sua estrutura um erro teológico sobre a comcepção de Deus. Ele nos apresenta a trindade a partir de uma perspectiva modalista, e no modalismo, não é apenas Jesus que se encarna, mas, como é bem claro no livro, a trindade, Deus Pai, Filho e Espírito Santo se encarnam para conhecer e viver os dilemas do sofrimento humano. O livro encerra com duas cenas bastantes interessantes, são cenas que misturam conceitos de religiões orientais. Onde Mackenzie se encontra primeiro com a alma de sua filha, e depois com a alma de seu pai. Ele está com sua aura brilhante, assim com o pai, e quando há o perdão, há uma cena transcendental, e ocorre uma mistura de corres, provocando o arco-íris. Baseado nesta cena, percebemos que o livro não é puramente cristão, ele carrega consigo ideologias e teologias particularizando a figura de Deus. O livro termina com uma firmação do autor: “Deus é verdadeiramente meu servidor”. E é realmente o que o livro mostra, Deus cada dia mais tem-se humanizado e o homem divinizado. Tornando-se um Deus mais humano, mais próximo e mais acessível. Seria mais ou menos assim; “Deus existe para me servi”. Em vários momentos do livro vemos afirmações como “Exijo que Deus me cure ”e “Exijo que Deus me deixe rico”, desta forma, podemos perceber que Deus se torna um “capacho” da humanidade, existe somente em função do serviço ao homem e suas necessidades, e não o contrário, “sou eu que tenho que servi a Deus”. Ele não tem leis, regras morais e padrões morais. Basta que apenas eu O ame, basta que eu esteja com Ele, e basta que Ele cumpra aquilo que aquilo que prometeu na minha vida e eu ficarei com Ele, ao contrário é um Deus que não atende as minhas necessidades, e irei buscar fora, em outras religiões, lugares, o que me faltou neste Deus. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA Young, William P. A Cabana. Tradução de Alves Calado. São Paulo: Editora Arqueiro, 2008. Rauser, Randal. Encontrando Deus na Cabana. Tradução Magda Lopes. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2009.