Wanda Camargo* 

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, importante e tratando de questões sérias demais, não poderia ser transformada em mera vitrine ou trampolim de interesses pessoais ou partidários. A nomeação, para sua presidência, de um deputado mais ligado à religião que às grandes questões políticas nacionais, de comportamento sectário - e sobre quem pesam acusações de estelionato -, constitui em escárnio, não apenas para os grupos ofendidos por suas declarações infelizes, mas para todos que legitimam o Poder Legislativo através dos votos e sustentam esta câmara com seus impostos.

Direitos Humanos são os direitos de todos os humanos e, lembrando Rosa Luxemburgo, principalmente os daqueles que pensam diferente de nós. O deputado-pastor tem o direito de acreditar em uma interpretação canhestra e mal intencionada de um trecho do Genesis, que inclusive foi utilizada para justificar a escravidão. Pode ter convicções homofóbicas e divulgá-las; pode exercer o mandato que lhe foi outorgado por mais de duzentos mil eleitores. No entanto, não demonstra preparo e sabedoria para ocupar o cargo que lhe foi presenteado pelo descaso de seus pares, como parte de um legado partidário que ocupa espaço, mas não tem projetos.

O deputado declara-se injustiçado e oprimido por parlamentares que o pressionam a renunciar, dizendo que essas pessoas deveriam “defender o Parlamento – e não abrir um precedente como está sendo feito. Acho muito perigoso”. Na verdade o que está sendo tentado é, enfim, a defesa do Parlamento, ainda que apenas após manifestações ruidosas da opinião pública.

O dirigente dessa comissão não precisa ser neutro ideologicamente, até por isso ser impossível - todos nós temos nossas crenças, certezas, opiniões, manias. Mas tem obrigação de ser equilibrado, aberto, maduro e ter um ideal de busca de justiça. Jamais poderá pensar que aqueles que não partilham a sua fé estão a serviço do mal, muito menos envolver-se em uma “queda de braço” com a população que deveria representar.

O conceito de minorias talvez deva ser repensado, na maior parte dos casos não se trata de grupos minoritários, e sim grupos injustiçados. Inclui-se nisso os negros, que são praticamente maioria populacional em grande parte do país e que estão longe de ter representação econômica compatível com seu número. Os homossexuais, com participação intelectual e financeira importante na sociedade, porém discriminados, ameaçados e agredidos. As mulheres, maioria absoluta, ainda recebendo remuneração inferior à de homens em mesma função e responsabilizando-se, quase sozinhas, pelos cuidados familiares com crianças, idosos, enfermos, além de limpeza e manutenção doméstica.

Grupos numerosos podem não ter representatividade política ou proteção legal - poucos podem ter controle selvagem e cruel sobre muitos. Temos um histórico de dominação pela força, e não pelo conhecimento, uma dificuldade imensa em distinguir a autoridade que não seja exercida pelo medo ou força das armas. Mudar esta realidade só é possível com educação ampla, irrestrita e de qualidade, o que parece distante de ser alcançado.

Nossos representantes, nas várias instâncias da vida pública, são retratos de nossas mazelas, despreparos, preconceitos, ausências de solidariedade. Mas constituem, ao mesmo tempo, os únicos, quando no exercício digno de seus mandatos, com o poder de fato para alterar esta cruel realidade.

* Wanda Camargo é educadora e presidente da Comissão do Processo Seletivo das Faculdades Integradas do Brasil – UniBrasil.