Quem era o Padre Luiz Capra? Não sabia, mas foram talvez as primeiras palavras que aprendi a escrever. Era o nome do grupo escolar onde desenhei as primeiras letras. Em todas as folhas de provas as professoras mandavam escrever no cabeçalho: Grupo Escolar Padre Luiz Capra em São Caetano do Sul.  Depois vinha o nome e a data. Tinha vontade de saber quem era essa pessoa que deu o nome ao grupo escolar, que hoje é uma Escola Fundamental e já recebeu a melhor nota por desempenho da região. Perguntei a uma das minhas professoras, mas ela parece que também não sabia direito e disparou que ele havia sido uma pessoa muito importante. Todos ficaram satisfeitos, menos eu. Só depois com a Internet, consegui descobri que se tratava do primeiro vigário de Santo André.

Italiano de Piacenza, o Padre Capra chegou ao Brasil em 1907. Iniciou suas atividades em Ribeirão Pires nas paróquias de Cascalho e Cordeiro em Santo André, mas depois foi para São Caetano do Sul. Ele pertencia à ordem de São Carlos. Ele morreu de repente, aos 39 anos de idade, em 1920 após celebrar uma missa na igreja da Estação São Caetano, que ainda não era uma cidade. Capra ficou famoso pelas suas atividades filantrópicas e por isso foi homenageado com nome de escola.

Quando entrei no grupo escolar o prédio ainda era um projeto e a escola funcionava em três casas na Rua Marlene. . Uma delas ficava no outro lado e lá funcionava a diretoria, uma classe e o dentista. Depois da construção do prédio novo, na mesma rua, onde funcionava o nosso campinho de peladas eu já estava no terceiro ano. Minha primeira mestra foi a professora Edméia, mas por pouco tempo. Foi uma pena, pois eu gostava muito dela. Era simpática, bonita e generosa. Mas parece que por problemas de saúde, ela se afastou. Para substituí-la tivemos a professora Mariana, um pouco mais velha, mas simpaticíssima, mas um pouco mais severa.

No segundo ano veio uma nova professora, Da. Carmem, sobre a qual não tenho  lembranças positivas. Era durona e exigia muita disciplina dos alunos. Como eu andava um pouco relaxado com as lições de casa ela mandou chamar minha mãe para uma conversa. Com isso minha mãe sentava comigo todos os dias para fazer as lições. Ela perdia a paciência com os alunos e muitas vezes jogava os sapatos em direção aos bagunceiros. Felizmente nunca machucou ninguém. Nesse tempo um colega chamado Francisco, com oito anos, sofreu um acidente quase trágico. Ele estava brincando ao lado do caminhão do pai e havia uma bacia cheia de gasolina. Ele sem saber colocou fogo. Ficou com o rosto todo queimado, levando oito meses para voltar às aulas e ficou todo deformado.

A diretora,  Da. Rosa Basile, era uma senhora pequena, sardenta de cabelos bem curtos.  Era durona como convinha a uma diretora. Ser chamado à sala dela era uma sessão de filme de terror que ninguém desejava.  Uma vez, por causa de uma briga com outro menino, lá fui eu com mais três, para recebermos uma bronca da Da. Rosa, episódio inesquecível.  Lembro-me bem que ela comentou que eu parecia ser um menino terrível. Hoje penso que ela tinha razão.

No terceiro e quarto anos mudamos de mestra. Assumiu a classe a Da. Teresa Rami, uma ótima professora. Nesta época já estava mais amadurecido e meu desempenho foi bem melhor. Ela sempre elogiava a minha leitura. Talvez porque eu já gostava muito de ler e não gaguejava tanto como meus colegas. Um dia fiz um desenho de uma mão para uma atividade e ela elogiou muito meu desenho e mostrou para toda a classe. Fiquei orgulhoso e não vi a hora de chegar em casa e contar para minha mãe.

Tive muitos amigos nesta época. Um deles era o Elias Ladislau Pinto, cujos pais batizaram o meu irmão caçula, antes de se tornarem evangélicos.  O Armando Antonio Galante, meu parceiro de carteira, um menino estranho, mas muito bom em cálculos. Talvez ele fosse autista, mas nos dávamos bem e fui a casa dele algumas vezes para fazer trabalhos escolares. Sua letra era simplesmente horrível e quando a mãe dele viu a minha, fez indesejáveis comparações.

Pobre  Armando, acho que ninguém percebeu que ele tinha sérios problemas. Lembro-me também do Mario Corbalan Gomez, um menino bonachão e alegre, que morreu com dezoito anos afogado na represa do Estoril. O Gaspar, um menino ruivo e sempre sorridente,  o Valter Corotti Trigo, que depois fez o ginásio comigo e o Elias. Tinha o Antonio ou Tonico, que já conseguia pentear os cabelos para trás e usava brilhantina. Eu achava o máximo.  Ficava admirando a cabeleira dele, sonhando que um dia teria a minha arrumadinha. Mas meus cabelos eram muito rebeldes e espetados, não havendo como mantê-los assentados. O Tonico virou alcoolista e na juventude o encontrei embriagado num bar do bairro. Outro colega de classe que ficou dependente do álcool foi o Arnaldo, que morreu há alguns anos.  Tinha também o Luiz Canteras, filho do dono do depósito do bairro, que puxou a cadeira que eu iria sentar no dia da formatura.  Sujei meu terno novo e quase parti para as vias de fato. Lembro-me do Vagner Benedetti, cujos pais eram inspetores na escola. Ele era um bom menino que sempre levava uma maçã para a professora e todos tinham muito respeito por ele, afinal os pais dele, Seu Raimundo e Dona Lídia eram poderosos na nossa visão. 

Chegou a formatura, fui de terno azul marinho e gravata borboleta. Alguns foram apenas com a sua melhor roupa.  Depois da missa, dos discursos e do Hino Nacional cantado com a mão direita sobre o peito, encerramos mais um ritual de passagem no Luiz Capra. Minha mãe me levou para a fotografia de praxe na Rua Manoel Coelho e lá ainda encontrei outro colega, o Expedito, o maior aluno da classe, mas pelo que me lembro, não usava esse poder sobre os demais.  O Luiz Capra continuou lá, pertinho de nossa casa de onde ainda se podia ouvir as músicas pelo autofalante para avisar a garotada do bairro que já estava na hora de ir para a escola. Uma delas era versão brasileira de uma antiga música francesa “Sempre aos domingos”, um sucesso na época.