Reconhecimento das Famílias Multiespécies: A guarda compartilhada de animais de estimação na dissolução do vínculo conjugal[1]

 

Carlos Eduardo Silva Rodrigues2

Mylane Azevedo Mouzinho2

Anna Valéria de Miranda Araújo 3

                                                                           

Sumário: 1 Introdução; 2 O Conceito de Famílias Multiespecieis; 3 A Guarda Compartilhada em Território Pátrio; 4 Guarda Compartilha de Animais de Estimação; 4.1 A Legislação Portuguesa como parâmetro para ensejar  a criação de dispositivos legais em Território Pátrio; 5 Conclusão; Referências

 

 

RESUMO

                                                                                       

O presente artigo trata sobre os reflexos das dissoluções das famílias multiespécies, mais precisamente acerca da guarda compartilhada de animais, levando em consideração princípios constitucionais e, portanto, inerentes ao ordenamento jurídico pátrio. Desta forma, discorre-se sobre o tema a partir da premissa que considera os animais seres merecedores de amparo não só estatal, como também por intermédio da sociedade civil. Assim, é desenvolvida a delimitação a partir de objetivos que contemplam a investigação do surgimento das famílias multiespécies, atendendo às novas mudanças sociais que surgiram, bem como a análise da guarda compartilhada de animais, e a utilização do direito português como parâmetro para atestar a ausência de legislações brasileiras neste sentido. Por derradeiro, a legislação portuguesa passa a servir de escopo para o incentivo de uma atuação maior do Poder Legislativo brasileiro na criação de dispositivos legais que protejam os animais, não os tratando somente como coisa, mas como seres que merecem amparo do Estado.

 

Palavras-chave: Animais. Dissolução do vínculo conjugal. Famílias Multiespécies. Guarda Compartilhada.       

 

1 INTRODUÇÃO

 

O conceito de família, atualmente, não é mais o mesmo do período anterior a Constituição Federal de 1988, vez que devido as constantes mudanças sociais, outros modelos familiares surgiram, dentre elas a multiespécie. Esta, que se caracteriza pela consideração dos pets como membros do seio familiar, trouxe consigo uma importante questão a ser debatidas no ordenamento jurídico, qual seja, a guarda compartilhada de animais. Este é tema que merece o devido estudo e aprofundamento pelo grande protagonismo atribuído a tais seres, de modo que cada vez mais, cotidianamente, um número elevado de famílias adotam pets, e os tratam como verdadeiros entes familiares, não os considerando somente objetos ou coisas, mas sujeitos que merecem proteção jurídica.

Por isto a produção deste presente trabalho ocorrerá de uma proposta que visa explanar as famílias multiespécies, analisando o seu surgimento e as questões que desabrocharam juntamente com esse novo modelo familiar, qual seja a guarda compartilhada de animais, além de verificar decisões judiciais sobre o assunto, vez que não há uma legislação que regulamente tal situação. Para tanto, se pretende compreender o trabalho a partir da problemática no que tange ao modo que demandas com este objeto vêm sendo resolvidas pelo judiciário.

Tal questionamento será respondido no decorrer do trabalho que objetiva compreender as famílias multiespécieis, bem como o instituto da guarda compartilhada no direito brasileiro e o seu uso para resolução de lides que envolvam a disputa pela guarda de animais frente à ausência de leis sobre tal situação. Ao longo do trabalho verificar-se-á que os magistrados estão fazendo uso de elementos referentes à lei de divórcios para aplicá-los em casos que disputam a guarda de animais nos divórcios e dissolução de vínculo conjugal.

Para tanto, o paper será apresentado através dos seus objetivos específicos, onde o primeiro oferece o entendimento a cerca do conceito de Famílias Multiespécieis, demonstrando o seu surgimento, decorrente principalmente da modificação acerca do conceito de família. Em seguida analisaremos o instituto da Guarda Compartilhada em Território Pátrio, uma vez que este vem sendo utilizado em analogia para a solução dessas problemáticas. Analisaremos ainda a guarda compartilha de animais de estimação, verificando casos ocorridos no país e as decisões dos magistrados. Por fim, como subtópico deste último, faremos uma abordagem sobre a legislação portuguesa como parâmetro para ensejar a criação de dispositivos legais em território pátrio, frente a ausência de leis para que regulem a guarda compartilhada de animais.

Além do exposto, por se tratar de um paper, trabalhou-se com uma metodologia de caráter exploratório, que visou à tentativa de diminuir as dificuldades encontradas no tema das famílias multiespécies na dissolução do vínculo conjugal, fazendo-se uso de diversas variáveis de fontes para a pesquisa, como doutrinas, jurisprudências, artigos e periódicos, já que se tratou de uma pesquisa de caráter bibliográfica. Para mais a técnica da pesquisa utilizada, é a documental, pois houve a coleta dos dados, baseando-se nas pesquisas realizadas.  

 

2 O CONCEITO DE FAMÍLIAS MULTIESPÉCIEIS

 

A sociedade é alterada constantemente, surgem novos pensamentos, novas ideologias, o que leva a modificações do ordenamento jurídico pátrio, não só no que se refere às legislações infraconstitucionais, mas também a Carta Magna, a qual, compartilhando do ensinamento Lassaniano (FERNANDES, 2016), deve se adequar aos fatores reais de poder. Essa evolução social acarretou compreensões diferentes da que se possuía em 1988, principalmente no que tange a família, uma vez que novas configurações deste instituto surgiram, descartando a ideia de que só mãe, pai e filhos constituem uma entidade familiar.

A luta pelo reconhecimento de direitos dos grupos mais vulneráveis (SÉGUIN, 2017), possibilitou a formação de novos modelos familiares, alterando o conceito de família, rompendo com uma definição há muito engessada. Deste modo, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 226, passou a compreender também como entidade familiar “a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”, identificando, assim, outro modelo familiar, fora do padrão estabelecido anteriormente.

Essa previsão constitucional, no entanto, só identifica à família monoparental, aquela formada somente pelo pai ou pela mãe. Todavia, é sabido que esse rol não é taxativo, havendo, atualmente, outras manifestações familiares, como as homoafetivas, as pluriparentais, que são aquelas decorrentes de várias uniões estáveis, casamentos ou relacionamentos afetivos, e as anaparentais, constituídas sem a presença de pais (TARTUCE, 2016).  Além disso, caminhamos para o reconhecimento de outro tipo familiar que envolve espécies distintas, é a chamada família multiespécie.

Devido às mudanças comportamentais ocorridas no século XX, o casamento e a maternidade, que até então eram visto como obrigatório, passaram a ser facultado aos indivíduos, podendo cada um escolher por ter ou não filhos, ou mesmo por se casar (VIEIRA, 2015). Em razão disso, houve uma diminuição do tamanho familiar e, muitos casais ou pessoas solteiras optam por não ter filhos ou constituir o típico padrão familiar, substituindo o vazio do lar pela adoção de animais domésticos. Este fato trouxe aos pets uma nova a função, a de confortar e acompanhar os indivíduos, sendo tratado não mais como de estimação, mas sim como filho, se tornando integrante da família a qual faz parte (VIEIRA, 2015). 

No entanto há certas ponderações a serem realizadas a cerca dessa configuração familiar, pois nem todas as famílias que possuem animais domésticos podem ser consideradas  multiespécies, há cinco características, segundo Maria Helena Lima (2015) que devem ser observadas. A primeira é o reconhecimento familiar, que pode ser observado através do tratamento, dos apelidos como “meu bebê” ou “meu filho” referindo-se aos animais com certo grau de parentesco; a segunda diz respeito à consideração moral, representada pela preocupação com o bicho, onde o dono faz sacrifícios em prol do mesmo, obtém gastos de tempo e dinheiro quando adoecem, por exemplo.

Outra característica a ser vista é o apego ao animal, na qual é possível observar um afeto, uma interação constante com os mesmos. Além disso, temos uma convivência familiar, onde o animal pode vir a interferir no planejamento familiar, já que o tutor terá que adequar horários para alimentação, passeios ou mesmo medicação, e a sua inclusão a rituais onde ele participará de atividades realizadas pela família toda, como festas, viagens, fotos, etc. (LIMA, 2015).

Do exposto notamos que nem todos que possuem animais de estimação podem ter uma família multiespécie, ao passo que faz necessário a presença de características que levam a configurar essa relação. Em razão desse afeto e amor pelos pets é que o judiciário vem lidando com casos de divórcio/ dissolução de vínculo conjugal que envolve a guarda compartilhada de animais, aplicando a estes regras atinentes direitos de família, frente à ausência legislativa sobre a problemática.

 

3 A GUARDA COMPARTILHADA EM TERRITÓRIO PÁTRIO

 

Uma das questões a serem resolvidas no processo de divórcio é a disputa pela guarda dos filhos, estes acabam por ser envolvidos na lide e, o juiz ao decidir sobre a questão, deve analisar os fatos e sentenciar de maneira a melhor atender o interesse dos filhos, por isto, estabelece-se a guarda compartilhada onde “não há exclusividade em seu exercício. Tanto o pai quanto a mãe detêm-na e são corresponsáveis pela condução da vida dos filhos” (STOLZE, 2016, p. 1279).

Carlos Roberto Gonçalves (2013, p. 295) introduz a guarda compartilhada expondo o afirmado pelo artigo 1.583, parágrafo 1º, do Código Civil, com a redação dada pela Lei nº 11.698/2008, onde esta se caracteriza pela “a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns”.

Por consequência, as Varas de Família passaram a possuir um novo paradigma baseado na colaboração dos pais que estão se separando ou divorciando, sendo este visualizado, pois, “na busca do comprometimento de ambos os pais no cuidado aos filhos havidos em comum, para encontrar, juntos, uma solução boa para ambos e, consequentemente, para seus filhos” (GONÇALVES, 2013, p. 296).

Para Flávio Tartuce (2015, p. 240-241), o tema da guarda compartilhada é iniciado pela Lei 6.515/1977, que versava sobre a influência da culpa no que se refere à fixação da guarda. O art. 9 da referida legislação prescreve que “no caso de dissolução da sociedade conjugal pela separação judicial consensual, observar-se-á o que os cônjuges acordarem sobre a guarda dos filhos”. Ainda, o art. 10 da mesma aduz que os filhos menores ficaram como cônjuge que não deu causa a separação judicial.

Logo, fica evidente que a guarda compartilhada, desde os primeiros dispositivos legais, é matéria que necessita de diálogo entre as duas pessoas envolvidas na criação da prole. Tal diálogo, pois, serve de subsídio necessário para que se chegue a um consenso no que se refere ao processo de criação, o qual perdura independentemente do vínculo conjugal ter se findado.

Por outro lado, o Código Civil de 2002, em seu inteiro teor, “mudou o sistema anterior de guarda, uma vez que a culpa não mais influencia a determinação do cônjuge que a deterá, ao contrário do que constava do art. 10 da Lei do Divórcio” (TARTUCE, 2015, p. 242).

Levando em consideração tal aspecto, ao interpretar os artigos 1.583 e 1.584 do CC/2002, nas Jornadas de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal e do Superior Tribunal de Justiça, prega o Enunciado n. 102 do CJF/STJ, que “a expressão ‘melhores condições’ no exercício da guarda, na hipótese do art. 1584, significa atender ao melhor interessa da criança” (TARTUCE, 2015, p. 242). Assim, as melhores condições que possam ser fornecidas para a prole devem ser um mecanismo para que o magistrado regule a aplicação do Direito nos casos concretos que envolvam a guarda compartilhada.

 

4 A GUARDA COMPARTILHA DE ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO

 

Como elencado, os animais vem ganhando cada vez mais espaço e importância dentro dos lares, e consequentemente no nosso âmbito jurídico. Tal fato é observado em lides que se tornaram comuns no judiciário, referentes a disputas por guardas de animais de estimação em casos de divórcio ou dissolução da união estável. Em uma pesquisa realizada em 2016 constatou-se o crescimento do número de divórcios no Brasil, foram “344.526 divórcios em 1ª instância ou por escrituras extrajudiciais, um aumento de 4,7% em relação a 2015, quando foram registrados 328.960 divórcios” (CAMPOS,2016).

De certo, é sabido que em muitos desses casos há o envolvimento de menores, que, na ausência de um acordo entre os ex-cônjuges, leva a disputas pela guarda dos incapazes. Contudo, diante das modificações profundas ocorridas na composição familiar, essas batalhas deixaram de ser somente sobre crianças, passando o judiciário a ter que enfrentar processos que requereriam a guarda compartilhada dos animais domésticos.

O caso mais emblemático ocorreu em Jacareí- SP, no qual o juiz concedeu, provisoriamente, a guarda compartilhada de um cão, alegando que o mesmo não poderia ser vendido e ter o valor partilhado entre cônjuges, uma vez que ele não é “coisa” (BRASIL, 2016). O magistrado afirmou ainda que neste caso cabe analogia de humano incapaz, além de ter citado estudos científicos sobre o comportamento e sentimento dos animais, revelando que os mesmo não podem ser vendidos, para posteriormente partilhar o valor (BRASIL,2016). Essa decisão revela uma modificação no pensamento a cerca da tratativa dos pets no meio jurídico, uma vez que estes são tratados como coisa no ordenamento.

Outra situação no mesmo sentido aconteceu no Rio de Janeiro, onde um casal após quinze de união, ajuizaram ação de dissolução de união estável com partilha de bens, sendo decidido, em primeira instância (TJRJ, 22ª C. Cível, AC 0019757-79.2013.8.19.0208) a procedência para a dissolução, determinando ainda que a cadela do casal ficasse com a mulher (CHAVES, 2016). O ex- companheiro apelou a decisão referente somente à guarda da cadela, alegando que o mesmo era dono e único responsável pelos seus cuidados. O Julgador ao analisar o caso decidiu de modo atender as necessidades da cadela, sentenciando a guarda alternada da Dully (CHAVES, 2016).

Do exposto observa-se, que ambos os casos demonstrados aqui, basearam-se no instituto da guarda compartilhada de crianças, posto que como revelado acima, o STJ, bem como o enunciado das Jornadas de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, já se manifestaram que nos casos de divórcio, a decisão da guarda deve ser no sentido de decidir melhor atender o interesse da criança (TARTUCE, 2015). Argumento este utilizado tanto pelo juiz no caso Dully, como a decisão tida em Jacareí SP, os quais afastaram a condição de coisa do pets e sentenciaram de maneira a proporcionar o melhor aos animais.

Nota-se que nas duas situações aplicou-se instituto da guarda compartilhada de crianças a animais, porém nem todos os juízes utilizam-se da analogia em casos deste cunho, veja-se jurisprudência:

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. GUARDA-COMPARTILHADA. INSTITUTO DO DIREITO DE FAMÍLIA. APLICAÇÃO AOS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO. DISCÓRDIA ACERCA DA POSSE DOS BICHOS. AUSENCIA DE PLAUSIBILIDADE DO DIREITO. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. A tutela de urgência está disciplinada nos artigos 300 e seguintes do Código de Processo Civil, cujos pilares são a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. 2. Inexiste plausibilidade jurídica no pedido de aplicação do instituto de família, mais especificamente a guarda compartilhada, aos animais de estimação, quando os consortes não têm consenso a quem caberá a posse dos bichos. Tratando-se de semoventes, são tratados como coisas pelo Código Civil e como tal devem ser compartilhados, caso reste configurado que foram adquiridos com esforço comum e no curso do casamento ou da entidade familiar (artigo 1.725, CC). 3. In casu, ausente o prévio reconhecimento da união estável, deve-se aguardar a devida instrução e formação do conjunto probatório, para se decidir sobre os bens a partilhar. Ademais, é vedado ao magistrado proferir decisão de natureza diversa da pedida, em observância ao princípio da adstrição ou congruência, nos termos do artigo 492 do Código de Processo Civil. 4. AGRAVO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJ-DF 20160020474570 0050135-88.2016.8.07.0000, Relator: LUÍS GUSTAVO B. DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 04/05/2017, 8ª TURMA CÍVEL, Data de Publicação: Publicado no DJE : 12/05/2017 . Pág.: 491/501) [grifo nosso] (BRASIL, 2017).

 

Assim, frente à ausência de legislação específica sobre o assunto, os magistrados enfrentam uma situação desafiadora, não sabendo se deve ou não aplicar a analogia ao previsto na lei de divórcios e Código Civil, mas que em obediência ao princípio do non liquet, os mesmos não pode se eximir de julgar por obscuridade da lei (CHAVES, 2016). Dito isso, seria de grande utilidade uma legislação específica sobre o assunto, de modo que impediria decisões diversas entre os magistrados, bem atenderia uma demanda que vem se tornando crescente no país.

 

4.1 A Legislação Portuguesa como parâmetro para ensejar a criação de dispositivos legais em Território Pátrio

 

No que se refere à criação de leis específicas que regulamentem a problemática em questão, é mister salientar que o Poder Legislativo acaba por realizar um papel fundamental, que serve de auxílio para casais que se desvinculam e tinham em comum a criação de um animal. Ou seja, decisões, como por exemplo a escolha de um indivíduo ou não para tutelar o interesse do animal ou o privilégio das duas pessoas, através de acordo prévio, procederem a tal criação.

Concomitantemente, a análise da problemática atinente aos animais em um âmbito internacional pode ser utilizado para constatar que não há experiência legislativa do Brasil nessa questão. Neste diapasão, usa-se Portugal como parâmetro, que utiliza o civil law, estabelecendo critérios mais definidos para o tratamento de animais, com a existência bem delineada de dispositivos legais com tal temática.

Segundo Reis (2017, online), Portugal estabeleceu o Estatuto dos Animais, instituído através da Lei Nº 8/2017. A partir desta, há alteração de leis de cunho ambiental e do Código Civil e do Código de Processo Civil Portugueses. 

Corrobora, assim, que:

 

“Pelo novo entendimento, não perdem os animais, a condição de objeto de direito, ou seja, permanecem sendo juridicamente coisas, que poderão pertencer a alguém ou, no mínimo, estarão tutelados pelo Estado. Todavia, passam a uma situação ambígua onde também serão sujeitos de direito. Mais que meramente semoventes, passam a ser chamados seres senscientes. Seres com capacidade para sentirem de forma consciente”. (REIS, 2017, online).

 

Todavia, no Brasil, é visualizada a proteção de animais muito mais sob o víeis econômico, ou como aqueles sendo meros integradores do meio ambiente, o que acaba por atingir diretamente a guarda compartilhada de animais, já que esta deve partir de um pressuposto muito mais acolhedor do que o atual. Assim, o Código de Processo Civil e o Código Civil brasileiro devem estar de acordo com as novas necessidades das famílias que vivem no território de sua vigência, suprindo qualquer tipo de omissão.  

Ainda, fala-se do Projeto de Lei nº 1.058 de 2011, que visava regular a guarda dos animais de estimação nos casos de separação judicial ou de divórcio litigioso. Pelo teor do referido Projeto, a decisão sobre a guarda do animal competiria ao juiz, que favoreceria o cônjuge que se apresentasse como proprietário legítimo do animal (BRASIL, 2011). No caso deste não existir, o magistrado iria determinar a guarda compartilhada.

Reitera-se que o PL foi arquivado, não por ter sido negado pelos membros da Câmara dos Deputados, mas sim em decorrência do final da legislatura, onde segundo o art. 105 do regimento interno da Câmara dos deputados: “Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles” (BRASIL, 1989. Online). Restando um vácuo legislativo em tal matéria, já que não se verificou a existência de novos projetos de leis nesse sentido, muito menos a existência de dispositivos legais propriamente ditos.

 

5 CONCLUSÃO

 

O estudo das famílias multiespécies mostrou-se algo ainda recente, vez que o seu surgimento se deu devido à evolução social e a modificação do pensamento acerca do casamento e da obrigatoriedade de gerar filhos, possibilitando a aqueles que consideram os pets como verdadeiros membros familiares possam ser reconhecidos como família. Porém, como observado no decorrer do trabalho, nem todos os possuidores de animais são considerados como família multiespécie, pois há certas características que devem ser observadas, são elas o reconhecimento familiar, a consideração moral, o apego, a convivência familiar a sua inclusão aos rituais de família.

Apesar da existência de elementos capazes de identificar esse modelo familiar, notou-se que esta ainda não é reconhecida no país, fato observado na maneira que se dá a tratativa dos animais pelo Código Civil, os quais são considerados como coisa. Essa coisificação dos pets os coloca como seres sem sentimento, que não demonstram comportamentos condizentes com afeto ou amor, fato que não é verdadeiro, ao passo que os animais são sim seres sensíveis.

Mesmo diante desta classificação, é perceptível esse tratamento de coisa conferido aos animais já está sendo modificado no Brasil, situação notória nos casos aqui expostos, nos quais os juízes decidiram de modo a proporcionar o melhor para os pets, inclusive, considerando seus sentimentos. Nas ações de dissolução de vínculo conjugais interpostas tanto em Jacareí- SP como no Rio de Janeiro, tiveram decisões baseadas na guarda compartilha de crianças do Código civil, já que não há legislação específica sobre o assunto, sentenciando de maneira a proporcionar o melhor aos animais.

Isto demonstra que o ordenamento jurídico brasileiro não esta acompanhando a evolução social, e as demandas que estão chegando ao conhecimento do judiciário envolvendo animais estão sendo resolvidas de maneira arbitrária, sentenciando-se por meio de analogia ao previsto na lei de divórcio e o Código Civil e, por vezes, nem isso, pois como observado em jurisprudência do Distrito Federal, o magistrado entendeu se tratar de coisa, como bem explicita o Código Civil, sendo semovente sujeito a alienação e partilha e não se valendo de um instituto do direito civil para a resolução de lides envolvendo guarda de animais.

Dito isso seria de grande auxilio ao judiciário a presença de leis que versassem sobre aspectos atinentes as famílias multiespécies, não só no que se referem as guarda compartilhada de animais, mas também a outras questões que acompanham a nova realidade social. O Projeto de Lei nº 1.058 de 2011 seria o ideal para lidar com situações deste cunho para por fim as sentenças divergentes, além de oferecer uma segurança jurídica a aquelas pessoas que compõe esse modelo familiar. Saliente-se que este último foi arquivado em virtude de ter perpassado o período da legislatura, e não em decorrência de uma decisão tomada pelo legislativo.

Assim o presente artigo buscou demonstrar as famílias multiespécies, bem como a problemática da guarda compartilha dos animais que a compõe. Por ser um tema recente, ainda não há amparo legislativo e quando houve a oportunidade de se votar em uma lei que a regulamentasse, por conta do final da legislatura, o seu arquivamento foi inevitável. Por enquanto as decisões judicias sobre estes casos ainda ficam nas mãos dos magistrados, que em seguimento ao princípio do non liquet, podem aplicar ou não a guarda compartilhada de animais em analogia a de crianças.

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Constituição Federal (1988). In: Vade Mecum Saraiva. 23. Ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

 

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CAMPOS, Ana Cristina. O Brasil registra queda no número de casamento e aumento de divórcios em 2016. Disponível em Acesso em 19 Mar 2018

 

CHAVES, Marianna. Disputa de guarda de animais de companhia em sede de divórcio e dissolução de União Estável: Reconhecimento Da Família Multiespécie?. Direito UNIFACS–Debate Virtual, n. 187, 2016.

 

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional- 8. ed.rev.ampl. e atual- Salvador: JusPODVIM,2016

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 6: direito de família. 10. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2013.

LIMA, Maria Helena Costa Carvalho de Araújo, 2015. Considerações sobre a família multiespécie. Disponível em Acesso em 16 Mar 2018

 

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SÉGUIN, Élida; DE ARAÚJO, Luciane Martins; NETO, Miguel dos Reis Cordeiro. 4. Uma nova família: a multiespécie. Revista de Direito, v. 2017, p. 01-30, 2017.

 

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. 6. ed. rev., atual. e ampl- Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016

TARTUCE, Flávio. Direito civil, v. 5: direito de família. 10 ed. rev. Atual e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015.

VIEIRA, Waléria Martins. A família multiespécie no Brasil: uma nova configuração familiar. Disponível em: Acesso em 16 Mar 2018

 

[1] Paper apresentado à disciplina Direito de Família, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB.

2 Alunos do 6º período A vespertino do Curso de Direito, da UNDB.

3 Professor, Mestre, Orientador.