Que pescaria!

                Era tempo de pesca com zagaia, uma lança feita em madeira com a ponta afiada em metal. Dois compadres do Baixo Amazonas, mais precisamente nas cercanias de Santarém, Pará, tinham resolvido pescar. As águas do lago estavam tranquilas e baixas. O tempo quieto. Lá foram os dois. Quem sabe, daria para fazer uma piracaia (farra ou piquenique feito na praia, com muita comida e bebida) no rio Tapajós. Armaram-se e matreiramente vasculharam os lagos de várzea. Vez por outra tomavam um gole da branquinha (não sei por que falam branquinha, se a cachaça é transparente?) para espantar o frio que fazia e aumentar a coragem. Remavam lenta e silenciosamente para não afugentar suas possíveis presas. Aproximaram-se de um pé de castanheira-de-macaco. Atenção: Vocês podem dizer assim. —Se eles estavam remando, como é que se aproximaram de um pé de castanheira? Esse cara está mentindo! Respondo. —Os dois estavam remando dentro de uma mata de igapó. Igapó é aquela floresta que vive constantemente dentro d’água.

                Pois sim. O enorme tronco da castanheira estava a poucos metros da canoa. A luz filtrava por entre as copas densas das árvores. Ficou claro, muito claro. Foi ai que os olhos humanos enxergaram o corpo de um enorme peixe se movimentando, oscilantemente perto deles. Arregalaram a vista, identificaram o peixe. Era um imenso aruanã, parente próximo do pirarucu. Escamas grandes, prateadas, reluzindo na luz difusa. O aruanã, como outros peixes, tem o costume de guardar seus alevinos (filhotes) dentro da boca. (Este detalhe não tem nada a haver com a história). Ali estava ele, bem perto da castanheira-de macaco em busca de seus apetitosos frutos. Nadava onduladamente. Um dos compadres aprumou a zagaia. Puxou a respiração; ao mesmo tempo concentrou pensamento e energia. Lançou a arma mortífera. O outro compadre tomava conta do remo e da direção da canoa. Zuuum! A água ficou por um momento agitada. Os dois abriram a boca. Segundos depois, os músculos finalmente relaxaram. Esperaram e viram que a zagaia tinha atingido o alvo. Aguardaram um pouco mais. Devagar, o remo cortou a água, impulsionando a canoa em direção ao tronco da castanheira. Viram, então, que a zagaia estava presa no peixe. A zagaia, observaram, tinha atingido o aruanã na cabeça e no rabo, ao mesmo tempo! Como? Ao rodear o tronco da castanheira, o corpo do peixe formou círculo e aí ficou fácil para a zagaia atingir a cabeça e o rabo, simultaneamente! Que pescaria!

                Esta história foi-me contada pelo Dionísio, filho do Baixo Amazonas, mais precisamente, Santarém, Pará e um exímio contador de histórias de pescador!