‘PSICOPATOLOGIA’ NA SALA DE AULA NA CONTEMPORANEIDADE – UMA VISÃO PSICANALÍTICA 

O saber pedagógico tem, ao longo do tempo, concebido formas diferenciadas da prática educacional. As concepções Humanista, Liberal-Tradicional, Tecnicista e Reprodutivista permeadas pela Concepção Dialética da Educação tornam evidente o comprometimento da ação educativa com alguma perspectiva filosófica ou política, que consciente ou inconscientemente é assumido na prática da ação educativa. Fanoel Messias dos Santos, Especialização em Psicopedagogia. 

A ideia de escrever sobre este assunto vem da angústia que sinto ao desenvolver minhas atividades como docente em uma renomada instituição de ensino superior nos cursos de Administração de Empresas e Ciências Contabéis.

Resolvi tomar o caminho da docência, motivado pelas vivências na área da Administração ao longo de mais de 30 anos de atividades como Administrador e Consultor Organizacional. Esta ultima atividade me levou a encontrar a Psicanálise como teoria e depois como teoria de uma clínica. Para que não se perdessem as experiências adquiridas pela minha formação acadêmica resolvi então, trilhar o caminho da docência.

O mal estar na educação contemporânea encontra-se caracterizado pelas queixas dos professores: perda do desejo de ensinar, adoecimento, insatisfação e desânimo, dificuldades para aplicar os conhecimentos de sua formação e de sua prática, etc. Sintomas estes que foram acolhidos de forma geral na denominada Síndrome de Burnout.

Na outra ponta do processo, a do aluno, encontra-se em grande escala a desmotivação para o aprendizado, a falta de pontualidade, as faltas, as dificuldades de compreenderem as abordagens, alto nível de agressividade, passividade generalizada, as dificuldades para a leitura e compreensão de textos, a ausência de leituras técnicas sistemáticas, tudo isto gerando também angústia tanto neste quanto naqueles primeiros..

Sabe-se que Freud em 1925 no texto “Prefacio a uma Juventude Desorientada de Aichhorn” (1925),afirma que três profissões são impossíveis: educar, curar (psicanalisar) e governar. Esta afirmação ocorre porque em todas elas é possível saber que o resultado será insatisfatório. A maioria dos professores sabe disto mesmo que de modo intuitivo.

Para tornar mais clara esta linha de raciocínio, mergulho na lembrança da minha época dos bancos de universidade no final da década dos anos 60. O Brasil e o mundo passavam por grandes transformações que iam da revolta dos estudantes na França até o início dos governos militares no Brasil. Posso recordar como muitos colegas e eu olhávamos os professores. Eles, mesmo os mais exigentes, eram visto como modelo de profissionais que tinham conteúdo para nos ensinar. Não havia professor ‘bonzinho’. Havia os exigentes e os não tão exigentes. Olhávamos o futuro como algo a ser conquistado para melhorar a vida de todas as pessoas, havia o ideal de liberdade, a busca de um lugar profissional de respeito, enfim eram muitas as bandeiras.

O que acontece com muitos alunos de hoje? O que os motiva? O que querem do futuro? Perguntas que muitos de nós professores nos fazemos e que não encontramos respostas vinda da parte deles.  Como estudioso da Psicanálise, de Freud, Lacan, Miller e de outros psicanalistas, busco ajuda  dos seus saberes para articular algumas respostas.

Sabendo que a Psicanalise é a teoria de uma pratica, farei uso dela para um campo que não é dela, a Educação. Usarei a Psicanálise para ver a Educação com enfoque psicanalítico.

Para responder nossos questionamentos, é possível focar dois tópicos da teoria psicanalítica. Um  é o conceito de transferência e o outro a relação do Ideal de Eu e Eu Ideal.

O conceito de transferência aparece pela primeira vez no texto de Freud, escrito em 1895 “A Psicoterapia da Histeria” e em toda extensão do seu trabalho mostra sua importância na clinica psicanalítica. Em 1920 no texto “Além do Principio do Prazer”, Freud a identifica como permeando as diversas relações do sujeito com o outro.

O viés da transferência em Freud e sua revisão em Lacan, o Sujeito suposto Saber, evidencia a importância deste tópico no processo de aprendizagem.

A aquisição de conhecimento depende da relação do aluno com seus professores e seus colegas, numa referência à relação transferencial que faz com eles, enquanto representantes de seus pais e irmãos....O conceito de transferência designa o processo utilizado pelos desejos inconscientes para, não só na relação analítica, repetir as experiências infantis vividas, agora, como atualidade. Sigmund Freud  “Algumas reflexões sobre a psicologia escolar”  

Onde está o desejo do aluno pelo saber? Todos que estudamos psicanalise sabemos que Freud afirmava em seus três ensaios que a estruturação da atividade intelectual ocorre a partir da atividade sexual. Ele afirma ainda que a “sexualidade” e a “atividade do pensamento” caminham juntas durante a primeira infância e se definem pela relação do sujeito com o saber. Lacan na abordagem do desejo como fator de busca, nos diz que o desejo é, uma questão que busca resposta no campo do Outro, isto é, que faz investir no lugar transferencial do outro.

Os estudos dos conceitos psicanalíticos mostram a ligação essencial entre o desejo do sujeito e seu nível de motivação. Sabemos que o desejo vem de uma falta, e esta falta para produzir o desejo pelo saber está relacionada com a questão “de onde vem os bebes”? Freud chamou de pulsão epistemofílica e que quando inibida ocasiona a suspensão dos investimentos cognitivos, que por sua vez provoca a passagem do desejo de saber para ‘nada saber’. Este acontecimento irá desarmar o surgimento da transferência (sujeito que quer aprender) e deste modo o não acontecer do Sujeito Suposto Saber

O sujeito não é instinto, mas sim cultura e esta, o captura através da linguagem veiculada pela fala.. No âmbito escolar, é o professor que apresenta o saber através de uma fala estruturada pela linguagem. Se está presente no aluno o desejo de aprender esta fala do professor, baseada na transferência tem o Sujeito Suposto Saber ancorando a pulsão do saber, provoca o efeito desejado que é o conhecimento.

Sabemos ainda que segundo Lacan, o recalque originário é o meio através do qual somos inseridos na corrente da cultura e da civilização, quando o Nome do Pai vem interditar o Desejo da Mãe. Esta inserção abre as séries de buscas pelo objeto faltante.

Segundo Lacan (1978), o recalque originário é o processo que introduz o sujeito na corrente da cultura e da civilização, ensinando-o a substituir o real da existência (desejo de ser para a mãe) por um símbolo e uma lei (o pai e a família). Os interditos todos para os quais o homem precisará de um símbolo que os represente pré existem ao sujeito, estão na própria cultura e chegam a ele através da linguagem. Por essa razão, Lacan se refere à ordem do simbólico como algo que constitui o homem. É o homem que, de recalque em recalque, nela se insere. Onde se esconde o  desejo  de aprender do aluno? Ayrton Rodrigues Reis e Orion Penna e Souza

Neste viés é possível afirmar que o recalque ocasionado pela castração é uma primeira condição para a configuração da transferência  (desejo de saber).

De fato, o desejo de saber "o quê o outro quer de mim?" dirige-se ao seu reconhecimento pelo outro, por isso busca saber sobre o desejo do outro. Como sua angústia tem origem na falta que lhe é presente, a castração, a sua busca consiste em saber sobre o próprio desejo, o objeto a. Fanoel Messias dos Santos, A Transferência  e o Fracasso Escolar..

Concordo com um colega psicanalista e também professor quando ele diz que os professores são tratados como mercadoria e que a cada dia o Sujeito Suposto Saber, ou seja, a transferência do aluno para o professor está cada vez mais abalada.

O sujeito pós-moderno, por ser efeito de discurso – e de um discurso que emergiu mediante a queda do pai, ou seja, o discurso capitalista –, é um sujeito para quem o desejo não é falta, senão capricho, vontade de gozo. O desejo do sujeito pós-moderno é vontade de gozo porque o discurso capitalista tem a lógica insensata e feroz do supereu. Mais: poderíamos dizer que o discurso capitalista é o supereu do sujeito “pós-moderno”. Discurso capitalista e supereu articulam-se num mesmo imperativo: “Goza!”, mas não do imperativo da renúncia, como ordenava o supereu “moderno”, e sim de um modo infernal e ilimitado, goza do objeto técnico, do objeto que é efeito do discurso da ciência. Eduardo Riaviz  - Modernidade, pós-modernidade e  fundamentalismo (uma leitura lacaniana)

Qual a diferença entre o ideal do Eu e o Eu ideal dos alunos da década de 60 e os alunos do século XXI? Podemos chamar estes dois elementos de subestruturas do Supereu. Freud referencia a eles no seu texto de 1914, “Sobre o narcisismo: uma introdução”

O eu ideal é, para Lacan, uma formação imaginária, herdeira da imagem de si, que se constitui no Estádio do Espelho. O Ideal do eu é uma formação simbólica que sustenta, autentifica e significa a imagem do eu ideal.  Noutras palavras, o sujeito se identifica, por um lado, com uma imagem (eu ideal) e, por outro lado, esta imagem é significada a partir dos significantes (Ideal do eu) que lhe vêm do grande Outro. Estes significantes que, vindos do Outro, constituem o Ideal do eu, não apenas sustentam, autentificam e significam a própria imagem, senão que também nos dão um “ser” que nos faz formar parte de classes lógicas, de universais. Eduardo Riaviz - Modernidade, pós-modernidade e  fundamentalismo (uma leitura lacaniana)

 

Os anos 60 foram marcados por ideias de liberdade e participação. Podemos ver neste viés que o sujeito daquela época tinha uma bandeira, na qual acreditava e por isto sacrificava muitos desejos para ver seu ideal atingido. Ele estava sob a égide do desejo no sentido de buscar um mundo melhor. O sujeito de hoje, por estar imerso no discurso capitalista, está fascinado pelos objetos técnicos e com ele goza.

Na pós-modernidade, com a queda do pai, não só nos deparamos com o retorno dos particularismos, excluídos pela lógica moderna, senão que também nos encontramos com uma ordem que não dispõe do universal moderno para incluir excluindo as diferenças. Portanto, o único recurso que esta nova ordem encontra para se preservar é a segregação do diferente, e a única “lei” de ferro que a garante ela a encontra no campo de concentração.[1] Isto não impede que, além da segregação contemporânea e os muros que a defendem, surjam vozes em defesa dos direitos humanos. Mas o paradoxal destas vozes é que não sustentam o direito a um gozo Outro, senão que exigem uma justiça distributiva do objeto técnico. O imperativo que os comanda é gozo para todos, mas gozo extraviado no objeto técnico. . Eduardo Riaviz - Modernidade, pós-modernidade e  fundamentalismo (uma leitura lacaniana)

 

Vivemos em tempos caracterizados pelos excessos, onde o gozo toma o lugar dos ideais , das bandeiras. Ser professor ‘educado’ na escola antiga, a do esforço na busca dos objetivos em longo prazo, é difícil, pois temos uma juventude ‘educada’ na escola das facilidades e do não esforço. Pode-se perguntar qual a saída para os professores para conter suas angústias e suas questões? Será que existe resposta para estas questões?

Ernesto Friederichs Mandelli

 

 

 

 

 

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DOR, J. Introdução à leitura de Lacan: O inconsciente estruturado na linguagem. Tradução de Carlos Eduardo Reis; Supervisão técnica da tradução de Cláudia Corbisier, Porto Alegre: Artes Médicas, 1989. 203 p.

_______. Introdução à leitura de Lacan: Estrutura do sujeito. Tradução de Patrícia Chittoni Ramos; Supervisão técnica de Francisco Franke Settineri, Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1995. 2v. 258 p.

FREUD, S. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

REIS, AYRTON REIS, et all. Onde se Esconde o Desejo de Aprender do Aluno. Available from: http://www.ufsm.br/lec/01_01/Ayrton-OrionL5.htm. Acess on:01 NOV 2011.

SANTOS, Fanoel Messias dos. A transferência e o fracasso escolar. In: COLOQUIO DO LEPSI IP/FE-USP, 5., 2004, São Paulo. Available from: <http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC0000000032004000100026&lng=en&nrm=abn>. Acess on: 30 OUT. 2011

RIAVIZ, Eduardo - Modernidade, Pós-Modernidade e  Fundamentalismo (Uma Leitura Lacaniana).