Recordar, Repetir e Elaborar: O fenômeno da repetição na experiência cristã

Por José Lima de Jesus | 03/09/2019 | Psicologia

A pessoa precisa faz escolhas, e toda vez que toma decisões, sempre faz as mesmas escolhas em situações semelhantes, tem consciência da liberdade de decisão, apresenta razões que justificam suas ações, mas há uma razão que desconhece, é preciso descobrir quais representações estão por trás dos  afetos que leva a repetição. O que diz a psicanálise? Como podemos ver esse mecanismo na experiência do Apostolo Paulo? 

A pergunta é “Se sempre vai repetir, então é preciso errar, para interpretá-los e mudar o fluxo”? [1]  Pergunta semelhante a que fizeram ao Apóstolo Paulo

a lei veio para que a ofensa abundasse; mas, onde o pecado abundou, superabundou a graça”((Romanos 5.20) nessa lógica lhe perguntaram:  “E então? Vamos pecar porque nãoestamos debaixo da lei, mas debaixo da graça? De modo nenhum.Nós, que estamos mortos para o pecado, como viveremos ainda nele?” (Romanos 6.12).

O Apóstolo a principio achava que o conhecimento da lei na esfera cognitiva, era suficiente para que a pessoa tome suas decisões na esfera moral, até aqui nesse texto, não está levando em conta fatores psíquicos que estão ocultos, mas logo na seqüência,   percebe que sua teoria é insuficiente, há uma força, uma pulsão que foge dos domínios da razão, e as decisões em certos momentos pode sim, ser contraditórias,  ele reconhece embora em sua consciência soubesse e desejasse fazer o que achava certo, sentiu o conflito, “não cobiçaras” (Romanos 7.7), não diminui a potência da libido, pelo contrário, aumenta a quantidade da energia libidinal.

 Freud advertiu: 

“quanto mais se emprega uma, mais empobrece a outra. A mais elevada fase de desenvolvimento a que chega esta última aparece como estado de enamoramento; ele se nos apresenta como um abandono da própria personalidade em favor do investimento de objeto”. (FREUD [1914-1916], p.12).

 

Nesse conflito entre desejar fazer o que acha certo, e fazer o que sabe ser errado na sua consciência, Paulo mostra que o mandamento atua na dimensão da razão (Ego), mas nem sempre dá conta da demanda: “Não entendo o que faço. Pois não faço o que desejo, mas o que odeio” (Romanos 7.15) (Ele sentiu que quanto maior a energia psíquica gasta para manter a repressão “(...) mais severa será posteriormente a dominação do superego sobre o ego, sob a forma de consciência (conscience) ou, talvez, de um sentimento inconsciente de culpa”. (FREUD, S. 1923-1925, p.20).

Paulo entendeu que tinha que desinvestir a libido do objeto, “morrer para a lei” (Romanos 7.4), ou seja, redirecionar sua libido para Cristo, sublimar, assim, ao desinvestir da libido, tira a pressão, é preciso aceitar a ambivalência que habita em todos os seres humanos: “Assim que eu mesmo com o entendimento sirvo à lei de Deus, mas com a carne à lei do pecado”.  (Romanos 7.25).

Todo ser humano vive esse conflito entre o bem que pode fazer, e o mal que faz sabendo que não deveria fazer [2]. É possível tomar decisões achando que fez o certo, e depois perceber que aquela decisão tomada, é um padrão de repetição, somente a consciência sobre a causa poderá ajudar quebrar esse ciclo.   

O desconhecimento dos mecanismos inconscientes, não nos isenta da responsabilidade por nossas decisões, mas o conhecimento, nos da convicção de que ao fazer uma escolha, teríamos condições de feito outra diferente da que fizemos. Se optar por repetir padrões, devemos ter coragem par assumir os efeitos da decisão tomada, sem se culpar, sem culpar pelas decisões tomadas, isso nos torna a pessoa autônoma, protagonista da história.

Repetimos porque não elaboramos, não refletimos com isenção diante das decisões, que nos traz a representação na qual estamos fixados, a elaboração é a tomada de consciência, nos dá capacidade de assumir a responsabilidade por nossas decisões. A lei que proibia era a mesma que aumentava o desejo de transgredir, Paulo reconhece e diz: "E, se faço o que não desejo, admito que a lei é boa(Romanos 7.16), boa porque era um ideal, mas na experiência não resolvia, pelo contrário, aumentava o conflito entre o desejo e a realidade.

Quando confrontado em certas ocasiões não resistia, o saber (cognitivo) não dava conta do não saber (representação psíquica), o que será que Paulo mandou para os porões do inconsciente? Como saída, projetou em Cristo um ideal para que pudesse suportar a angustia do “objeto mau” internalizado por um superego exigente. Mas que desejo era esse? Ele não disse, pois o inconsciente é um “lugar árido” aonde o desejo não vai por espontaneidade, mas sim, por expulsão, produz angustia, sempre haverá um custo.

A angustia produzida pela culpa no Apóstolo Paulo era minimizada através projeção, usou a idealização, um mecanismo de defesa produto da cisão (divisão) do ego, para suportar a angustia da culpa: “Portanto, agora já não há condenação para os que estão em Cristo Jesus”. (Romanos 8.1). Essa foi a forma de suportar a angustia, através do desejo de se tornar semelhante ao seu mestre: “Tornem-se meus imitadores, como eu o sou de Cristo”.  (1 Corintios 11.1).

Notas

[1] Essa pergunta foi levantada numa conversa com um amigo, sobre o possível “fatalismo” na teoria da repetição.

[2] o “bem” e o “mal” nesse contexto têm a ver com o conceito da doutrina da hamartiologia (pecado), a moral cristã é regida por normas instituídas pela tradição. No texto o Apóstolo não diz o que ele fazia contra sua moral, era a repetição, de algo que estava para além da volição, da racionalidade.

 

Referencias Bibliográficas

FREUD, S. Introdução ao Narcisismo, Ensaios de Metapsicologia e Outros Textos (1914[1916]). In: Edição Cia das Letras. São Paulo – SP: Obras Completas Vol XII, 2014.

_________. Vol XIX. O ego e o ID e outros trabalhos. (1923[1925]). Edição standard brasileira das obras psicológicas completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

Bíblia Online Nova Versão Internacional (NVI). https://www.bibliaonline.com.br/nvi

Artigo completo: