RABDOMIÓLISE: Você SABE o que é?

 

Rabdomiólise se refere à dissolução das fibras musculares esqueléticas e a liberação de mioglobina para a circulação, um evento que pode resultar em mioglobinuria (RUBIN et al, 2006), ou seja a rabdomiólise é caracterizada por danos à musculatura esquelética. Quando isso ocorre, o conteúdo das células musculares é liberado na corrente sanguínea, o que pode ser potencialmente tóxico e ocasionar  lesão nos rins (insuficiência renal aguda) e arritmias cardíacas, levando, em casos extremos, à morte.

 

Estima-se que 15% a 33% dos pacientes evoluam com insuficiência renal aguda (IRA) secundária à mioglobinúria e 10% dos casos evoluam para o óbito. (OLIVEIRA, 2007)

Em 1941, durante a 2a guerra mundial, Bywaters e Beall, descreveram os quatro primeiros casos de vítimas que, depois de expostas a bombardeios, desenvolveram insuficiência renal aguda (IRA) resultando em óbito no decurso de uma semana. Durante a necrópsia foram encontrados, nos túbulos renais, cilindros pigmentados que, na época, não puderam ser explicados, apesar de atualmente estar claro que estavam relacionados à lesão muscular maciça. Este quadro foi mais tarde denominado rabdomiólise. Três décadas depois, novos casos de rabdomiólise foram descritos, expandindo o conhecimento sobre a etiologia do dano muscular. (GAMA et al, 2005).

Fisiopatologia

 

A lesão das células musculares conduz a uma alteração na homeostasia do cálcio e à depleção de Adenosina Trifosfato (ATP). A acumulação de cálcio é a principal conseqüência da lesão muscular. (...) A subida dos níveis de cálcio livre intracelular vai desencadear uma contração muscular persistente, com esgotamento das reservas energéticas e morte celular. Simultaneamente vai ocorrer uma ativação de diferentes sistemas enzimáticos, nomeadamente proteases (...) e fosfolipases (...) resultando na lesão das miofibrilhas e dos fosfolipídios da membrana celular condicionando a formação e libertação de radicais livres e substâncias vasodilatadoras. (...) Após restabelecimento da perfusão sanguínea, na presença de oxigênio há uma amplificação da lesão muscular através da libertação de citosinas e radical livres por leucócitos ativados. (...) Estabelece-se assim uma reação inflamatória miolítica que se auto perpetua e que culmina na morte celular, com libertação das toxinas intracelulares para a circulação sistêmica. Os músculos estriados estão contidos em compartimentos rígidos. Quando os sistemas de transporte de fluído transcelulares (...) falham vai ocorrer edema muscular e aumento progressivo das pressões intracompartimentais condicionando frequentemente lesão e necrose muscular adicionais. Com a perda da integridade celular ocorre a libertação do conteúdo dos miócitos para a circulação. A hipercalcémia, hiperfosfatémia, hiperuricémia, elevação da creatina-fosfocinase e o aparecimento de mioglobina no plasma e urina e o corolário laboratorial da destruição muscular. (ROSA et al, 2005).

 

Mioglobina

 

A mioglobina é uma proteína de baixo peso molecular (...) que é filtrada livremente pelo glomérulo. Tornam-se detectável na urina com concentrações plasmáticas superiores a 300 mg/ml, mas só produz alteração da coloração da urina com concentrações urinárias de 100 mg/dl12. A concentração sérica de mioglobina retorna aos valores normais, 1 a6 horas, após o fim da lesão devido ao rápido metabolismo hepático e à excreção renal.  (   ) A mioglobina tem potencial nefrotóxico, no entanto é necessária a coexistência de mioglobinúria com depleção da volémia e/ou hipoperfusão renal para ocorrer IRA. (ROSA et al, 2005).

 

Causas de rabdomiólise

Uma variedade de condições e doenças podem levar à rabdomiólise, e a lista de causas está constantemente sendo expandida com novos relatos. Esta longa lista é dividida em oito categorias básicas: lesão muscular direta, drogas e toxinas, desordens genéticas causando diminuição na produção de energia, infecções, atividade muscular excessiva, isquemia, distúrbios eletrolíticos, endócrino, metabólico e doenças imunológicas. (...) Atividade muscular excessiva tem sido reconhecida como causa comum e evitável de rabdomiólise. Exercício exaustivo e extenuante, especialmente em homens não condicionados, pode resultar em morbidade maior, com hiperpotassemia, acidose metabólica, coagulação intravascular disseminada, síndrome do desconforto respiratório agudo e rabdomiólise. (UCHOA; FERNANDES, 2003).

As causas mais freqüentes de rabdomiólise são o consumo de álcool, o exercício físico intenso, a compressão muscular traumática e a utilização de determinados fármacos e drogas.

Causas tóxicas: Etanol, metanol, etilenoglicol e isopropanol Heroína e metadona Cocaína, barbitúricos, anfetaminas, MDMA (Ecstasy), LSD Monóxido de carbono, Mordedura de serpentes, aranhas (viúva negra) e abelhas.

A rabdomiólise, como complicação do consumo de drogas, é relativamente freqüente. (ROSA et al, 2005).

 

A cocaína quando inalada é absorvida rapidamente pelos vasos pulmonares e atinge a circulação cerebral em aproximadamente 6 a8 segundos, produzindo intensa euforia; tem meia-vida plasmática curta em torno de trinta a noventa minutos. As maiores concentrações da droga são encontradas no cérebro, no baço, rins e no pulmão. (GAZONI et al, 2006).

 

A utilização da cocaína pode resultar em isquemia de musculatura esquelética, seguida de rabdomiólise, causa importante de insuficiência renal aguda. Um estudo realizado com pacientes usuários de cocaína em um setor de emergência encontrou concentrações de creatinofosfoquinase superiores a 1000U/l. Cerca de um terço destes pacientes podem vir a desenvolver insuficiência renal aguda. Além disso, em amostras de cocaína foram identificados arsênico, estricnina, fenilciclidina e anfetaminas, sustâncias que também podem induzir rabdomiólise. (MALBERGIER, 2006).

 

Manifestações clínicas da Rabdomiólise

A apresentação clínica da rabdomiólise é frequentemente subtil sendo necessário um elevado índice de suspeita diagnóstica. São descritos sintomas e sinais musculares como mialgias, hipersensibilidade, fraqueza, rigidez e contraturas musculares em apenas 50% dos casos. A presença de sintomas constitucionais como a sensação de mal-estar geral, náuseas, vômitos, febre e palpitações, a diminuição do débito urinário e a alteração da coloração da urina (mais escura, castanho-avermelhada), são outros achados da história clínica a ter em consideração. (MADUREIRA, 2011)

Complicações da rabdomiólise

Hipovolémia – A necrose muscular e a inflamação associada vão permitir a acumulação de volumes significativos de fluído nos compartimentos musculares afetados. A expansão do volume do compartimento extracelular é necessária para prevenir o choque, a deterioração da função renal e a hipernatrémia.

Alteraçõe electrolíticas – A hipercaliémia, decorrente da libertação do potássio intracelular e do compromisso da excreção renal, é uma complicação precoce, potencialmente fatal e que requerem uma abordagem terapêutica agressiva que poderá incluir diálise.

A hipocalcémia está associada à acumulação de cálcio pelos músculos necrosados por vezes sob a forma de calcificação ectópica. Os baixos níveis séricos de cálcio, particularmente quando associados à hipercaliémia, podem condicionar atividade pró-arritmíca e convulsiva comprometendo ainda mais a viabilidade funcional e estrutural do tecido muscular.

A hipercalcémia tardia tem acontece em alguns casos de IRA mioglobinúrica. O cálcio acumulado é libertado pelos músculos lesados, com níveis elevados de PTH e Vitamina D durante este período de recuperação, embora estas alterações hormonais não sejam observadas em todos os casos.

A hiperfosfatémia decorre da libertação de fosfato pelo músculo e da sua acumulação após o estabelecimento da insuficiência renal. O fósforo vai formar complexos teciduais com o cálcio, favorecendo a sua deposição tecidual, e suprimir a produção de vitamina D agravando a hipocalcémia.

A hiperuricémia decorre da metabolização hepática dos nucleósidos libertados pelos núcleos dos miócitos e pode contribuir para a acidose metabólica e para a formação de cilindros tubulares.

Acidose metabólica – Caracteristicamente apresenta- se com aniónico elevado. Decorre, numa primeira fase, da libertação pelas fibras musculares destruídas de ácidos orgânicos como o lactato e sulfato.

Síndrome compartimental – (...) A acumulação de fluído e a falência dos mecanismos de drenagem dos compartimentos musculares em lesão muscular traumática, vão condicionar um aumento significativo das pressões intracompartimentais com lesão muscular adicional. Estabelece-se um ciclo vicioso de isquémia, lesão e necrose muscular com aumentos adicionais das pressões nos compartimentos musculares, que só pode ser quebrado com a descompressão cirúrgica (...).

Coagulação intravascular disseminada (CID) – Se da pela libertação de tromboplastina pelas fibras musculares lesadas. A obtenção do tempo de protrombina, do tempo de tromboplastina parcial ativado e do número de plaquetas é fundamental no contexto de rabdomiólise (...). (ROSA et al, 2005).

 

Insuficiência renal aguda (IRA) mioglobinúrica

 

A rabdomiólise é uma causa importante de IRA, representando até 10-15% dos casos. Na IRA mioglobinúrica a elevação da creatinina plasmática é mais rápida e de maior magnitude, quando comparada com outros tipos de IRA. (...) (   ) Há um conjunto de fatores que leva a IRA na rabdomiólise como a elevação da creatinina, potássio e fosfato sérico e a diminuição do nível de albumina, alem da presença de desidratação e sépsis. A mioglobina têm efeitos nefrotóxicos mínimos e necessária a coexistência de hipovolemia, desidratação e acidúria para levar a IRA com vasoconstrição renal, formação de cilindros intraluminais e citotoxicidade directa da mioglobina. O baixo peso molecular da mioglobina permite a sua filtração através da membrana basal glomerular. Na presença de desidratação, vasoconstrição renal e pH urinário acídico vai ocorrer precipitação e formação de cilindros tubulares obstrutivos. A mioglobina vai contribuir para a lesão isquêmica renal com formação de radicais livres, peroxidação lípidica , lesão renale citotoxicidade renal. (ROSA et al, 2005).

 

3.0 Diagnostico para rabdomiolise

 

  • A urina revela cilindros e hemoglobina sem glóbulos vermelhos formados
  • Exame de mioglobina na urina positiva
  •  A urina tem cor de mate e será fita sangue positivo e com ausência de hemácias no exame de urina. A Mioglobina reage na fita como a Hemoglobina, mas no microscópio não existem hemácia
  • Exame de mioglobina sérica positivo
  • Potássio sérico muito alto
  • Creatinina na urina
  • Creatinina
  • Isoenzimas CPK muito alta. (MADUREIRA, 2011; ROSA et al, 2005).

3.1 Outras alterações laboratoriais

• Elevação inespecífica da AST, ALT e LDH;

• Hipercaliémia;

• Hiperuricémia;

• Hipocalcémia.e Hiperfosfatémia;

• Acidose metabólica;

• Prolongamento dos tempos de protrombina, tromboplastina parcial activado e iminuição do n.º de plaquetas;

• Elevação da creatinina e ureia séricas. (ROSA et al, 2005).

4.0 Tratamento

Os principais objetivos da terapêutica são o tratamento de causas específicas de lesão muscular (alterações da temperatura corporal, infecções, toxicofilias, síndrome compartimenta) e a prevenção e tratamento das complicações da rabdomiólise. (...) A hidratação imediata e agressiva pode evitar complicações, pois eliminará a mioglobina do corpo através dos rins. Medicamentos diuréticos como o manitol e a furosemida podem ajudar a eliminar o pigmento dos rins. (   ) Se a produção de urina for insuficiente, pode-se administrar bicarbonato para manter o estado alcalino da urina e ajudar a prevenir a decomposição em componentes tóxicos da mioglobina.

Técnica de diálise – Usada em casos de rabdomiólise grave. (ROSA et al, 2005).

 

5.0 Prognóstico

 

(   ) O prognóstico varia dependendo da extensão e do dano causados aos rins. Na ausência de complicações, a lesão muscular é autolimitada com resolução do quadro em dias/semanas. Ocorre recuperação da função renal na maioria dos doentes que desenvolveram IRA mioglobinúrica, mesmo quando foi necessário o recurso a técnicas dialíticas. (ROSA et al, 2005).

 

Conclusão

A rabdomiólise possui etiologia ampla, incluindo trauma, drogas, musculopatias, defeitos enzimáticos hereditários, hipertermia maligna, infecções e exercício físico excessivo. A manifestação clínica da síndrome pode variar desde a elevação plasmática de enzimas musculares sem sintomatologia, até casos mais graves, com associação de distúrbios hidroeletrolíticos, síndrome compartimental e insuficiência renal aguda.

O diagnóstico precoce é importante para o início de um tratamento obrigatoriamente rápido e agressivo, na tentativa de evitarem-se complicações mais graves, como a insuficiência renal aguda e até mesmo o óbito.

 

Bibliográficas

 

GAMA, Mirnaluci P. Ribeiro et al . Rabdomiólise devido ao uso de estatina em altas doses: relato de caso. Arq Bras Endocrinol Metab ,  São Paulo,  v. 49,  n. 4, ago.  2005 .   Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-27302005000400021&lng=pt&nrm=iso>.

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MADUREIRA, Juliana M.. Rabdomiólise – Manifestações clínicas, causas e diagnóstico. MedPortal – Educação Médica a distância. Rio de Janeiro, 2011. Disponível em: http://www.medportal.com.br/blog/rabdomiolise-manifestacoes-clinicas-causas-e-diagnostico/.

MALBERGIER André. ABP – Associação Brasileira de Psiquiatria, 2006. Complicações Médicas Relacionadas ao Uso da Cocaína. Disponível em: http://www.abpbrasil.org.br/departamentos/coordenadores/coordenador/noticias/?not=139&dep=62.

OLIVEIRA, Leonardo D.. Freqüência de rabdomiólise em pacientes submetidos a tratamento operatório para obesidade mórbida no hospital das clínicas da UFMG. UFMG - Pós-graduação em medicina Área de concentração - clínica médica Disponível em: http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/1843/ECJS-74UJFX/1/leonardo_dornas_de_oliveira.pdf

 

ROSA, Nuno G. et al. Rabdomiólise. Acta Méd Port 2005; 18: 271-282. Disponível em: http://www.actamedicaportuguesa.com/pdf/2005-18/4/271-282.pdf.

 

Rubin , Emanuel, et al. Patologia bases clinico patológicas da medicina. 4. ed.. Rio de Janeiro: ed. Guanabara Koogan SA, 2006.

UCHOA, Ricardo Barreira; FERNANDES, Cláudia Regina. Rabdomiólise induzida por exercício e risco de hipertermia maligna: relato de caso. Rev. Bras. Anestesiol. ,  Campinas,  v. 53,  n. 1, fev.  2003 .   Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-70942003000100009&lng=pt&nrm=iso