QUALIFICAÇÃO DE QUADROS NO ÂMBITO DA MONODOCÊNCIA EM ANGOLA  

Autor: António Paulo José[1]

 

Falar da qualificação de quadros no âmbito da monodocência parece paradoxal, quando partimos da realidade da não existência de escolas ou institutos de qualificação, numa fase em que o presidente da República, João Manuel Gonçalves Lourenço exige qualidade de ensino ao Ministério da Educação. Ora, como qualificar os quadros?

Diante da proliferação de discursos em torno desta temática, notam-se as mais diversas ideias especulativas e sem rigor científico, pois a concretização da mesma não é feita com a proliferação de discursos, mas com a prática das especulações proliferadas.

Actualmente, começam a surtir os efeitos nefastos da referida monodocência, mesmo sem o uso de lupas intelectuais. Porém, os mesmos indivíduos arrependem-se por terem sido afectados pelo “vírus” deste sistema educativo que se ramifica e danifica os organismos intelectuais. A tendência é de retroceder no tempo, mas, como sabemos, será demolida a estrutura e a sua requalificação será difícil, ou mesmo, impossível, partindo do pressuposto que as peças da monodocência, nem todas foram colocadas e, mesmo as colocadas, muitas delas foram em lugares errados e funcionam de forma inversa.

Como se pode ver e sentir os pejorativos efeitos, o sistema foi adoptado por “mimetismo[2]” e que o mesmo não funciona correctamente em terrenos em que o planeamento não é esmerado e é pouco sério; onde a “alétheia” não se faz sentir como tal. As problemáticas desta realidade são múltiplas, pois o terraço está chumbado com argamassa betuminosa.

A qualificação de quadros não pode ser feita pelo treinamento de professores durante muito tempo de trabalho na sala de aulas. Pois, enquanto este fica a qualificar-se durante anos a dar aulas, irá a danificar, desqualificar os seus alunos durante o mesmo período que estiver a leccionar até se qualificar. Sendo eles (os alunos) a maioria, se um desses futuramente for professor, também acontecerá o mesmo, e assim o processo será contínuo e infinito.

Pensamos, pois, que a qualificação de quadros se daria em seu próprio estabelecimento de ensino, antes mesmo do professor começar a leccionar. Assim, teríamos um ensino de qualificação e o processo não seria nem infinito nem de desqualificação dos alunos, pois, “é preciso formar professores de excelência. E atraí-los com remuneração alta. Escola não é passatempo, não é depósito de criança porque os pais estão trabalhando. É o lugar mais importante de um país sério” (Garcia, Alexandre, s.d.).

O que podemos inferir segundo os discursos ornamentados que se têm feito, é que a qualificação é feita pelo tempo de trabalho do professor. E nós podemos afirmar que assim nunca se qualifica um quadro. Outros ainda pensam que com a construção de escolas de formação de professores o problema se aplainará. Mas vejamos: quais são as disciplinas que se leccionam nestas escolas? São exatamente as mesmas que se leccionam na monodocência de forma genérica?

Pois, pode parecer caricato, mas o que é sabido é que existem fracos desempenhos profissionais de muitos professores. Concordando com o professor Donove (2010), no seu texto “ o Fracasso Escolar”, diz: há, hoje, professores que ensinam não por vontade própria, mas por necessidade de sobrevivência e por falta de outras oportunidades de emprego; outros são, claramente, mal preparados e eficientemente corruptos e corruptores. Também professores há que não percebem que o desenvolvimento e a saúde de uma sociedade ou nação depende deles, fundamentalmente.

O argumento acima referido ficou suficientemente explícito e pensamos que o ministério da educação seria um dos mais ricos e rigorosos, ou mesmo, o mais rico e rigoroso; pois, quase tudo parte do mesmo, devendo, assim, investir mais na Educação. Como diz José Mujica: “Vamos a invertir primero en educación, segundo en educación, tercero en educación. Um pueblo educado tiene las mejores opciones en la vida y es muy difícil que lo engañen los corruptos y mentirosos[3]

Agora se nos apresenta uma questão: será que os orientadores, ou melhor, os que estão no leme a dirigir este ministério não veem os defeitos? Com certeza que sabem de tudo, mas tapam com as suas cortinas poderosas e quando experimentam descortinar, os orifícios se alargam, então, preferem não descortinar e esquecer que o baldrame de uma sociedade é a educação.

Depois de diversos prejuízos, quando o aluno chega ao ensino superior, muitas vezes, não consegue superar as suas debilidades. Sem querer, no II ciclo, os professores também reclamam com a frase sonante que todos conhecemos: “o problema é de base”. Se a base estiver mal formada, no II ciclo, acreditamos ser possível ainda corrigir alguma imperfeição, mas isto dificilmente acontece ou é pouco comum. Com esta continuidade, dificilmente teremos uma educação de qualidade como se tem perspectivado.

Antes da implementação da monodocência, pensamos que seria um antídoto a constituição de uma escola de qualificação de quadros, pois os mesmos já estão formados, então, há necessidade de qualificá-los para a monodocência durante um tempo suficiente e com as disciplinas a leccionarem durante o exercício de suas actividades docente, colocando estas mesmas escolas em todas as capitais de municípios ou mesmo de províncias. Assim, o problema não seria infinito, pois, os quadros estariam em constante qualificação depois da formação ou até mesmo formação e qualificação para que não houvesse perca de tempo.

Agora é difícil que isso se efective, porque muitas bases estão demolidas. Uma realidade constatada é que existem professores inseridos no mesmo sistema, mas não aprenderam algumas cadeiras que leccionam e ensinam mal o mínimo que percebem. Outro problema reside na disciplina de Educação musical. Como ensinar música se o docente nunca aprendeu e, às vezes, nem sequer sabe representar uma nota musical? Será que ensinar música é apenas cantar e dançar as já feitas? É isto que temos notado: cantar e dançar as já feitas.

Estamos certos que esta não é a realidade. Pois, o que se deseja é ensinar aos alunos a tocar instrumentos musicais e muito mais. Então, mais um motivo a que nos referimos da construção de escolas para a qualificação de quadros antes de se implementar a monodocência ou mesmo eliminar a monodocência do sistema educativo nacional. Esta seria a solução mais aplaudida, caso se queira realmente uma educação de qualidade, sendo que ninguém sabe tudo. Por essa razão, especialidades são necessárias para que se ensine com propriedade e tenhamos qualidade a que todos aspiram e ouvimos nos discursos.

Quanto a qualificação de quadros, pensamos, agora, que as únicas escolas de qualificação de quadros são as universidades, mas caso os mesmos se apliquem. Outrossim, se estiverem ou forem formados nas áreas certas, isto é, nas que leccionam. Porém, será paradoxal para a monodocência uma vez que são várias as áreas e nas nossas universidades não se seguem as mesmas modalidades.

Consequentemente, aos docentes em exercício, convidamos a aplicarem-se e a desenvolverem o nível de conhecimentos; a qualificarem-se por meio de intensas leituras, investigações e que não esperem a formação para a qualificação de quadros, pois a mesma poderá tardar ou mesmo não chegar. Logo, não há dúvidas que a melhor forma de superar esta debilidade, caso se queira permanecer neste sistema, é a construção de escolas para a qualificação de quadros ou de dupla função: formação e qualificação. Não descartamos a possibilidade da existência de alguns quadros qualificados, mas falamos numa visão geral da qualificação. Basta o esforço de cada um para mudar a realidade. No entanto, o processo de ensino-aprendizagem pode ser mais eficiente se a monodocência for eliminada e voltarmos ao sistema precedente, afinal os seminários que têm sido ministrados não passam de formalidades para se preencherem os relatórios.                                                                                                                           

 

 

 

 

[1] Mestrando em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade Agostinho Neto (FLUAN); Licenciado em Filosofia pelo Instituto Superior Dom Bosco (ISDB) da Universidade Católica de Angola (UCAN). (Julho. 2020).

Contacto: [email protected]  ou [email protected]

[2] Mimetismo, no contexto do texto, tem sentido único de imitação.

[3] “ Vamos investir primeiro na educação, segundo na educação, terceiro na educação. Um povo educado tem as melhores opções na vida e é muito difícil que o corrupto e mentiroso o enganem” (nossa tradução).