26-04-2006



Rasgado de ponta-a-ponta
Era um tecido, um papel, ou um monte de carne?
Aspergia por todo o chão, viscoso e bruto
Como leite coalhado no bucho
Regurgitando como golfada no colo
Vestido de pano puído
Apenas “vermezinhos” dessa gente
Eles choram apontando a vossa culpa
Eles sofrem sentenciando vossos atos
Eles subsistem deplorando vossos delírios
Eles morrem lançando-vos no fogo
Eles voltam, visitando-vos à angústia

A fonte que transborda não mais deu água
O arraial está desolado
O gado vai perecendo

Não posso almejar-te à boca, oh Cristine
Meu hálito cheira tão mal, tão podre
Tem cheiro de estômago vazio há dias
Suas paredes quase se tocam
Não posso amar-te aos seios
Meus lábios estão feridos profundamente
Abertos em carne e brasa
E minha língua cola-se ao céu-da-boca
Na grossura de minha saliva
Na secura de minha gengiva
Não posso de modo amar-te, Cristine
Teu colo está sempre tapado
E teu rosto virado pra lá

Apanho bebida nos cactos
Busco uma farta refeição
Mas me entalo com torrada velha
Soluço com farinha seca

Olha da janela, Cristine!
O duro preço da paz!
Apressa-te, pois, já vêm!
Já vêm às ruínas da porta
Já chegam às ruínas do prédio
Lá embaixo o duro preço da “paz”
E chegam com milícias
Com corvos e bestas selvagens
Vêm de surpresa
Com as caras cobertas


Vê Cristine, calcanhares levantam-se alhures
E as bocas calaram-se todas
Ao bel prazer da covardia e desprezo
Há sempre gentinha lacaia
Querendo mostrar serviço
E muitos se dão à sua lábia
Falam com os membros
Mentem com os dedos
Acenam com os pés
Enganam com os olhos
Tentando me convencer de que estou louco
Querendo me enlouquecer
Mas, os que levantaram o calcanhar
Comiam comigo!


Olhe Cristine, os leitos parecem túmulos
O leite das mães envenena os filhos
Há órgãos em cada cesto de lixo
Sangue em cada copo
Em cada cuspe
Eles vomitam fezes
Espirram furúnculos
Tossem porcarias, imundícies
Seus olhos aspiram ganâncias
Seus cofres amontoam roubos
Seus bolsos transbordam subornos

Vê Cristine, temos todos paz
Vê Cristine, as bocas costuradas
Os olhos vendados, os ventres mortificados
Tudo isso é paz!

Há olhos saltando às mãos
Sangue escorrendo pelas paredes
Há feridos por todo lado
E tudo está em paz
Há farinha seca para todos
E há soluço também
Vê Cristine... Vê Cristine



 
                                                                        
                                                                                                 FELLIPE KNOPP
                                                                         http://bohemando.blogspot.com