RECEPÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS GERAIS E DE DIREITOS HUMANOS

 

Arnaldo Alegria[1]

 

Este trabalho foi realizado por meio de leitura doutrinaria e legislativa, buscando o entendimento formal e teórico das regras e exceções da recepção dos tratados internacionais que integram o ordenamento jurídico pátrio com a mesma eficácia e aplicabilidade hierárquica das leis infraconstitucionais. A pesquisa examina as diferenças quando os tratados discorrem de matéria diversa de Direitos humanos e analisa principalmente a mudança do “status” hierárquico dos tratados posteriores a reforma do judiciário em 2004. Através do estudo metódico, emergiu o esclarecimento justificado do sentido de competência privativa do Presidente da República e a competência exclusiva do Congresso Nacional, lançando por terra o entendimento ambíguo e duvidoso de que seriam sinônimos os termos “competência privativa” e “competência exclusiva” para tratar do assunto em questão.

Palavras chave: Tratado internacional. Competência Privativa. Competência Exclusiva. Direito Internacional. Direitos Humanos.

 

1 INTRODUÇÃO

Os Tratados Internacionais são acordos celebrados entre Estados e regidos pelo direito internacional. A pesquisa visa alcançar o entendimento das diferenças entre os tratados internacionais de temas gerais e os tratados internacionais com matéria de Direitos Humanos, especificando ainda, as divergências entre este último, que embora trate sobre a mesma matéria, pontue discrepâncias entre os tratados firmados anteriormente e posteriormente a emenda constitucional 45 de 2004.

Outro ponto elementar sobre os tratados Internacionais é destacado pelo ajuste dos termos “competência privativa”, que é própria do Presidente da República, e a “competência exclusiva” do Congresso Nacional em resolver atos internacionais prejudiciais ao Estado Brasileiro.

Este marco elementar leva a compreensão de que o ato internacional celebrado pelo Presidente da República precede de uma decisão interna do Parlamento, isto é, o chefe do Executivo para ratificar sua assinatura perante a ordem internacional, comprometendo o Estado em cumprir um pacto firmado, necessitará do aval do Congresso, com isto, fica demonstrado à diferença de competências entre o Poder Executivo e o Legislativo.

 

2 TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS GERAIS

 

A República Federativa do Brasil é um Estado instituído como pessoa jurídica de direito público internacional, sua soberania é reconhecida por vários outros Estados que, como ele, são sujeitos de direitos e obrigações, obviamente, os tratados e convenções internacionais produzem efeitos convergentes de suas vontades e ao serem formalmente textualizados e solenemente firmados, geram direitos e obrigações internacionais.

O Estado Brasileiro regulamenta constitucionalmente a convivência social em seu território e a sociedade internacional também cria regramento. “Muitas vezes, ocorrem conflitos entre normas, notadamente com relação à norma interna e à norma internacional”, no entanto, para solucionar esse dilema existem duas correntes doutrinárias: o monismo e o dualismo jurídico. (DI LORENZO, 2010, p. 29)

Em conformidade com a teoria Monista adotada pelo Brasil, o ordenamento jurídico é um sistema único, portanto, o direito internacional e o direito nacional integram esse sistema. “O trâmite de integração da norma internacional no conjunto normativo pátrio está sintetizado em quatro fases perceptíveis no direito interno”, sendo a primeira fase de negociação, conclusão e assinatura do Presidente, conhecida por Celebração do Tratado Internacional, a segunda, quando por intermédio de decreto legislativo o Congresso Nacional resolve definitivamente sobre o Tratado, onde tal fase, é conhecida por “aprovação”, a penúltima fase é a troca dos instrumentos de ratificação ou adesão, caso o Presidente não tenha celebrado, e por fim, a promulgação por decreto presidencial onde o ato internacional ratificado adquire executoriedade no plano do direito positivo interno, em uma relação de igualdade com as leis ordinárias. (LENZA, 2011, p. 269).

A primeira fase é de competência privativa do Presidente da Republica, cujo sinônimo, trata de alçada particular, própria e peculiar do chefe do executivo e está descrita no texto do artigo 84, inciso VIII da Constituição Nacional. Não se confunde com a interpretação da legitimidade disposta no artigo 49 inciso I, pois, a segunda fase, sujeita o tratado internacional celebrado, ao referendo do Congresso Nacional, onde este, possui competência exclusiva, sinônimo de ato ou efeito de excluir, resolver definitivamente sobre tratados, dissolvendo acordos ou decompondo atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional. (FERNANDES, 1995).

Elucidando melhor o parágrafo anterior, primeiro ocorre a celebração do tratado, convenção ou ato internacional pelo Chefe do Executivo, posteriormente, o Parlamento decidi internamente sobre a sua viabilidade, conveniência e oportunidade. “Concordando o Congresso Nacional com a celebração do ato internacional, elabora-se o decreto legislativo, que é instrumento adequado para referendar a decisão do Chefe do Executivo, dando-se a este ‘carta branca’ para ratificar a assinatura” assentada na celebração, ou aderir caso ainda não tenha subscrito.

Após a tramitação das fases, mediante decreto do executivo, o texto do tratado é promulgado e publicado em português, em órgão da imprensa oficial, dando ciência e publicidade da ratificação da assinatura, vinculando e obrigando seu cumprimento no plano do direito positivo interno, “com caráter de norma infraconstitucional e paritária ás leis ordinárias, podendo assim, por conseguinte, ser revogado por norma posterior ou questionado sua constitucionalidade perante os tribunais de forma difusa ou concentrada”. (LENZA, 2011, p 552).

Uma vez integrados, representam uma fonte de direito e garantias, mesmo que estes estejam reprisados no artigo 5º constitucional, pois, no parágrafo 2º, ao tratar implicitamente desses Direitos e garantias fundamentais, não foram excluídos os direitos previstos nos tratados internacionais na qual o Brasil seja parte. (BRASIL, 2009).

Os membros da Assembleia Constituinte de 1988 arrolaram “o maior número de direitos e garantias jamais arrolados em qual quer outra Constituição do país”, no entanto, para não serem descuidados, deixaram a cargo dos princípios internacionais a inclusão de algum direito e garantia por eles esquecido, contando que estes, supostamente estivessem presentes nos tratados internacionais incorporados, mas, não quer isso dizer que os tratados “deveriam fazer parte do elenco dos direitos individuais e coletivos, mas sim os seus princípios”. (CUNHA FERRAZ, 2011, p 54)

No estágio atual do direito brasileiro, consoante a jurisprudência e a melhor doutrina adotada para solucionar possíveis conflitos de normas, o tratado internacional geral é incorporado “ao direito interno em nível de igualdade com a legislação ordinária”, portanto, não há de se falar em hierarquia entre ambos, pois, sujeitam-se à regra de que a norma posterior prevalece sobre a anterior. “A derrogação do tratado pela lei não exclui eventual responsabilidade internacional do Estado, se este não se valer do meio institucional próprio de extinção de um tratado, que é a denúncia.” (BARROSO, 2010, p 34).

Em virtude do Direito internacional, um Estado não poderá deixar de cumprir suas obrigações contratadas, usando sua constituição para eximir-se da responsabilidade assumida, pois estaria contrariando o princípio da boa fé no comprimento das obrigações internacionais.

 

2.1 TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS SOBRE DIREITOS HUMANOS, ANTERIORES E POSTERIORES A EMENDA CONSTITUCIONAL 45 DE 2004.

 

A proteção Internacional dos Direitos Humanos sofreu uma evolução na intensificação legislativa internacional, oferecendo maior proteção aos indivíduos que passaram a ter personalidade internacional. Esta questão assume grande relevância com a Carta das Nações Unidas em 1945, posteriormente, é instaurada a Comissão de Direitos Humanos em 1948 e é elaborada a Declaração Universal dos Direitos Humanos. (DI LORENZO, 2010, p. 117 e 118).

O Brasil fez parte dessa evolução legislativa ao retomar a discussão sobre a inserção dos tratados internacionais envolvendo os direitos humanos, inclusive, a Emenda Constitucional nº 45 de 08 de dezembro de 2004 trouxe inovações importantes ao acrescer o § 3º ao artigo 5º equiparando “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. (BRASIL, 2009).

O escopo da inovação foi acabar com a controvérsia do alcance do § 2º do artigo 5º, especificando a superioridade dos Direitos Humanos nos tratados internacionais, vencendo as dificuldades teóricas apontadas pelos doutrinadores e pela jurisprudência. A abrangência do § 3º atribui força de emenda constitucional e eficácia qualificada apenas o tratado cuja matéria esteja relacionada a direitos humanos, sendo assim, a partir de 2004, todos os tratados dessa matéria específica prevalecerá ao conflitar com lei interna, independentemente do critério cronológico. Servirão de parâmetro para controle de constitucionalidade das leis o dos atos normativos, aplicando o chamado “bloco de constitucionalidade” e não poderão ser objeto de denúncia do Presidente da República por força do artigo 60,§ 4º da Constituição Federal. (BARROSO, 2010, p 37).

Nossos parlamentares ao elaborarem a emenda Constitucional 45, mesmo tendo poderes discricionários para atribuir a mesma forçam a todos os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos aprovados anteriormente, foram omissos, deixando-as, com natureza supralegal.

Controvérsia Interessante, envolvendo a teoria da recepção, seria a de indagar o que ocorrerá com os tratados e convenções sobre direitos humanos que tenha sido ratificado pelo Brasil antes de 08 de dezembro de 2004. “Cremos que tais tratados e convenções preexistentes, ainda que não tenha seguido o rito diferenciado para sua conversão em decreto legislativo, restam recepcionados e gozam desde a promulgação da Emenda 45/2004 do ‘status’ de emendas constitucionais”. Isto porque não se admitirá inconstitucionalidade formal superveniente, o que, por si só, justificaria sua recepção desta forma, desde que seu conteúdo material seja referente a Direitos Humanos. (SYLVIO MOTTA, 2009, p 155).

Assim, entendemos que o Congresso Nacional, querendo atribuir natureza constitucional, deverá confirmar todos os tratados sobre direitos humanos pelo quorum qualificado das emendas e, somente se observada essa formalidade, e desde que respeitados os limites do poder de reforma das emendas, é que se poderá falar em tratado internacional de natureza constitucional, ampliando os direitos e garantias individuais do artigo 5º da Constituição. (LENZA, 2011, p. 555).

 

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A reflexão sugerida, dentre outras, é a observação de que o maior improviso do Direito Internacional Público no século XXI, está impregnado no Poder Soberano dos Estados e o Poder normativo de que os tratados internacionais possuem, pois estes poderes necessitam estar direcionado em um único caminho, para não haver choques de interesses internos e internacionais.

Caso ocorra conflito de legislação infraconstitucional de tratado internacional geral ou tratado Internacional sobre direitos humanos anteriores a emenda Constitucional nº 45 de 2004 será visto com paridade de lei ordinária, portanto irá prevalecer o texto mais recente “Lex posterior derogati priori”, decisão pacificada pelo Supremo Tribunal Federal, no entanto, os Tratados e Convenções internacionais sobre Direitos Humanos aprovados pelo Congresso Nacional a luz do § 3º do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, será superior hierarquicamente à lei ordinária (legislação infraconstitucional) e num parâmetro de confronto, é perfeitamente possível que uma lei seja declarada inconstitucional por ferir um tratado internacional sobre direitos humanos incorporado após 2004.

A conclusão chegada é que o Estado Brasileiro não acompanha os assuntos referentes aos direitos Humanos reconhecidos internacionalmente por omissão parlamentar, que já deveriam ter atribuído a todos os tratados internacionais sobre direitos humanos a força da emenda constitucional.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BARROSO, Luis Roberto; Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 7 ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009.

 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, Texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais n.ºs 1/92 a 57/20086 e pelas Emendas Constitucionais de Revisão n.ºs 1 a 6/94 – 31 ED - Brasília: Câmara dos deputados, Edições Câmara,2009.

 

CUNHA FERRAZ, José Francisco filho; et al; Constituição Federal Interpretada, art. 1º ao 5º, coord. Ana Cândida da Cunha Ferraz, org. Antonio Claudio da Costa Machado. 2 ed. Barueri, SP: Manole, 2011.

 

DI LORENZO, Carlos Alberto. Direito Internacional Público e Privado. 2 ed. São Paulo: Rideel, 2010.

 

FERNANDES, Francisco; LUFT, Celso Pedro; GUIMARÃES F. Marques. Dicionário Brasileiro Globo. 41 ed. São Paulo: Globo, 1995.

 

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 201l.

 

SYLVIO MOTTA, Clemente filho; GUSTAVO BARCHET, Felkl. Curso de Direito Constitucional. 2 ed. Rio de Janeiro: Elsivier, 2009.



[1] Aluno Universitário – Curso de Bacharelado em Direito

Faculdade Estácio de Sá – Ourinhos – FAESO

Orientador: Professor Hilário Vetore Neto.

[email protected]