A agressividade é uma condição inerente ao ser humano, ela é importante para que consigamos superar as adversidades. Todavia, o código social vai polindo os atos e adequando à civilidade. Com isso, temos condições de conviver sem nos agredirmos uns aos outros. Nossa educação vai aprendendo a controlar os seus instintos e impulsos e é por isso que, por mais raiva que possamos vir a ter, não partimos para a agressão e às vezes, para o assassinato. Em situação de oposição, o que ocorre com os agressores é que eles extrapolam do momento de raiva para o ato de externá-la. É a atitude primitiva, radical, que rebenta como agressão, que explode em violência.
A violência contra as mulheres é o tipo mais generalizado de abuso dos direitos humanos no mundo, apesar de ser também o menos reconhecido. Também não existe somente nos dias de hoje, ela sempre existiu e sempre foi vista com naturalidade. Quanto mais machista a cultura, maior o índice de mortes por parceiros ou familiares, sendo os principais motivos os de ordem doméstica ou conjugal. Não há muito tempo, ocorriam os crimes em "defesa da honra" em que os homens eram até bem vistos por estarem vingando-se pelo fato de terem sido traídos, com o assassinato da mulher.
Essa violência, no entanto, não acontece somente na hora do assassinato, ela muitas vezes vai se alojando silenciosamente na atitude agressiva, na palavra forte e ofensiva, na crítica contundente, no gesto insultante. A violência contra as mulheres adultas e jovens inclui a agressão física, sexual, psicológica e econômica. É conhecida como violência "de gênero" porque resulta, em parte, da condição subordinada que a mulher ainda ocupa na sociedade moderna. Cada vez mais a violência de gênero é vista como um sério problema de saúde pública, além de constituir violação dos direitos humanos. A violência contra as mulheres é o tipo mais generalizado de abuso dos direitos humanos no mundo, apesar de ser também o menos reconhecido.
Existem muitas formas de violência, como existe um grande e diverso número de agressores, mas com as notícias recentes de assassinatos como o de Mércia, Elisa, e tantas outras Marias e Anas, vamos nos ater à violência praticada contra a mulher pelos namorados, maridos, companheiros.
Que o mundo é violento, isso sabemos. O que não esperamos, nunca, é que o agressor seja uma pessoa a quem amamos. Nós, mulheres, temos a ingenuidade de pensar que com amor vamos curar a agressividade, a indelicadeza, o "mau caratismo". Vemos a evolução do beliscão e do puxão de cabelo para o tapa, para a agressividade mais forte como o pontapé, o soco, e o uso de instrumentos que vão do cinto à faca e às armas de fogo. Muitas e muitas dessas histórias anônimas terminam em morte, e, em média, dez mulheres são assassinadas por dia. A maioria vítima de crime passional.
A princípio, vemos as demonstrações de sentimento de posse como ciúme e amor, eles são "homens", têm gênio forte, e nos acomodamos à situação. Um dia, uma palavra feia, machuca, mas perdoamos. No outro, um gesto violento e agressivo, dói, mas perdoamos. Ele manda flores, bombons, um bilhete com palavras carinhosas, nós perdoamos. Ouso dizer até que quase esquecemos. Mas, daqui a pouco vai ser difícil esconder da família e dos amigos, as manchas arroxeadas, os hematomas, os olhos chorosos.
Pior de tudo é a vergonha. Vergonha por aceitar a situação, vergonha por não ter independência suficiente para dar um basta, vergonha por ter errado na escolha, vergonha por amar a quem não merece. A vergonha se instala, mina nossa auto-estima já lesada. E se não houver a quem pedir socorro, a quem nos acuda sem dizer: "te avisei"... Então calamos. E sofremos sozinhas, pelos filhos e com os filhos.
A Lei Maria da Penha veio em boa hora e ajuda muito, mas não basta. É preciso que essas mulheres aviltadas, ameaçadas, sejam ouvidas e recebam ajuda a fim de poderem afastar-se o máximo possível do agressor.
A literatura, a cultura de algum tempo atrás, cultivava a idéia de que a mulher gosta de apanhar. De onde tiraram isso? Da situação de inferioridade em que sempre estivemos? No tempo da vovó, os casamentos duravam quarenta, cinqüenta ou mais anos. As mulheres ainda que reprimidas, agredidas, não se expunham à maledicência alheia. Como não trabalhavam fora do lar, tinham como esconder os maus tratos e a violência doméstica. E, dependentes deles, tinham a necessidade de permanecer ao lado do agressor. Hoje não é mais possível isso. O mundo virou uma taba onde ninguém vive só.
Em pleno século XXI, muitas culturas mantêm crenças, normas e instituições sociais que legitimam e, portanto, perpetuam a violência contra a mulher. Os mesmos atos que seriam punidos se perpetrados contra um empregador, vizinho ou conhecido, com freqüência permanecem impunes quando cometidos contra as mulheres, especialmente dentro de uma mesma família. Enfim, nossa situação continua praticamente, a mesma, continuamos vistas como objetos, como propriedades.
Nos anos 80, após a repercussão de crimes como o que vitimou Ângela Diniz (1976) e Eliane de Gramond (1981), a luta contra a violência que atinge as mulheres tomou um novo impulso: Foram criadas delegacias para a mulher e juizados especiais que passaram a julgar e penalizar, ainda que de maneira branda, como a distribuição de cestas básicas, os crimes contra a mulher.
A luta das mulheres por justiça, entretanto, ganhou força. As leis começaram a ser modificadas, até surgir a Lei Maria da Penha, que trouxe medidas como a prisão em flagrante dos agressores, prisão preventiva decretada por crimes de menor potencial e instauração de inquérito em todos os processos, o que já é uma evolução.
Apesar dos esforços que vêm sendo feitos para a redução da violência doméstica contra a mulher, o número de vítimas, inclusive fatais, ainda é muito grande.
Há quem diga que houve um retrocesso e mesmo que a própria mulher acabou se desvalorizando na medida em que passou a querer ser pura e tão somente objeto sexual, haja vista a proliferação de figuras apelativas (e rebolativas) que a Tv promove. As imagens públicas são de mulheres seminuas e que aceitam apelidos que vão desde "cachorras" até nomes de frutas, legumes e o diabo a quatro, tudo no objetivo de instigar o macho, brincar com a virilidade, apelar para o lado animal. E aí, somos coniventes com a propaganda sexista e com a vulgaridade na mídia.
Continua em vigor a cultura da impunidade e do machismo como se não fossem novos tempos. O que precisa ser feito é, através da educação e de leis mais severas, mudar os hábitos, conquistar o respeito, fazer valer nossa individualidade, para tanto, é preciso denunciar, denunciar sempre o abuso e a invasão de nossos espaços, conquistar a igualdade na sociedade. Só assim a violência deixará de ser invisível e silenciosa, passará a ser uma aberração inaceitável.