O processo de expansão do sistema educacional no Brasil evidencia a construção de uma legislação que precisa garantir uma educação de qualidade, observando a realidade social da maioria do povo brasileiro, observamos assim ao longo deste processo histórico a dificuldade de garantir um ensino universal visto que a educação é constitucionalmente um direito básico.

A garantia da instrução primária gratuita a todos os cidadãos, expressada no artigo 179, item 30, da Constituição imperial teve sua realização passada para a competência provincial pelo Ato Adicional de 12 de agosto de 1834, porém é preciso refletir, seria mesmo direcionada a todos os cidadãos, sem discriminação alguma? Seria esta escola de bases europeias adequada para atender as necessidades de uma população pobre e culturalmente híbrida?

Compreendemos hoje que esta escola não foi adequada para atender as necessidades de toda aquela população.

Assim nesta escassez de recursos e estrutura de ensino, as muitas escolas (públicas, particulares e domésticas), foram construindo diversas maneiras e formas de ensino, que em suas práticas traziam vestígios da ação das ordens religiosas na área da instrução, a existência de ofícios artesanais e a implantação das aulas régias, bem como inserida neste sistema educacional, encontra-se a diferenciação social. Também paralelo a este processo é preciso observar o processo de formação dos professores que se divide em dois caminhos: a prática de sala de aula e a formação acadêmica, o Estado por sua vez sistematizou e regulamentou esta formação de tal maneira que tanto a formação quanto a habilitação e a admissão, criaram a possibilidade de diferenciação dos níveis salariais. Até o gênero feminino foi considerado elemento para a desvalorização funcional e salarial desta carreira docente, pois se traduz em uma série de concepções arraigadas na sociedade ocidental de então, como a vinculação do ato de ensinar como papel maternal da mulher e diluir, senão tentar abstrair, nessa(s) nova(s) função (ões), sua natureza profissional e, em consequência, seus direitos de valorização funcional e salarial enquanto tal.

Quando da passagem do regime monárquico para o republica, surge então a ideia de apresentar uma nova proposta educacional de reconstrução do passado, considerando-se que o que foi implantado anteriormente seria defasado e insuficiente, como se pudéssemos de repente saltar para o futuro, em uma nova estruturação educacional.

Em um momento de reflexão é possível perceber que vivemos em uma sociedade que se reconfigura a partir de sua trajetória colonial anterior, tendo como modelo a seguir o da sociedade capitalista liberal nas bases fundacionais materializadas num modelo europeu, a construção  de um sistema educacional, a ampliação do acesso à escola, a formação de novos quadros dirigentes para as diversas funções sociais que foram se sedimentando, assim como a formação de mão de obra qualificada, implica num desafio para os governos que se colocaram a frente de nosso Estado, por sua vez, assentado sobre uma sociedade marcada pela hierarquização, fortes desigualdades sociais e multiétnicas.

Cabe a nós, compreendermos que estas transformações em nosso sistema educacional, ocorreram de maneira contextualizada por conceitos de ordem ideológica e de opções políticas, ou seja, não se deram por determinações de caráter puro e neutro, a escola primária passou a ser institucionalizada e o analfabetismo precisava ser combatido como um mal a ser combatido para ao progresso social do país, mal este que continua ser necessariamente combatido até nos dias de hoje.

Ao observar e detectar estes problemas sociais, assim coube ao Estado orientar e controlar ações sociais que construísse uma estrutura educacional sólida e abrangente, porém laica e que garantisse a todas as camadas sociais o acesso e permanência na escola.

 Ao longo do nosso processo histórico, desenvolveu-se um intenso momento de reflexão e mobilização intelectual que significou um encontro entre a luta pela erradicação do analfabetismo com a superação da situação de miséria em que se encontrava grande parte da população e com a valorização das formas culturais locais e sua importância não só para o processo educativo quanto também para conscientização social e política das comunidades, Nesses processos e movimentos sociais, acabou se destacando, o método de alfabetização Paulo Freire.

Com o outorgamento da Lei nº. 5.692/1971, que trouxe como inovações a ampliação do ensino obrigatório de quatro para oito anos ao incluir o antigo primário ao ginasial; a alteração de todo o ensino médio, tendo sido reduzido para 3 ou 4 anos, em profissionalizante; no campo do conteúdo programático, vimos a desvalorização da formação humanista com a retirada do currículo das disciplinas História e Geografia que foram substituídas por Estudos Sociais e Educação Moral e Cívica e forte destaque para a Educação Física. Houve nesse período de nossa história o avanço do ensino particular em todas as modalidades e o aumento das subvenções oficiais para o mesmo.

Vale ressaltar o processo histórico da luta pelo atendimento das crianças de 0 a 6 anos e sobre o processo de transição para a democracia e a elaboração da nova LDB e outras legislações pertinentes à educação. Porém está nova modalidade de ensino inicialmente vislumbrada por atendimento acabava sendo tratado como uma ação assistencial e beneficente a ser realizada em parceria com as comunidades, atuando como uma espécie de política compensatória, de baixa qualidade, evidenciando-se como um atendimento emergencial, paliativo e precário o que fomentou em uma nova forma de discriminação ao rotular negativamente o meio cultural e social dessas crianças, que acabou criando estereótipos para as crianças desses segmentos como deficientes tanto em termos culturais quanto intelectuais.

Por fim, as construções das novas legislações (Constituição de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1991, a nova LDB, Lei nº. 9.394/1996) surgiram como marcos da luta que transcorreu vários segmentos da sociedade pelo retorno de um regime democrático e o quanto esta nova legislação em muito transformou em princípio legal, antigas aspirações que foram sendo edificadas historicamente por uma série de sujeitos coletivos que lutaram para sua concretização.

Porém não basta garantir uma reivindicação apenas na escrita para que ela se torne realidade. Para as reivindicações que foram legitimadas, que ganharam corpo legal, outras ficaram pelo caminho, ou precisam conviver com algumas de caráter privatista, como a continuidade de subvenções de verbas públicas para estabelecimentos particulares, por exemplo.

Todas estas demandas que já eram legítimas pelo fato de confirmarem as necessidades da maior parte de nossa população pobre e analfabeta e que representavam um ganho lento e significativo no nível das “consciências das classes subalternas dos seus direitos” e se chocam contra as diretrizes hegemônicas no mundo de hoje, com as diretrizes de caráter neoliberal, de elevação máxima das necessidades de lucratividade do Capital, em particular do financeiro, como ação primeira do Estado e de rendição do conjunto da sociedade a um pequeno segmento da mesma, fazem da escola uma instituição que precisa urgentemente esclarecer seus alunos, numa educação libertadora, tão defendida por Paulo Freire.

Assim professores conscientes de seu “poder” vivenciam a luta por uma educação pública, laica, gratuita, ampla, de qualidade e referenciada socialmente na classe trabalhadora, compreendendo ser esta uma angustiante e longa travessia. Travessia na qual também temos a oportunidade de discutir de forma mais ampla os limites estruturais da nossa sociedade e que tipo de democracia queremos, desejamos, merecemos e podemos construir a partir da ação social dos segmentos explorados e oprimidos.