REAL OU VIRTUAL: O PROTAGONISMO É SEU.

       Esta semana, durante uns raros momentos de folga li um texto muito interessante que contava, de forma lúdica, um diálogo entre uma criança de rua e um grande executivo que, apressado, como sempre, entrara em um restaurante para uma ligeira refeição antes do seu próximo voo, em viagens de negócio. Mal ele acomodou-se e fez o seu pedido, foi surpreendido por uma tênue voz que lhe perguntava: O senhor tem umas moedinhas?. De pronto, ele respondeu que não tinha. Só uma para eu comprar um pão, insistiu a voz do garoto. O empresário, que acabara de ligar o seu note para atualizar-se em tempo real, para se livrar do incômodo, respondeu: está bem. Compro um.

      O empresário continuou dando vasão ás mensagens Para variar, a minha caixa de entrada estava cheia de e-mail. “Senhor, peça para colocar margarina e queijo”. Persistiu o garoto, enquanto aguardava o seu prometido pão. Somente depois dessa interrupção é que a presença do garoto foi lembrada. Então ele retrucou que iria reforçar esses itens no pedido, mas que depois, que o garoto o deixasse trabalhar em paz. Chegou a comida, mas o pedido do garoto demorou mais, pois ele havia acrescentado os dois novos ingredientes.

      O garcon até eu perguntou se o cliente preferia que o garoto esperasse lá fora, mas o empresário disse que o deixasse ali mesmo. Então sentado à frente do empresário o garoto perguntou-o o que ele estava fazendo. Começou um diálogo que merece ser transcrito:  “- Estou a ler uns e-mail.  - O que são e-mail?  - São mensagens electrónicas mandadas via Internet   - E o senhor tem Internet?  - Tenho sim, essencial no mundo de hoje.  - O que é Internet?  - É um local no computador, onde podemos ver e ouvir muitas coisas: notícias, músicas, conhecer pessoas, ler, escrever, sonhar, trabalhar, aprender. Tem de tudo no mundo virtual.  - E o que é virtual?  - Virtual é um local que imaginamos, coisas que não podemos tocar, apanhar, mexer... criamos coisas que gostaríamos de fazer, como as nossas fantasias, transformamos o mundo, quase como queríamos que fosse.  - Que bom... Gosto disso!  - Menino, entendeste o significado da palavra virtual?  - Sim, também vivo nesse mundo virtual.  - Tens computador?! – Exclamo eu!!!  - Não, mas o meu mundo também é vivido dessa maneira... Virtual... A minha mãe fica todo dia fora, chega muito tarde, quase não a vejo. Eu fico a cuidar do meu irmão pequeno que vive a chorar de fome e eu dou-lhe água para ele pensar que é sopa, a minha irmã mais velha sai todo dia também, diz que vai vender o corpo, mas não entendo, porque ela volta sempre com o corpo. O meu pai está na cadeia há muito tempo, mas imagino sempre a nossa família toda junta em casa, muita comida, muitos brinquedos de natal e eu a estudar na escola para vir a ser médico um dia. Isso é virtual não é senhor???”

       Agora, diante desse insólito e provocante diálogo encontro-me abrindo uma reflexão que o momento nos impõe: seria o virtualismo uma fuga aos problemas que o homem não tem dado conta, preferindo imaginar-se em um plano irreal? E como se administram as influências desse imaginário quando passam a “determinar” comportamentos no plano real? Recentemente soube que uma ‘influenciadora digital’, num total desconhecimento sobre genética, fez plástica para que os filhos nascessem bonitos. Não é para rir, me, deixar para lá. Isso é muito triste, pois o fato de essa criatura ter milhares de seguidores nos sinaliza o péssimo futuro que nos espera. Esse é um dos perfis seguidos pelos nossos jovens incautos ou iludidos.

       O segredo é o equilíbrio, não dá para negar ser necessário conectar-se com o mundo que aproxima distância e qualifica o tempo. Mas tudo pede prudência, tudo exige cautela, todo excesso é prejudicial. e tirar todo o proveito . Não precisamos nos desconectar totalmente, Da mesma forma que é importante estarmos informados sobre o que acontece no mundo e com as outras pessoas, é essencial lembrarmos de nós mesmos: da realidade, dos compromissos com o outro, dos cuidados com a vida. No mundo virtual as pessoas perdem a identidade, porque elas podem passar por outra pessoa enganar ao outros, só que na verdade, engana a si próprio. Seja com a realidade aumentada ou aquela que cria o seu próprio ambiente virtual e se distancia da realidade, cabe-nos escolher o que basta para não ser surpreendido com o que falta.

        Enquanto ser humano, criado à luz da civilidade e da formação de um ser capaz de ser protagonista da história da humanidade, temos um papel decisivo na ordem mundial. Enquanto família, sustentáculo de uma sociedade capaz de atravessar o tempo, urge que trabalhemos no sentido de termos a tecnologia e a virtualidade ao nosso favor. Que o homem, mesmo em fase de formação, no caso das crianças, use a tecnologia do século, em seu favor, como protagonista do futuro e, nunca se permitir ser usado por ela, como refém incapaz de determinar um rumo para todos. Ou tomamos o leme da modernidade que traz em si, todo o arcabouço das redes sociais e seus desdobramentos, ou de pouca valia teve a luta pela evolução perseguida por tantas gerações em tantas sociedades.

       O tempo continua sendo a ferramenta que está ao nosso alcance para definir o sonhado equilíbrio entre o tempo que se gasta nos espaços eletrônicos em detrimento do que nos resta para o mundo real que exige estudos, cuidados, respeito, entendimento e, acima de tudo, ser exemplo para que as crianças aprendem, antes de qualquer lição que o mundo em frente às telas, que os fatos que compõem o mundo virtual precisam ser usados como ferramenta, instrumento e meios para se ganhar tempo e fazer desse, sua plataforma. Jamais ser vítima da fantasia que os influenciadores digitais apresentam como verdadeiras é o primeiro passo. Reconhecer que é preciso dar exemplo de protagonismo do real é resultado que enobrece a espécie humana como dominante sobre a Terra.

       Assim, é perceptível que a maior prova do virtualismo insensato em que vivemos, enquanto a realidade nos enfrenta diariamente exige uma atitude  para entender que quando achamos que não vamos conseguir, vamos estudar: se  errarmos, aprendemos; se acertarmos, ensinamos.

  • Sebastião Maciel Costa