ASPALAVRAS DAS IMAGENS 13

QUASE SOLTAS

(Mais redondilhas - fora de linha - que ilustraram algumas das minhas fotografias, em particular sobre os sítios, publicadas no facebook, durante os últimos meses)

Não olhes só esta cruz

Não olhes só esta cruz!
Vê os campos, vê os montes…

Houve festas,
Muita cor,
E dor, decerto…

Horizontes
Encheram vistas e vidas.
E a pedra dura 
E fiel,
Presente, sem sossegar
Lavrou-os - traço indelével -
Submissa:
Senhor cinzel!

Papoila em S. Sebastião

É como o sangue:
Crepita na papoila!
E tão direitinha, vivaça, em pé,
De si,
Que o vermelho formoso, na corola,
Lembra bandeiras e heróis.
Agradeci…

O tempo corre nas horas

O tempo
Corre nas horas
Paradas
Do meu presente.

Não posso fugir de mim,
Só quando a morte
Se ausente.

Então, já fui.
Não existo.

Porém…
Pertencerei
Ao passado
Que pode ainda ser
Presente
Se alguém me quiser
Lembrado.

Não é a memória
Que é morte:
Faz do passado diferente.
Melhor que regressar a ele
É trazê-lo
Resple(a)nd(ec)ente.

E a eternidade
Onde está?

Ah!
Neste presente
Incessante
Tocá-la, será viver
Em plenitude*
O instante

(* Viver a plenitude do instante pode ser “essa faculdade de reconhecer o todo divino na mais ínfima parcela do universo” N. Berdiaev, O Mal do Tempo.).

“Morte ao Dante”

Quando o Dante, na voz do Gombrowicz,
Cá voltou, na “Morte ao Dante”,
Foi buscá-lo, à conta do verniz
Que deixou. E tão distante!
 
Foi. E se foi, passou.
Já não é?
Ou porque foi, é que ainda 
É e será? 
O Dante vale até...
Seus versos inesquecíveis...
E uma glória que é infinda."

Manikarnika Ghat

Já tem a poalha de ouro, 
a água.
Tão simples!
Ainda o fumo se eleva
no ar que o recebe
fogo de alma,
e as cinzas libertadas,
oh! dispersas,
viajando na corrente,
nave calma, 
lembram o lume que as fez -
ora submersas.
Foram vida. São memória.
São de luz
ali ao perto da frágua.

Bugigangas

Caiu-me
O vento
Em cima.
Nem sei como é que isto foi.
Estava sozinho
E de lira.

Fiquei sem cordas…

E dói
Ficar sem lira
E sozinho.

E o vento
Gira
E vira
Torvelinho.
Que tormento!

(As palavras, o barro das minhas bugigangas)

Em Yuste, na rota do Imperador:

Deixar um tempo de sobra
P’ra ser gasto, tempo ainda,
E com as com as contas tem dia,
Oh! quem puder, não prescinda!

E como é viver completo?
Esse segredo é privado.
Mas se deixas pr’amanhã
Já gastas tempo…escusado.

Mármores do Souto da Casa, em S. Lourenço

Não custa ver
Estes mármores:
Que paz maior pode haver?

Quem neles entra
Sem temer
(Oh! Que fortuna!)
Retira à dor
A tal fama.

Mas creio que as mais das vezes
Quem, afinal, aqui chega,
Não tem, oh Deus, essa sorte!
E o mármore aceita… sem nega.

O mármore, vistoso e forte,
Exige apenas, de perto,
Cobrar limpinho o seu porte!

Memórias e factos

O verso de António Nobre:

“Nasci em Portugal, chamo-me António;
Tenho sido um infeliz…
Um vento de desgraça atirou-me a Paris…”

Direi também:

“Nasci em Portugal, chamo-me António”;
Nem acho que é bestial
Cá onde contra fazer é orgulho original.

Lisboa...

Caravelas e padrões
Há muitos emparedados.
Elas de pau…
Padrões de barro.
E valem tanto p’ra uns
Que os tentam
Meter
Num jarro!

Mas também há quem os veja - 
E jura não ser bizarro –
Pela forma
E p’lo sentido
Serem cinzeiro
E cigarro.

O que se pode entender:
Sendo o passado poalha,
E o jugo coisa para arder,
Há tanta cinza que calha.

Um homem sem qualidades

Um ‘Homem sem Qualidades’:
Ladrão? 
Cobarde?
Vil? 

Não!

Nem figura de romance:
Não goza dessa feição.

Veio ao mundo como os outros.
Igualzinho!
E então essa?!
Já não perdeu nem ganhou
Nem teve qualquer promessa!

Ah!
Mas sabe como é perder
Quando a vida lhe tropeça:
Não usa a asa da sorte:
Retruca logo…
e (re) começa!.

No cruzeiro da Senhora da Luz com um homem sentado

A sombra da cruz,
tão leve,
tem o lugar
no terreiro.

Parte e volta.
Aqui mora.

O homem:
Oh! passageiro!

Paisagem de Monsanto

Casa
cruzeiro
granito.

Oh que paz,
E que sossego
Nos brindam 
Para avivar,
Sem negarem

Ter conchego
Para o repouso ficar.

Há céus e céus… 

Um céu que mete pena

precisa de reboco.

Um céu como que empena,
não engana: não é oco.

Um céu d’ aura serena,
é este e não dá troco.

Um céu suprema cena,
vou à janela: que soco,
pois céu tão belo acena
sem levar a equívoco!

E ainda recama a azeitona.

O céu sorri: que beijoca!