Por : Gilda Rezende Lugarini - Psicóloga - CRP 06/102931 

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   Este livro ilustra alguns sintomas e sofrimentos de quem sofre com a doença denominada “esquizofrenia”. Os relatos da adolescente Deborah levam os leitores a refletirem em relação à vulnerabilidade psíquica do ser humano diante dos “pequenos grandes detalhes” da vida; da falta temporária do calor da mãe, ainda quando bebês; das situações do dia-a-dia; das relações com os outros, de um simples olhar ou comentário de um colega, do pai, enfim, do ambiente em que se vive. E o quanto tudo isso nos afeta interiormente. Algumas vezes, assim como a Deborah, nos questionamos em relação aos motivos pelos quais sentimos algo incomodando dentro de nós. Somos tomados pela angustia, por não sabermos lidar com estes sentimentos, sensações, medos, vazios, perdas, mas conseguimos ir em frente. Acredito, particularmente, que em algum momento da vida, a maioria das pessoas já se perguntou: “O que é isto, será que estou louco”? A diferença é que conseguimos nos libertar desta aparente “loucura”, fato que não ocorre com as pessoas que tem esquizofrenia. Elas lutam, sofrem, compreendem ou não, melhoram, mas estão constantemente frágeis ao retorno dos sintomas. E se percebem diferentes dos outros. Deborah, depois de sua alta, sabia que teria que manobrar os desvios de percurso que poderiam ocorrer em sua vida futura; que através de sua própria experiência, já possuía alguns recursos internos e externos que poderiam auxiliá-la, porém, mesmo assim, talvez não seria nada  fácil. Mas isto acontece com todas as pessoas, pois na vida existem perdas e ganhos, derrotas e conquistas. Como ela mesma ouviu em sua psicoterapia: “Nunca lhe prometi um jardim de rosas”.

   Seguindo nesta linha de pensamento, quando avaliamos algumas passagens da vida de Deborah, percebemos que alguns fatos isolados permaneceram fortemente em seu inconsciente, como quando sua mãe foi viajar e ela ficou com a babá que era muito fria; ela sentia o frio dos lençóis e enxergava grades em seu berço, fazendo-a sentir muito mal. Esta fase tão importante da vida dela ficou tão registrada em sua mente que, mesmo adolescente, quando ela verbalizava o fato à psiquiatra do hospital, ela sentia o mesmo frio. Lembrava-se também, intensamente, do preconceito existente entre seus colegas de escola que a perseguiam e a agrediam verbalmente por ela ser judia. E o quanto seu avô, homem muito severo, exigia que ela enfrentasse tudo de cabeça erguida, pois tinha orgulho de sua origem. Também relatava da operação que fez quando tinha uns cinco anos, de um tumor na bexiga, que a fez sentir nojo de si mesma, podre e inválida.

   Havia uma cisão do mundo interno e externo e uma extrema dificuldade em lidar com a realidade, que doía muito. Persistiam os sintomas negativos, Deborah via e sentia tudo cinza, se culpava acreditando que não fazia nada direito; era o superego predominando nestes momentos.

   Nos anos que esteve no Hospital Psiquiátrico, Deborah passou por momentos bastante turbulentos, que a levaram a crises agudas, a explosões, a agressões perante aos outros e a si mesma, chegando a se queimar, a se machucar. Sentia sempre perseguida por seres estranhos, imaginários, que a incomodavam constantemente. Aos poucos, foi conseguindo verbalizar o que sentia nas sessões de psicoterapia, embora também sentisse raiva quando mostrava seu mundo interno. No início do tratamento, quando era incentivava a falar, Deborah se sentia muito mal, permanecia dias na cama, pois, o enfrentamento da realidade era doído demais para ela. Era difícil conversar, colocar para fora, mexer nos pontos mais doídos, os sentimentos eram tão intensos que parecia que ela ia explodir. Mas era preciso, para que ela se compreendesse e para que pudesse aprender a lidar com suas limitações a fim de construir uma vida melhor. Com a habilidade e o acolhimento da psiquiatra, e depois de muitas melhoras e pioras, Deborah apresentou uma melhora mais consistente e por conta própria, disse que não queria mais morar ali.  

   Surpreendo-me com este discernimento das pessoas com esta doença, pois  muitas vezes elas tem consciência da fragilidade do estado que se encontram e após compreenderem o que pode ser feito, elas mesmas, antecipadamente, pedem auxílio a quem confiam. Foi o que aconteceu quando Deborah, ao sentir que iria ter um ataque no hospital, foi logo solicitando aos enfermeiros que a colocassem no casulo, ou seja, que a amarrassem com os lençóis. Tinha total consciência de si naquele momento. Por outro lado, às vezes tentava enganar os outros, mostrando-se “normal”, como aconteceu na entrevista de triagem. Neste caso, foi interessante porque Deborah, ao chegar ao hospital, na entrevista de diagnóstico inicial, tentou elaborar um discurso “normal”, para não ser classificada de louca e por uns momentos ela conseguiu, pois era muito inteligente. Porém, logo depois, começou a se mostrar, dizendo várias palavras que não existiam, coisas desconexas e assim por diante.  

   A adolescente tinha uma dificuldade muito grande em conviver com a realidade e  quando algo acontecia que ela se frustrava, sentia tristeza, decepção, raiva ou medo, ela partia consciente ou inconscientemente para um mundo imaginário, fugindo totalmente das adversidades da vida. Era como se ela não quisesse ou não tivesse forças para agüentar. Mas não percebia que fugindo acabava sofrendo infinitamente mais. Até o momento em que Deborah disse aos seus perseguidores que “agora eu vou ficar no mundo real”.