REDUÇÃO DE DIREITOS TRABALHISTAS POR NORMA COLETIVA DE TRABALHO[1]

Samilla Sousa Rodrigues[2]

1 DESCRIÇÃO DO CASO

A Montadora de Veículos WFFGM Ltda., tendo em vista a crise financeira, celebrou acordo coletivo de trabalho com o sindicato profissional, respeitando todas as normas que regem o assunto, em 2 de janeiro de 2016. Ficou pactuada a estabilidade provisória no emprego de todos os 902 (novecentos e dois) empregados no período de 2.1.2016 a 31.12.2016 e, no caso de rescisão, todos os direitos trabalhistas pagos com valores dobrados. Em contrapartida, os trabalhadores prorrogaram sua jornada diária por duas horas remuneradas com adicional de 10% (dez por cento); bem como não receberam o décimo terceiro de 2016.

Dispensado em 30.9.2016, Pedro Correa de Castro recebeu sua rescisão, homologada no sindicato profissional, com valores refletidos e em dobro até 2.2.2017 (considerando 33 dias de aviso prévio), conforme previsto no acordo coletivo.

Enfatiza-se que todas as verbas constantes em sua rescisão foram pagas em dobro, inclusive 80% de indenização sobre o montante do FGTS.

Em 6.2.2017, alegando a nulidade do acordo coletivo de trabalho, Pedro Correa de Castro ingressou com Reclamação Trabalhista na Justiça do Trabalho, requerendo o pagamento do adicional de 40% sobre um total de 720 (setecentos e vinte) horas extras e do décimo terceiro do ano de 2016.

 

2 ARGUMENTOS CAPAZES DE FUNDAMENTAR CADA DECISÃO

2.1 Quais os argumentos que podem ser utilizados por Pedro Correa de Castro sustentando a tese de nulidade do acordo coletivo de trabalho?

Primeiramente, deve-se falar do princípio da proteção, que é basilar no Direito do Trabalho. O mesmo prevê um desmembramento em: Princípio in Dúbio Pro Operarium, Princípio da Norma mais favorável e Princípio da Condição mais benéfica (GODINHO, 2016, p.202).

Segundo Mauricio Delgado Godinho (2016, p.202,204):

O Princípio da norma mais favorável dispõe que o Direito do Trabalho deve optar pela regra mais favorável ao obreiro em três situações ou dimensões distintas: no instante de elaboração da regra (principio orientador da ação legislativa, portanto), ou no contexto de confronto entre regras concorrentes (princípio orientador do processo de hierarquização de normas trabalhistas), ou por fim, no contexto de interpretação das regras jurídicas (principio orientador do processo de revelação do sentido da regra trabalhista).

O Princípio da condição mais benéfica importa na garantia de preservação, ao longo do contrato, da cláusula contratual mais vantajosa ao trabalhador, que se reveste do caráter de direito adquirido (art. 5º, XXXVI, CF/88). Ademais, para o principio, no contraponto entre dispositivos contratuais concorrentes, há de prevalecer aquele mais favorável. 

Entretanto, no caso disposto acima, percebe-se claramente que não houve a observância de tais princípios, tendo em vista que houve um acordo coletivo firmado com o Sindicato, para a contratação de 902 empregados para a montadora, trabalho este que não previa o pagamento do 13º salário e fixou duas horas extras diárias, com aumento apenas de 10%.

A flexibilização ocorrida é sustentada pela “situação de crise” em que se encontra o mercado atual. Entretanto, não há a possibilidade de a mesma ocorrer de forma a reduzir direitos e impor normas que não sejam favoráveis ao trabalhador, sobre justificativa de tirá-los do desemprego.

Em consonância com os argumentos já disposto, cabe ainda falar do Princípio da Irrenunciabilidade dos Direitos Trabalhistas, o qual dispõe objetivamente que o trabalhador não pode renunciar direitos que lhe são previstos pela legislação (BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins, [2010?]) ele não pode, abrir mão deles, seja voluntariamente ou não.

Ao tratar-se das horas extras, ocorreu uma supressão das mesmas e não houve qualquer beneficio salarial, para compensar, evidenciando mais uma vez uma grande perda ao trabalhador, que fora novamente lesado, pois, apesar da estabilidade garantida pelo acordo coletivo, houve a majoração da hora extra em 10% e o aumento da jornada de trabalho.

A questão da supressão de horas extras dá ensejo a uma indenização, segundo o que dita a súmula 291 do TST:

A supressão total ou parcial, pelo empregador, de serviço suplementar prestado com habitualidade, durante pelo menos um ano, assegura ao empregado o direito à indenização correspondente ao valor de um mês das horas suprimidas, total ou parcialmente, para cada ano ou fração igual ou superior a seis meses de prestação de serviço acima da jornada normal. O cálculo observará a média das horas suplementares nos 12 meses anteriores à mudança, multiplicada pelo valor da hora extra do dia da supressão.

E, consoante a isto, tem-se o art. 9º da CLT que trata “Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.” O que se observa é que houve benefícios apenas para o empregador e não para ambas as partes, que é o correto quando se há acordos coletivos.

A respeito do 13º salário o acordo desrespeitou mais uma vez o empregado. Tendo em vista que a Constituição Federal (BRASIL, 1998) traz a seguinte redação no artigo 7º:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...]

 VIII - décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;

Com o disposto na Constituição e o entendimento majoritário da doutrina, o 13º salário possui natureza salarial e não meramente uma gratificação. É, portanto obrigatório o pagamento do mesmo, que pode ser reduzido, mas não excluído, como ocorreu no caso em análise.

 

2.2 Quais argumentos podem ser utilizados pela Montadora de Veículos WFFGM Ltda sustentando a tese de validade do acordo coletivo de trabalho?

Diante do cenário de crise que se encontra o Brasil diversas empresas têm fechado as portas o que tem gerado uma taxa de desemprego altíssima, aumentando dia após dia. Não é diferente no setor automobilístico, como é o caso da Montadora de Veículos WFFGM.

A mesma se utilizou do acordo coletivo com o sindicato, para proporcionar empregos estáveis para 903 funcionários durante um ano. Utilizou-se da flexibilização negociada restrita, fenômeno bastante comum no Brasil, que traz entendimentos que proporcionam uma nova leitura da aplicação do Direito do Trabalho, na realidade da sociedade.

Segundo Bruno Lessa ([2012?]):

A flexibilização do Direito do Trabalho trata-se de expressão voltada para intitular um contexto de mudanças da legislação trabalhista, arraigado, sobretudo, na discricionariedade dos atores sociais sob a aplicação dos dispositivos legais, autorizando que conteúdo normativo possa sofrer uma diminuição de significado, reduzindo o seu teor de proteção da massa proletária.

Entende-se que houve uma mudança razoável na legislação a ser aplicada aos empregados da montadora de veículos. O que segundo Godinho, ao tratar da normas autônomas e heterônomas do Direito do Trabalho, se dá:

Normas autônomas juscoletivas construídas para incidirem sobre certa comunidade econômico-profissional podem prevalecer sobre o padrão geral heterônomo justrabalhista desde que respeitados certos critérios objetivamente fixados. São dois esses critérios autorizativos: a) quando as normas autônomas juscoletivas implementam um padrão setorial de direitos superior ao padrão geral oriundo da legislação heterônoma aplicável; b) quando as normas autônomas juscoletivas transacionam setorialmente parcelas justrabalhistas de indisponibilidade apenas relativa (e não de indisponibilidade absoluta). (2016, p. 1546)

O trabalhador Pedro, no caso em análise, recebeu tudo que lhe era devido, inclusive sua rescisão em dobro e 80% de indenização por FGTS. Pode ser entender que houve má-fé da parte do mesmo, ao querer requerer mais direitos e assegurar que fora lesado com tal acordo coletivo.

Afirma Sérgio Pereira Pantaleão:

A Constituição Federal estabelece que seja garantido a todo trabalhador, dentre outros, o direito à irredutibilidade salarial e a duração do trabalho normal não superior a 8 horas diárias e 44 semanais (art. 7º, VI e XIII).

No entanto, a própria Constituição, já prevendo adversidades de mercado e grandes mudanças que ocorrem na relação entre capital e trabalho, estabelece que sejam garantidos os direitos citados acima, salvo condição diversa firmada por meio de acordo ou convenção coletiva de trabalho.

Assim, para a manutenção da empresa e dos vínculos de emprego gerados por sua atividade, nada obsta que, uma vez comprovada a situação de dificuldade, a empresa possa estabelecer junto ao sindicato de trabalhadores representativos da respectiva categoria profissional, um acordo que possa garantir, mediante o sacrifício da redução salarial ou de jornada de trabalho, a manutenção do emprego e da própria atividade empresarial.

Conforme argumentado acima, é totalmente plausível que haja essa redução salarial, que não visa comprometer a vida e integridade do trabalhador, mas sim, garantir estabilidade ao mesmo em tempos de crise. Portanto, a flexibilização não veio para retirar direitos, mas para garantir direitos num cenário de crise.

Houve ainda total respeito ao Princípio da Transparência, pois, as partes ficaram cientes do que o acordo tratava e como seria a aplicação do mesmo. Tal princípio, nas palavras de Luiz Marcelo Figueira de Góis (2015?) pode ser entendido como:

O dever de transparência engloba não somente prestações negativas – não obstar que a outra parte tome conhecimento das condições sociais, políticas e econômicas que motivam as posturas adotadas durante a negociação – mas também exige posturas ativas no sentido de facilitar acesso à informação de parte a parte.

Na situação da Pedro e dos demais trabalhadores, fora respeitado o principio da transparência, pois, fora de conhecimento geral que a contratação apresentaria mudanças devido a flexibilização necessária nessa época de crise no mercado.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição Federal (1988). In: Vade Mecum. Organização de Luiz Roberto Curia, Livia Céspedes et al. São Paulo: Saraiva, 2014.

_______. Consolidação das Leis de Trabalho. 1943. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em: 03 de mai. 2017.

_______. Tribunal Superior do Trabalho (TST). Súmula nº 291- Horas Extras. Disponível em: < http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_251_300.html#SUM-291>. Acesso em: 04 de mai. 2017.

BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins. Os princípios do Direito do Trabalho e os direitos fundamentais do trabalhador. [2010?]. Disponível em: < http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1773>. Acesso em: 04 de mai. 2017.

GODINHO, Maurício Delgado. Curso de Direito do Trabalho. 15ª ed. São Paulo: LTr, 2016, p. 202- 204, 1546.

GÓIS, Luiz Marcelo Figueira de. Princípios da Negociação Coletiva de Trabalho. [2015?]. Disponível em: < http://www.calvo.pro.br/media/file/colaboradores/luiz_marcelo_figueiras_gois/luiz_marcelo_principios_negociacao.pdf>. Acesso em: 06 de mai. 2017.

LESSA, Bruno. Flexibilização do Direito do Trabalho: avanço ou retrocesso?. Disponível em: < http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12742>. Acesso em: 05 de mai. 2017.

PANTALEÃO, Sérgio Ferreira. Em período de crise econômica o que fazer no acordo coletivo: redução, manter ou aumentar o salário?. Disponível em: <http://www.fenatracoop.com.br/site/em-periodo-de-crise-economica-o-que-fazer-no-acordo-coletivo-reducao-manter-ou-aumentar-o-salario/>. Acesso em: 07 de mai. 2017

 

[1] Case destinado à disciplina de Direito Coletivo do Trabalho, do curso de Direito, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco- UNDB.

[2]  Aluna do 8ª período de Direito, da UNDB.