Racismo Cordial: Qual é A Sua Cor Predileta?
Por Félix Maier | 22/11/2006 | Sociedade
Félix Maier
O brasileiro não evita, mas tem vergonha de ter preconceito (Florestan Fernandes, 1920-1995).
Em todo dia 20 de novembro, comemora-se o Dia da Consciência Negra, uma homenagem a Zumbi dos Palmares, morto há 311 anos. Palmares foi uma confederação de quilombos, ativa de 1630 a 1694, na região hoje ocupada pelo Estado de Alagoas.
Em 1995, a Folha de S. Paulo e o Instituto de Pesquisas Datafolha realizaram a maior e mais ampla investigação científico-jornalística sobre preconceito de cor no Brasil. O trabalho foi impresso pela Editora Ática, com o título Racismo Cordial A mais completa análise sobre preconceito de cor no Brasil, São Paulo, 1995. Como nestes últimos 11 anos pouca coisa mudou a respeito, é interessante relembrar alguns dos tópicos abordados pela pesquisa de então.
Três números básicos sintetizam um pouco esse extenso trabalho, agora publicado neste livro: 1) apesar de 89% dos brasileiros dizerem haver preconceito de cor contra negros no Brasil, 2) só 10% admitem ter um pouco de preconceito, mas, 3) de forma indireta, 87% revelam algum preconceito, ao pronunciar ou concordar com enunciados preconceituosos, ou ao admitir comportamentos de conteúdo racista em relação aos negros (pg. 11).
Foram escolhidas 12 perguntas, listadas abaixo, feitas pelo pesquisador do Datafolha aos entrevistados:
Eu vou dizer algumas coisas que as pessoas costumam falar e gostaria que você dissesse se concorda ou discorda de cada uma, totalmente ou em parte:
1) negro bom é negro de alma branca;
2) uma coisa boa do povo brasileiro é a mistura de raças;
3) as únicas coisas que os negros sabem fazer bem são música e esportes;
4) toda raça tem gente boa e gente ruim, isso não depende da cor da pele;
5) negro, quando não faz besteira na entrada, faz na saída;
6) se pudessem comer bem e estudar, os negros teriam sucesso em qualquer profissão;
7) se Deus fez raças diferentes, é para que elas não se misturem;
8) Alguns estudos recentes afirmam que, por natureza, brancos e negros são diferentes em relação ao nível de inteligência. Na sua opinião, existem diferenças de inteligência entre brancos e negros? Se sim, de um modo geral, quem são mais inteligentes, os brancos ou os negros?
9) Você votaria ou já votou alguma vez em um político negro?
10) Se no seu trabalho você tivesse um chefe negro, você não se importaria; ficaria contrariado, mas procuraria aceitar; ou não aceitaria e mudaria de trabalho?
11) Se várias famílias negras fossem morar na sua vizinhança, você não se importaria; ficaria contrariado, mas procuraria aceitar; ou não aceitaria e mudaria de casa?
12) E se um filho ou uma filha sua se casasse com uma pessoa negra, você não importaria; ficaria contrariado, mas procuraria aceitar; ou não aceitaria o casamento?
(Cfr. pg. 13-14).
Antes de analisar a pesquisa e saber se algum ato pode ser classificado como crime de racismo, é didático conhecer a Lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989. Nela estão listadas as ações de fato criminosas, que, de modo geral, impedem ou obstruem um indivíduo de cor negra de exercer seus mais elementares direitos, como concorrer a um cargo na administração pública, ou que impedem a entrada do negro em um estabelecimento comercial, cultural, de ensino ou lazer etc. Tais delitos podem resultar em reclusão de 1 a 5 anos. Também pode configurar crime praticar, induzir, ou incitar, pelos meios de comunicação social ou por publicação de qualquer natureza, a discriminação ou preconceito de raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional (Art. 20) reclusão de 2 a 5 anos.
Alguém que faça uma declaração preconceituosa de natureza privada proferiu a frase para uma pessoa específica ouvir , não incitando ou induzindo alguém a praticar discriminação ou preconceito, estará apenas externando sua opinião. Nesse caso, a atitude poderá ser enquadrada como uma injúria ou extrema falta de educação, nunca como um crime. Este é o caso do Prof. Paulo Kramer, da Universidade de Brasília, que pronunciou uma palavra injuriosa ("crioulada"), referindo-se a um grupo étnico dos EUA, e que foi acusado por alguns de seus alunos de ter cometido crime de racismo.
Na pesquisa do Datafolha, alguns dados chamam a atenção. Por exemplo, para 48% dos negros entrevistados, por exemplo, a frase negro bom é negro de alma branca está total ou parcialmente correta. O que isso significa? Para o diretor-executivo do Datafolha, Antonio Manuel Teixeira Mendes, trata-se de um caso típico de baixa auto-estima, e não de racismo propriamente (pg. 26). Para 36% dos pardos, há inteira concordância com a frase, um número semelhante aos brancos entrevistados (35%).
Mas a demonstração mais reveladora sobre os pardos é a resposta que dão criticando a própria formação de sua etnia. Para 24% dos pardos, está correta total ou parcialmente a afirmação se Deus fez raças diferentes, é para que elas não se misturem. Um pardo mulato, moreno, não importa tem de ser, necessariamente, fruto de uma miscigenação entre duas pessoas de étnicas diferentes. Ao concordar com a frase racista de que Deus não quer mistura entre pessoas que tenham cores diferentes de pele, os pardos, ainda que de forma impensada, desqualificam a própria existência (pg. 27).
O interessante é que a pesquisa do Datafolha descobriu que os nordestinos são mais racistas que os sulinos. Entre os brancos nordestinos, 6% responderam de forma muito preconceituosa às 12 perguntas do ranking criado pelo Datafolha. Os mulatos atingiram a marca de 7% de respostas muito preconceituosas, e os negros tiveram um percentual alto, de 6%, nesse item, quando a região pesquisada foi o Nordeste (pg. 29).
A cor que o brasileiro desejaria ter
Moreno é a cor do Brasil, Ninguém gosta de ser chamado de neguinho ou de branquinho (Ézio San, vocalista do grupo de pagode Os Morenos).
Hoje, segundo o IBGE, o brasileiro pode ter apenas cinco cores: 1) branca, 2) parda, 3) negra, 4) indígena e 5) amarela. Os pardos são todos os não-brancos que não sejam negros, amarelos ou índios. Apesar de terem sido os primeiros habitantes do país, os indígenas ganharam denominação própria apenas no último censo demográfico, de 91. Os brasileiros que não concordam com as cinco definições possíveis de cor apresentadas pelo IBGE são jogados na classificação outros (pg. 35).
O termo pardo é um verdadeiro saco de gatos. Tudo o que não se enquadra nas outras categorias é jogado lá dentro. É a lata de lixo do censo disse a demógrafa e estatística Valéria Motta Leite. A escolha da cor parda foi consolidada em 1976, depois que o IBGE fez a sua Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) daquele ano. O resultado foi que os brasileiros se auto-atribuíram 135 cores diferentes. Isso tornou inviável realizar o censo apenas segundo a cor que cada pessoa considerava ter. A lista das 135 cores constitui um verdadeiro tratado antropológico ditado pelos brasileiros. A seguir, a relação completa de cores coletadas na pesquisa realizada em 1976:
1 - Acastanhada
2 - Agalegada
3 Alva
4 Alva-escura
5 Alvarenta
6 Alvarinta
7 Alva-rosada
8 Alvinha
9 Amarela
10 Amarelada
11 Amarela-queimada
12 Amarelosa
13 Amorenada
14 Avermelhada
15 Azul
16 Azul-marinho
17 Baiano
18 Bem-branca
19 Bem-clara
20 Bem-morena
21 Branca
22 Branca-avermelhada
23 Branca-melada
24 Branca-morena
25 Branca-pálida
26 Branca-queimada
27 Branca-sardenta
28 Branca-suja
29 Branquiça
30 Branquinha
31 Bronze
32 Bronzeada
33 Bugrezinha-escura
34 Burro-quando-foge
35 Cabocal
36 Cabo-verde
37 Café
38 Café-com-leite
39 Canela
40 Canelada
41 Cardão
42 Castanha
43 Castanha-clara
44 Castanha-escura
45 Chocolate
46 Clara
47 Clarinha
48 Cobre
49 Corada
50 Cor-de-café
51 Cor-de-canela
52 Cor-de-cuia
53 Cor-de-leite
54 Cor-de-ouro
55 Cor-de-rosa
56 Cor-firma
57 Crioula
58 Encerada
59 Enxofrada
60 Esbranquecimento
61 Escura
62 Escurinha
63 Fogoio
64 Galega
65 Galegada
66 Jambo
67 Laranja
68 Lilás
69 Loira
70 Loira-clara
71 Loura
72 Lourinha
73 Malaia
74 Marinheira
75 Marrom
76 Meio-amerela
77 Meio-branca
78 Meio-morena
79 Meio-preta
80 Melada
81 Mestiça
82 Miscigenação
83 Mista
84 Morena
85 Morena-bem-chegada
86 Morena-bronzeada
87 Morena-canelada
88 Morena-castanha
89 Morena-clara
90 Morena-cor-de-canela
91 Morena-jambo
92 Morenada
93 Morena-escura
94 Morena-fechada
95 Morenão
96 Morena-parda
97 Morena-roxa
98 Morena-ruiva
99 Morena-tigueira
100 Moreninha
101 Mulata
102 Mulatinha
103 Negra
104 Negrota
105 Pálida
106 Paraíba
107 Parda
108 Parda-clara
109 Polaca
110 Pouco-clara
111 Pouco-morena
112 Preta
113 Pretinha
114 Puxa-para-branca
115 Quase-negra
116 Queimada
117 Queimada-de-praia
118 Queimada-de-sol
119 Regular
120 Retinta
121 Rosa
122 Rosada
123 Rosa-queimada
124 Roxa
125 Ruiva
126 Russo
127 Sapecada
128 Sarará
129 Saraúba
130 Tostada
131 Trigo
132 Trigueira
133 Turva
134 Verde
135 Vermelha
Realmente, o termo pardo é muito depreciativo, é muito melhor definir o mestiço (branco com negro) como moreno, melhor do que mulato, não apreciado por muitos, porque o nome origina-se de mula. Designar também como pardo o filho de oriental com branco é de uma estupidez sem limites. Fazer o quê?
O que se estranha é que os ditos grupos de defesa de afrodescendentes queiram chamar de negra, p. ex., uma morena como Thaís Araújo ou Camila Pitanga. Elas têm, digamos, uns 50% de sangue branco e outros 50% de sangue negro. São, naturalmente, morenas, não negras, como muitos (racistas de cor?) querem impor. Chamá-las de negras equivale a chamá-las também de brancas, o que efetivamente elas também não são. Nesse mesmo erro incorreu Paula Barreto, branca, filha do produtor de cinema Luís Carlos Barreto, que se casou com o jogador de futebol Cláudio Adão, e que não aceita a denominação do termo pardo: Tenho horror a ele. É feio, preconceituoso. Meus filhos são negros e são felizes (pg. 38). Pelo visto, virou mesmo moda de muito moreno-claro se apresentar como negro, só para acompanhar a onda politicamente correta em voga. Não seria isso, também, uma espécie de racismo, às avessas, por querer colocar uma cor acima das outras?
Mulata, a preferência nacional...
A preferência sexual do homem brasileiro, quanto à cor da mulher, é bem definida. À pergunta Pelo que você sabe ou imagina, quem é melhor de cama: as brancas, as mulatas ou as negras?, 32% dos entrevistados disseram que preferem as mulatas, 13% as negras e 12% as brancas. Quanto às mulheres, elas não têm uma preferência acentuada, já que 42% disseram que não sabiam a diferença. Quanto à cor, os negros estiveram à frente (16% das preferências femininas), seguidos dos mulatos (13%) e dos brancos (11%). Para os 23% que gostariam de fazer alguma alteração, um novo tipo de cabelo é o que está no topo da lista,com 8% das preferências (pg. 54).
A pesquisa indica que o número de mulheres negras que acham que o preconceito dos brancos é muito grande é maior entre elas (69%) do que entre os negros (60%). No quesito preconceito contra os brancos, 12% dos negros responderam que sim, 6% deles admitindo que têm muito preconceito.
Na reserva de vagas para negros nas universidades e de empregos nas empresas as tais cotas raciais -, observa-se que, quanto maior a escolaridade dos negros, mais eles são contra esse tipo de ação afirmativa. As proporções dos que concordaram totalmente e dos que discordaram totalmente foram: entre os negros 40% x 35%; entre os pardos 35% x 39%; entre os brancos 32% x 42%; entre os outros 36% x 35% (pg. 78).
Uma conclusão interessante a que chegou o estudo do Datafolha foi que a diferenciação por cor pesa pouco. O que distingue as posturas é muito mais nível de escolaridade, nível de renda e mesmo, em alguns casos, gênero. Brancos, negros, pardos e outros compartilham das mesmas convicções e fantasias no que se refere à democracia racial. Os pobres e menos escolarizados enxergam menos preconceito, mas são favoráveis à discriminação positiva dos negros. Os ricos e mais escolarizados acham em maior proporção que há preconceito, mas se opões àquela discriminação (pg. 80-81).
Com as recentes pesquisas genéticas, não se deve mais falar em raças, pois existe somente uma raça, a raça humana. Geneticamente falando, um preto retinto da tribo dos Zulus, da África do Sul, pode ser mais próximo de um branco da Suécia do que de outro membro de sua própria tribo. A utilização do conceito cor, portanto, deveria só servir para pesquisas antropológicas do IBGE, não para dizer quem tem mais ou menos direito de entrar em uma universidade. Dar preferência a uma cor, mesmo com o argumento de uma discriminação positiva, é um ato do mais puro racismo, condenado pela Constituição Federal. Se, apesar disso, foi implantado no Brasil o sistema de cotas raciais, é porque nossa Lei Maior foi atirada na lata de lixo.
Não devemos cair na tentação de criar bantustões () em nosso País, como ocorria na África do Sul do Apartheid, ao conceder direitos especiais para certos "guetos", sejam eles de negros, mulheres ou índios. Não se pode utilizar um preconceito racista, como é o sistema de cotas para negros, para acabar com outro preconceito racista. Isto é puro engodo. O que o governo Federal deveria fazer com urgência é melhorar o nível da Educação no Brasil, especialmente a fundamental e o ensino médio, que é a única porta de saída para que haja uma verdadeira igualdade de oportunidades para todos. Pois não é somente o negro que é discriminado no acesso à universidade e ao trabalho: é toda a população pobre do País. Cerca de 70% das verbas federais são destinadas ao nível superior, exatamente para aqueles que menos necessitam de apoio, por pertencerem ao extrato mais rico da sociedade. Um sistema cruel, já chamado por Roberto Campos de "Robin Hood às avessas", por tirar dos pobres e remediados para dar aos ricos. Isso precisa mudar com urgência.
() Leia, de minha autoria, "Bantustões brasileiros", no endereço http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=556.
O brasileiro não evita, mas tem vergonha de ter preconceito (Florestan Fernandes, 1920-1995).
Em todo dia 20 de novembro, comemora-se o Dia da Consciência Negra, uma homenagem a Zumbi dos Palmares, morto há 311 anos. Palmares foi uma confederação de quilombos, ativa de 1630 a 1694, na região hoje ocupada pelo Estado de Alagoas.
Em 1995, a Folha de S. Paulo e o Instituto de Pesquisas Datafolha realizaram a maior e mais ampla investigação científico-jornalística sobre preconceito de cor no Brasil. O trabalho foi impresso pela Editora Ática, com o título Racismo Cordial A mais completa análise sobre preconceito de cor no Brasil, São Paulo, 1995. Como nestes últimos 11 anos pouca coisa mudou a respeito, é interessante relembrar alguns dos tópicos abordados pela pesquisa de então.
Três números básicos sintetizam um pouco esse extenso trabalho, agora publicado neste livro: 1) apesar de 89% dos brasileiros dizerem haver preconceito de cor contra negros no Brasil, 2) só 10% admitem ter um pouco de preconceito, mas, 3) de forma indireta, 87% revelam algum preconceito, ao pronunciar ou concordar com enunciados preconceituosos, ou ao admitir comportamentos de conteúdo racista em relação aos negros (pg. 11).
Foram escolhidas 12 perguntas, listadas abaixo, feitas pelo pesquisador do Datafolha aos entrevistados:
Eu vou dizer algumas coisas que as pessoas costumam falar e gostaria que você dissesse se concorda ou discorda de cada uma, totalmente ou em parte:
1) negro bom é negro de alma branca;
2) uma coisa boa do povo brasileiro é a mistura de raças;
3) as únicas coisas que os negros sabem fazer bem são música e esportes;
4) toda raça tem gente boa e gente ruim, isso não depende da cor da pele;
5) negro, quando não faz besteira na entrada, faz na saída;
6) se pudessem comer bem e estudar, os negros teriam sucesso em qualquer profissão;
7) se Deus fez raças diferentes, é para que elas não se misturem;
8) Alguns estudos recentes afirmam que, por natureza, brancos e negros são diferentes em relação ao nível de inteligência. Na sua opinião, existem diferenças de inteligência entre brancos e negros? Se sim, de um modo geral, quem são mais inteligentes, os brancos ou os negros?
9) Você votaria ou já votou alguma vez em um político negro?
10) Se no seu trabalho você tivesse um chefe negro, você não se importaria; ficaria contrariado, mas procuraria aceitar; ou não aceitaria e mudaria de trabalho?
11) Se várias famílias negras fossem morar na sua vizinhança, você não se importaria; ficaria contrariado, mas procuraria aceitar; ou não aceitaria e mudaria de casa?
12) E se um filho ou uma filha sua se casasse com uma pessoa negra, você não importaria; ficaria contrariado, mas procuraria aceitar; ou não aceitaria o casamento?
(Cfr. pg. 13-14).
Antes de analisar a pesquisa e saber se algum ato pode ser classificado como crime de racismo, é didático conhecer a Lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989. Nela estão listadas as ações de fato criminosas, que, de modo geral, impedem ou obstruem um indivíduo de cor negra de exercer seus mais elementares direitos, como concorrer a um cargo na administração pública, ou que impedem a entrada do negro em um estabelecimento comercial, cultural, de ensino ou lazer etc. Tais delitos podem resultar em reclusão de 1 a 5 anos. Também pode configurar crime praticar, induzir, ou incitar, pelos meios de comunicação social ou por publicação de qualquer natureza, a discriminação ou preconceito de raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional (Art. 20) reclusão de 2 a 5 anos.
Alguém que faça uma declaração preconceituosa de natureza privada proferiu a frase para uma pessoa específica ouvir , não incitando ou induzindo alguém a praticar discriminação ou preconceito, estará apenas externando sua opinião. Nesse caso, a atitude poderá ser enquadrada como uma injúria ou extrema falta de educação, nunca como um crime. Este é o caso do Prof. Paulo Kramer, da Universidade de Brasília, que pronunciou uma palavra injuriosa ("crioulada"), referindo-se a um grupo étnico dos EUA, e que foi acusado por alguns de seus alunos de ter cometido crime de racismo.
Na pesquisa do Datafolha, alguns dados chamam a atenção. Por exemplo, para 48% dos negros entrevistados, por exemplo, a frase negro bom é negro de alma branca está total ou parcialmente correta. O que isso significa? Para o diretor-executivo do Datafolha, Antonio Manuel Teixeira Mendes, trata-se de um caso típico de baixa auto-estima, e não de racismo propriamente (pg. 26). Para 36% dos pardos, há inteira concordância com a frase, um número semelhante aos brancos entrevistados (35%).
Mas a demonstração mais reveladora sobre os pardos é a resposta que dão criticando a própria formação de sua etnia. Para 24% dos pardos, está correta total ou parcialmente a afirmação se Deus fez raças diferentes, é para que elas não se misturem. Um pardo mulato, moreno, não importa tem de ser, necessariamente, fruto de uma miscigenação entre duas pessoas de étnicas diferentes. Ao concordar com a frase racista de que Deus não quer mistura entre pessoas que tenham cores diferentes de pele, os pardos, ainda que de forma impensada, desqualificam a própria existência (pg. 27).
O interessante é que a pesquisa do Datafolha descobriu que os nordestinos são mais racistas que os sulinos. Entre os brancos nordestinos, 6% responderam de forma muito preconceituosa às 12 perguntas do ranking criado pelo Datafolha. Os mulatos atingiram a marca de 7% de respostas muito preconceituosas, e os negros tiveram um percentual alto, de 6%, nesse item, quando a região pesquisada foi o Nordeste (pg. 29).
A cor que o brasileiro desejaria ter
Moreno é a cor do Brasil, Ninguém gosta de ser chamado de neguinho ou de branquinho (Ézio San, vocalista do grupo de pagode Os Morenos).
Hoje, segundo o IBGE, o brasileiro pode ter apenas cinco cores: 1) branca, 2) parda, 3) negra, 4) indígena e 5) amarela. Os pardos são todos os não-brancos que não sejam negros, amarelos ou índios. Apesar de terem sido os primeiros habitantes do país, os indígenas ganharam denominação própria apenas no último censo demográfico, de 91. Os brasileiros que não concordam com as cinco definições possíveis de cor apresentadas pelo IBGE são jogados na classificação outros (pg. 35).
O termo pardo é um verdadeiro saco de gatos. Tudo o que não se enquadra nas outras categorias é jogado lá dentro. É a lata de lixo do censo disse a demógrafa e estatística Valéria Motta Leite. A escolha da cor parda foi consolidada em 1976, depois que o IBGE fez a sua Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) daquele ano. O resultado foi que os brasileiros se auto-atribuíram 135 cores diferentes. Isso tornou inviável realizar o censo apenas segundo a cor que cada pessoa considerava ter. A lista das 135 cores constitui um verdadeiro tratado antropológico ditado pelos brasileiros. A seguir, a relação completa de cores coletadas na pesquisa realizada em 1976:
1 - Acastanhada
2 - Agalegada
3 Alva
4 Alva-escura
5 Alvarenta
6 Alvarinta
7 Alva-rosada
8 Alvinha
9 Amarela
10 Amarelada
11 Amarela-queimada
12 Amarelosa
13 Amorenada
14 Avermelhada
15 Azul
16 Azul-marinho
17 Baiano
18 Bem-branca
19 Bem-clara
20 Bem-morena
21 Branca
22 Branca-avermelhada
23 Branca-melada
24 Branca-morena
25 Branca-pálida
26 Branca-queimada
27 Branca-sardenta
28 Branca-suja
29 Branquiça
30 Branquinha
31 Bronze
32 Bronzeada
33 Bugrezinha-escura
34 Burro-quando-foge
35 Cabocal
36 Cabo-verde
37 Café
38 Café-com-leite
39 Canela
40 Canelada
41 Cardão
42 Castanha
43 Castanha-clara
44 Castanha-escura
45 Chocolate
46 Clara
47 Clarinha
48 Cobre
49 Corada
50 Cor-de-café
51 Cor-de-canela
52 Cor-de-cuia
53 Cor-de-leite
54 Cor-de-ouro
55 Cor-de-rosa
56 Cor-firma
57 Crioula
58 Encerada
59 Enxofrada
60 Esbranquecimento
61 Escura
62 Escurinha
63 Fogoio
64 Galega
65 Galegada
66 Jambo
67 Laranja
68 Lilás
69 Loira
70 Loira-clara
71 Loura
72 Lourinha
73 Malaia
74 Marinheira
75 Marrom
76 Meio-amerela
77 Meio-branca
78 Meio-morena
79 Meio-preta
80 Melada
81 Mestiça
82 Miscigenação
83 Mista
84 Morena
85 Morena-bem-chegada
86 Morena-bronzeada
87 Morena-canelada
88 Morena-castanha
89 Morena-clara
90 Morena-cor-de-canela
91 Morena-jambo
92 Morenada
93 Morena-escura
94 Morena-fechada
95 Morenão
96 Morena-parda
97 Morena-roxa
98 Morena-ruiva
99 Morena-tigueira
100 Moreninha
101 Mulata
102 Mulatinha
103 Negra
104 Negrota
105 Pálida
106 Paraíba
107 Parda
108 Parda-clara
109 Polaca
110 Pouco-clara
111 Pouco-morena
112 Preta
113 Pretinha
114 Puxa-para-branca
115 Quase-negra
116 Queimada
117 Queimada-de-praia
118 Queimada-de-sol
119 Regular
120 Retinta
121 Rosa
122 Rosada
123 Rosa-queimada
124 Roxa
125 Ruiva
126 Russo
127 Sapecada
128 Sarará
129 Saraúba
130 Tostada
131 Trigo
132 Trigueira
133 Turva
134 Verde
135 Vermelha
Realmente, o termo pardo é muito depreciativo, é muito melhor definir o mestiço (branco com negro) como moreno, melhor do que mulato, não apreciado por muitos, porque o nome origina-se de mula. Designar também como pardo o filho de oriental com branco é de uma estupidez sem limites. Fazer o quê?
O que se estranha é que os ditos grupos de defesa de afrodescendentes queiram chamar de negra, p. ex., uma morena como Thaís Araújo ou Camila Pitanga. Elas têm, digamos, uns 50% de sangue branco e outros 50% de sangue negro. São, naturalmente, morenas, não negras, como muitos (racistas de cor?) querem impor. Chamá-las de negras equivale a chamá-las também de brancas, o que efetivamente elas também não são. Nesse mesmo erro incorreu Paula Barreto, branca, filha do produtor de cinema Luís Carlos Barreto, que se casou com o jogador de futebol Cláudio Adão, e que não aceita a denominação do termo pardo: Tenho horror a ele. É feio, preconceituoso. Meus filhos são negros e são felizes (pg. 38). Pelo visto, virou mesmo moda de muito moreno-claro se apresentar como negro, só para acompanhar a onda politicamente correta em voga. Não seria isso, também, uma espécie de racismo, às avessas, por querer colocar uma cor acima das outras?
Mulata, a preferência nacional...
A preferência sexual do homem brasileiro, quanto à cor da mulher, é bem definida. À pergunta Pelo que você sabe ou imagina, quem é melhor de cama: as brancas, as mulatas ou as negras?, 32% dos entrevistados disseram que preferem as mulatas, 13% as negras e 12% as brancas. Quanto às mulheres, elas não têm uma preferência acentuada, já que 42% disseram que não sabiam a diferença. Quanto à cor, os negros estiveram à frente (16% das preferências femininas), seguidos dos mulatos (13%) e dos brancos (11%). Para os 23% que gostariam de fazer alguma alteração, um novo tipo de cabelo é o que está no topo da lista,com 8% das preferências (pg. 54).
A pesquisa indica que o número de mulheres negras que acham que o preconceito dos brancos é muito grande é maior entre elas (69%) do que entre os negros (60%). No quesito preconceito contra os brancos, 12% dos negros responderam que sim, 6% deles admitindo que têm muito preconceito.
Na reserva de vagas para negros nas universidades e de empregos nas empresas as tais cotas raciais -, observa-se que, quanto maior a escolaridade dos negros, mais eles são contra esse tipo de ação afirmativa. As proporções dos que concordaram totalmente e dos que discordaram totalmente foram: entre os negros 40% x 35%; entre os pardos 35% x 39%; entre os brancos 32% x 42%; entre os outros 36% x 35% (pg. 78).
Uma conclusão interessante a que chegou o estudo do Datafolha foi que a diferenciação por cor pesa pouco. O que distingue as posturas é muito mais nível de escolaridade, nível de renda e mesmo, em alguns casos, gênero. Brancos, negros, pardos e outros compartilham das mesmas convicções e fantasias no que se refere à democracia racial. Os pobres e menos escolarizados enxergam menos preconceito, mas são favoráveis à discriminação positiva dos negros. Os ricos e mais escolarizados acham em maior proporção que há preconceito, mas se opões àquela discriminação (pg. 80-81).
Com as recentes pesquisas genéticas, não se deve mais falar em raças, pois existe somente uma raça, a raça humana. Geneticamente falando, um preto retinto da tribo dos Zulus, da África do Sul, pode ser mais próximo de um branco da Suécia do que de outro membro de sua própria tribo. A utilização do conceito cor, portanto, deveria só servir para pesquisas antropológicas do IBGE, não para dizer quem tem mais ou menos direito de entrar em uma universidade. Dar preferência a uma cor, mesmo com o argumento de uma discriminação positiva, é um ato do mais puro racismo, condenado pela Constituição Federal. Se, apesar disso, foi implantado no Brasil o sistema de cotas raciais, é porque nossa Lei Maior foi atirada na lata de lixo.
Não devemos cair na tentação de criar bantustões () em nosso País, como ocorria na África do Sul do Apartheid, ao conceder direitos especiais para certos "guetos", sejam eles de negros, mulheres ou índios. Não se pode utilizar um preconceito racista, como é o sistema de cotas para negros, para acabar com outro preconceito racista. Isto é puro engodo. O que o governo Federal deveria fazer com urgência é melhorar o nível da Educação no Brasil, especialmente a fundamental e o ensino médio, que é a única porta de saída para que haja uma verdadeira igualdade de oportunidades para todos. Pois não é somente o negro que é discriminado no acesso à universidade e ao trabalho: é toda a população pobre do País. Cerca de 70% das verbas federais são destinadas ao nível superior, exatamente para aqueles que menos necessitam de apoio, por pertencerem ao extrato mais rico da sociedade. Um sistema cruel, já chamado por Roberto Campos de "Robin Hood às avessas", por tirar dos pobres e remediados para dar aos ricos. Isso precisa mudar com urgência.
() Leia, de minha autoria, "Bantustões brasileiros", no endereço http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=556.