QUANDO VI O IMPOSSÍVEL SE CONCRETIZAR

Maria Eunice Gennari Silva

 

O mundo digital exerce sobre mim um significado com lembranças muito especiais. Tive o privilégio e a oportunidade de conhecer as possibilidades desta “janela para o mundo”, no início de 1994. É claro que, muito antes dos meus primeiros contatos com a realidade virtual, crescia, em outros lugares, o interesse, as pesquisas e estudos para um mundo em transformação rápida e contínua.

Foi, então, com um amigo engenheiro de telecomunicações, astrônomo amador e, também, comprometido com a Educação, que passei a receber informações mágicas. Pelo menos, era assim que eu percebia, naquela época, tudo que ele me repassava a respeito de como já se navegava pelo mundo. Também pudera, havia nesta comunicação notícias sobre troca de impressões, por meio de trabalhos escolares que informavam e formavam pessoas distantes e de diferentes áreas geográficas.

Para cada notícia enviada pelo meu amigo, passava pela minha cabeça, como filme, um outro tempo, espaço e realidade, mas com semelhanças incríveis - as atividades do meu pai, como radioamador (Hobby técnico-científico e um serviço de telecomunicação - Serviço de Amador e Amador por Satélite - praticado em quase todos os países do mundo por pessoas habilitadas e licenciadas pelas autoridades de telecomunicações para a intercomunicação e estudos técnicos sem motivo de lucro). Entre os anos 50 e 60, ver o meu pai, durante horas, frente ao rádio amador, entrando em lugares desconhecidos e conhecidos, longínquos e próximos, despertava em mim a fantasia de sonhar o impossível.

Entretanto, mal sabia que tudo isto seria, tecnologicamente, aperfeiçoado numa tela, com imagem e cores, sem ruídos e sem as dificuldades para fazer chegar uma informação ao seu destino. Mas, mesmo assim, o curioso é que ela sempre acabava chegando, pois contava com as verdadeiras relações de amizade, entre os radioamadores.

Sentada numa poltrona ao lado do meu pai, que conectado e concentrado no seu rádio amador, eu participava daquela comunicação com os ouvidos atentos. Às vezes, a demora para repassar uma informação, principalmente, a lugares distantes (até cidades de outros países), levavam dias. Era uma angústia para o meu pai. E eu sofria por tabela. Mas, quando tudo dava certo, ou seja, a informação chegava ao seu destino, a alegria tomava conta de nós dois. Mesmo que fosse para repassar a triste notícia de um desastre de avião, havia a sensação de missão cumprida e do exercício de cidadania, com responsabilidade. Com apenas 8, 10, 12 anos, ficava claro o quanto era importante, para meu pai, saber que eu tinha compreendido a necessidade de solidarizar-se com pessoas.

Por outro lado, e a título de curiosidade, nesta época, a televisão só passou a fazer parte da minha vida em 1964. Então, o radio amador do meu pai era o entretenimento perfeito, para estimular o meu imaginário de criança e pré-adolescente, que sonhava ver e falar com o mundo.

São lembranças que explicam e justificam a importância do surgimento das Tecnologias de Informação e Comunicação na minha vida profissional, como educadora, a partir do dos anos 90. Animada com as informações do meu amigo, sobre o que acontecia na educação pelo mundo afora e no Brasil, escrevi muito para estimular a implantação de computadores nas escolas municipais da minha cidade.

Um dos textos, intitulado “Uma Escola Presente no Futuro”, foi enviado para o secretário de educação e professores que participavam de um projeto de jornal na sala de aula, em 1995. Por incrível que pareça, registradas numa máquina datilográfica, com muita simplicidade, entre erros e acertos. E o texto abaixo mostra como já estava convicta de que os computadores nas escolas era uma realidade sem volta:

 “O resultado de pesquisas levantadas nos últimos anos, nos mostra a quantidade e a complexidade de informação que o educador precisa lidar. Para tanto, é necessária uma reavaliação pedagógica, mudança de postura no papel do professor e metodologia ousada na coragem de assumir o novo.

A informática já faz parte do cotidiano dos nossos alunos, sejam eles de quais quer classes sociais. Ela está presente nos brinquedos, nos bancos, nos supermercados, nas novelas, enfim na realidade em que vivemos.

O Projeto Correio Educação criou o slogan “A informação ajudando a formar”, fundamentado em quatro objetivos principais: formar o hábito da leitura, senso crítico, criatividade e busca de solução para os problemas apresentados nas matérias jornalísticas. Com o passar do tempo, os jornais que chegam às escolas, tem nos mostrado que o caminho está correto. Ele faz com que possamos sonhar mais longe, ou seja, a utilização do jornal na sala de aula interligado ao uso dos computadores no laboratório de informática da escola.

A possibilidade deste sonho se tornar real faz com que sejam formulados os objetivos iniciais para a implantação de um projeto que começa a nascer, mas conscientes de que trabalharemos completamente fora do estereótipo. A linha convencional dos demais projetos já implantados na escola, jamais poderá ser adotada neste caso específico, pois a intenção é trabalhar dentro de um programa aberto, onde outras ideias, alternativas, sugestões e necessidades serão acopladas no seu devido tempo.

O objetivo, então, é desmistificar o computador, tratando-o como mais um recurso didático/pedagógico e levando o educador e o alunos a buscarem novos desafios. O professor e o aluno vão compreender que a partir da conscientização, eles estarão abrindo uma porta para o mundo através da observação, da prática, da troca de experiências e da ética. O computador vai levá-los a definir, com facilidade e rapidez, o mundo que queremos viver.

A metodologia terá sua forma inicial de trabalho apenas com os professores interessados, assegurando a finalidade de familiarizá-los com a máquina.

A conclusão dizia o seguinte: que colocar computadores nas escolas, para serem utilizados sob orientação de profissionais especializados na área educacional, é o maior e melhor meio para prevenir que o mesmo não caia na função paralisante da Televisão”.

Agora, veja como somos capazes de sonhar, lutar e conseguir. Doze anos se passaram e os computadores, para trabalhar com os alunos, chegaram à escola onde eu atuava, em 2007.

Meu Deus, que loucura!

Hoje, do lado de fora, vejo como erramos, como acertamos e quanto ainda precisamos aprender.

Sem dúvida que, gradativamente, muitos educadores foram utilizando os novos recursos das mídias digitais e junto com os alunos, assim como eu, descobrimos um novo jeito fantástico de aprender e ensinar.

Os anos se passaram e os avanços tecnológicos confirmam que a comunicação não tem barreiras. A evolução das máquinas faz o impossível de ontem, virar a realidade de hoje. Essa transformação rápida e crescente é muito assustadora. E, hoje, aposentada após 30 anos atuando na educação, tenho certeza da necessidade de rever o que se faz com os computadores que chegam às escolas.

Porque, de fato, no universo das escolas públicas brasileiras, ainda não é a maioria dos professores que desenvolve atividades, com pesquisas e reflexões educativas. A realidade na qual convivi havia, no máximo, três profissionais capacitados como laboratoristas. Ou seja, uma para cada turno, atendendo as turmas de cada ano do Ensino Fundamental, uma vez por semana, no Laboratório de Informática da escola.

Infelizmente há uma parte triste desta história. Poucas vezes vi um professor mostrar aos alunos que aprendizagem passa por um processo histórico, ou seja, tudo começa antes, para depois chegar onde estamos. Trocando em miúdos, o aluno acaba acreditando que o computador é uma invenção pensada para atender suas necessidades e que nem precisou de conhecimentos anteriores à sua geração. Muitos desconhecem que, para atender suas necessidades, utilizadas muitas vezes de maneira incorreta, o WhatsApp, por exemplo, passou pelo pássaro, pelo fogo, o tambor, o telégrafo, o rádio amador e tantas outras formas de comunicação.

Ainda cometemos falhas que, necessariamente, não é culpa do computador, mas na forma como lidamos com ele, no uso pessoal e, pior, para ensinar.

Por isso, a intenção é mostrar como nós, dentro da escola, estamos tão próximos uns dos outros mas, na maioria das vezes, não sabemos nem o que o professor da sala ao lado está fazendo. Enquanto isso, já existem escolas trocando informações em continentes diferentes como se fossem vizinhos.

Precisamos que todas as escolas transbordem dos seus muros e transformem suas salas, em aula universal, com educadores atentos aos vícios que vulgarizam e comprometem o uso responsável do computador. A educação é o lugar perfeito para esta aprendizagem. E o educador comprometido na construção de um país com credibilidade e respeito, sabe como informar e ensinar os seus alunos.