PSICODINÂMICA DO TRABALHO
Por Rita Cardoso | 08/03/2010 | PsicologiaPONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Instituto de Psicologia
PSICODINÂMICA DO TRABALHO: Uma reflexão sobre o sofrimento laboral e os mecanismos de defesa do trabalhador
Laryssa da Silva Rocha
Rita de Cássia Cardoso
Arcos - MG
2009
LARYSSA DA SILVA ROCHA
RITA DE CÁSSIA CARDOSO
PSICODINÂMICA DO TRABALHO: Uma reflexão sobre o sofrimento laboral e os mecanismos de defesa do trabalhador
Monografia apresentada ao programa de Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, campus Arcos, como requisito parcial para obtenção de notas na disciplina Trabalho de Conclusão de Curso II.
Orientador: Daniel Reis.
Arcos – MG
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LISTAS DE SIGLAS
CIPA – Comissões Internas de Prevenção de Acidentes do Trabalho
CNST – Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador
OCT – Organização Científica do Trabalho
OIT – Organização Internacional do Trabalho
OMS – Organização Mundial de Saúde
SM&T – Saúde Mental e Trabalho
O presente trabalho tem como objetivo estudar os mecanismos de defesa
na perspectiva da Psicodinâmica do Trabalho e sua relação com a saúde
do trabalhador. Tal questão proposta surgiu do interesse das autoras de
unir as duas ênfases, Psicologia da Saúde e Psicologia do Trabalho, bem
como por se tratar de um assunto ainda recente e pouco discutido no
âmbito acadêmico. O estudo foi realizado a partir de pesquisa de
revisão bibliográfica, através de livros, artigos científicos e
periódicos, que possibilitaram o aprofundamento de nosso tema. Com
breve percurso acerca da Psicologia do Trabalho, destaca-se as três
faces da mesma desde sua origem até os dias de hoje. A seguir,
aborda-se as relações existentes entre Saúde e Trabalho e também a
Concepção de Saúde Ocupacional, sob o ponto de vista da organização e
do individuo trabalhador. Contudo, o foco principal é a passagem da
Psicopatologia do Trabalho à Psicodinâmica do Trabalho, esta,
influenciada pela Psicanálise, com a finalidade de melhor conhecer os
mecanismos de defesa do trabalhador e as estratégias coletivas de
enfrentamento do sofrimento laboral. Ao final, se promoverá uma
reflexão acerca da relevância da prática Psicodinâmica no trabalho.
Palavras Chave: Psicodinâmica do Trabalho, Psicanálise, Mecanismos de
defesa
INTRODUÇÃO
Com o título de "Psicodinâmica do Trabalho: Uma reflexão sobre o sofrimento laboral e os mecanismos de defesa do trabalhador", pressupõe-se que o sujeito trabalhador constrói mecanismos de defesa para se proteger do sofrimento no âmbito organizacional. Assim, através da pesquisa de revisão bibliográfica, torna-se possível a analise de diversas obras referencias sobre o tema, retirado de livros, artigos científicos e periódicos, procurando identificar a maneira com que a Psicodinâmica do Trabalho percebe este sofrimento advindo das condições laborais.
Com a junção das ênfases, Psicologia da Saúde (cursada por uma das pesquisadoras) e Psicologia do Trabalho (cursada pela outra pesquisadora) realiza-se tal estudo, que une duas visões diferentes do indivíduo trabalhador. De um lado a concepção de que o sujeito traz consigo uma carga de expectativas da infância, ansiedades e a necessidade de realização pessoal, e de outro lado, a visão do sujeito no contexto de relações intersubjetivas, onde este afeta e é afetado pelo seu meio. Têm-se a visão clínica e social do individuo trabalhador.
Este trabalho busca a expansão do conhecimento desta área considerada pequena ainda nos dias atuais, que envolve algo de grande importância, que é a Saúde do Trabalhador, contribuindo para uma visão mais global do sujeito.
Em nosso primeiro capítulo iremos relatar brevemente o percurso da Psicologia do Trabalho. Com isso selecionamos os aspectos mais representativos ao longo da história, desde o seu surgimento até os dias de hoje. Com destaque às três faces da Psicologia do Trabalho, que nos mostra de maneira "sutil" todo o caminho percorrido por esta ciência no âmbito organizacional.
No segundo capítulo se faz necessário conhecer as concepções que considera-se mais importante acerca do conceito de Saúde e de Trabalho, bem como as interfaces presentes entre ambos, possibilitando assim, significativo entendimento sobre os mesmos. Percebe-se aqui, o quão importante são as definições desses conceitos, visto que é a partir deles que se pôde elaborar com maior nitidez o caminho até a Psicodinâmica.
O principal enfoque deste estudo, como citado anteriormente é a chamada Psicodinâmica do Trabalho, criada por Christophe Dejours em 1983. Com raízes na Psicopatologia do Trabalho, a Psicodinâmica deixa de lado o antigo conceito advindo da Psicopatologia, a partir do momento em que Dejours passa a perceber através de suas pesquisas de campo, que Saúde Mental e Trabalho, vão muito além de um simples viés patologisante. Sendo assim, este autor parte para o estudo da normalidade do trabalhador, visando à integração entre os indivíduos e as organizações, o que será abordado em nosso terceiro capítulo.
Nos dias atuais, falar do que se considera normal ou anormal, tornou-se o assunto, que, mais do necessário para o entendimento de variáveis fatores em nossa sociedade, abriu espaço para o surgimento de diversas pesquisas em torno desses conceitos, o que possibilitou destaque a diferentes abordagens teóricas acerca da normalidade (humanista, comportamental e sociologias, por exemplo). Porém, neste estudo, leva-se em conta o fato de que Dejours ao criar a Psicodinâmica do Trabalho, traz inserida na mesma, questões decorrentes da Psicanálise, devido ao fato de ser esta a principal corrente teórica seguida pelo autor. Buscaremos então, no quarto capítulo discorrer sobre a relação existente entre Psicanálise e Psicodinâmica do Trabalho.
Finalmente no último capítulo, para investigação da problemática, iremos conhecer as modalidades de intervenção da Psicodinâmica do Trabalho, tecendo considerações sobre o sofrimento, a consequente carga psíquica e os mecanismos de defesa que o trabalhador elabora para se proteger do sofrimento laboral, como forma de descarga psíquica.
Acredita-se que esta pesquisa possa acrescentar conhecimento acadêmico aos estudos nas áreas que envolvem Psicologia, Saúde, Trabalho e principalmente ao que se refere Psicodinâmica do Trabalho, servindo como referência para expansão de tal abordagem, cuja importância é considerada extrema nos dias de hoje.
1 Contextualização histórica
Faz-se necessária a elaboração da contextualização histórica da Psicologia do Trabalho, devido ao fato da mesma se encontrar "simbolicamente" dividida em três faces: Psicologia Industrial, Psicologia Organizacional e Psicologia do Trabalho; como sugere Sampaio (1998). Considera-se de grande importância o estudo do caminho percorrido por esta ciência até a chegada aos dias atuais.
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1.1 Breve histórico do percurso da Psicologia do Trabalho
A primeira face da Psicologia do Trabalho, a Psicologia Industrial, foi fundada por Walter Dill Scott entre os anos de 1902 e 1909 e adotada por Hugo Munsterberg no mesmo período. Este, a partir de pressupostos advindos de Frederick Winslow Taylor (considerado o "Pai da Administração Científica), transformou o debate sobre eficiência num conjunto de princípios e técnicas, segundo as quais o importante era produzir, à medida que acreditava-se que tudo que fosse produzido seria consumido. Taylor visava a eficiência a partir das capacidades e habilidades individuais, que o mesmo considerava na época, onde os indivíduos realizavam algo prescrito, já estabelecido, pois acreditava que havia uma "única e melhor forma" de rendimento no trabalho (SCHULTZ e SCHULTZ, 1981).
Voltada para os interesses das organizações, a Psicologia da década de 20 tinha como principal objetivo selecionar candidatos a emprego para então, colocar a pessoa certa na função certa. No que se refere a orientação vocacional, a mesma era baseada em testes e estudos sobre as condições de trabalho, e visava sempre o aumento da produtividade(SCHULTZ e SCHULTZ, 1981).
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Taylor elaborou a lei da fadiga, que procurava medir o quanto o esforço influenciava na produtividade dos empregados.
O campo de estudo aumentou em 1927 com as pesquisas sobre o significado do trabalho, motivação e relações organizacionais e interpessoais, realizadas na fábrica de Westren Eletric em Hawthorne, Illinois, próximo a Chicago, de 1924 a 1932, pelo professor George Elton Mayo. Tal pesquisa tinha como objetivo explicar a influência do ambiente de trabalho sobre a produtividade dos trabalhadores, isto é, o efeito do ambiente físico, como por exemplo, iluminação e temperatura, sobre o desempenho do indivíduo. Segundo Araujo(2004) esse experimento durou quatro anos e foi dividido em quatro partes que são: Teste da iluminação sobre o rendimento dos operários; sala de teste de montagem de relés; programa de entrevistas e; sala de observações de montagem de terminais. Porém, nesta experiência foi verificado que a produtividade estava atrelada às relações humanas e não a fatores ambientais, como esperavam os psicólogos e o gerente da fábrica, devido a pouca relevância dada ao ambiente físico e o destaque às "condições sociais e psicológicas do ambiente de trabalho". A partir de então, esse campo passou "da seleção e colocação, para problemas mais complexos, envolvendo relações humanas, motivação e moral" (SCHULTZ e SCHULTZ, 1981, p. 206). Dessa forma, a Psicologia começa a expandir sua atuação, porém ainda utilizando os indivíduos enquanto recursos para gerar lucros, ao mesmo tempo em que avançam os estudos sobre motivação, comunicação e comportamento de grupo.
A Psicologia e a Administração incorporam as idéias de Taylor. A afirmativa de Munsterberg, citado por Schultz e Schultz (1981, p.200), de que a "a melhor maneira de aumentar a eficiência no trabalho e assegurar a harmonia no local de trabalho consistia em selecionar trabalhadores para funções adequadas às suas capacidades mentais e emocionais," foi anexada ao pensamento administrativo e ao taylorismo.
Durante a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, um grande número de psicólogos passou a se envolver diretamente com os devidos esforços, e, assim como "na Primeira Guerra, suas principais contribuições foram os testes, a avaliação e a classificação de recrutas (...) identificando pessoas capazes de dominar essas aptidões e produzir o aperfeiçoamento dos procedimentos de seleção e treinamento" (SCHULTZ e SCHULTZ, 1981, P.206). Essas especificações criaram na Psicologia Industrial uma especialidade que recebeu múltiplas denominações, como por exemplo: Engenharia Psicológica, Engenharia Humana, Engenharia dos fatores humanos e Ergonomia.
Em momento algum se deixa de lado o fato da grande relevância dada aos movimentos que marcaram o desenvolvimento da Administração enquanto ciência, principalmente a Organização Cientifica do Trabalho (OCT), proposta por Taylor, no que se refere à história da Psicologia do Trabalho. Porém é importante ressaltar o quanto este segmento influenciava negativamente o desenvolvimento da subjetividade dos indivíduos, visto que o mesmo buscava eliminar a identidade do trabalhador dentro do contexto laboral (o que de acordo com o tema de pesquisa proposto neste trabalho, acarretaria não apenas em stress físico e mental, como também em sofrimento psíquico).
Uma vez criada a Psicologia Industrial, surge a Psicologia Organizacional, a segunda face da Psicologia do Trabalho, à medida que "os psicólogos deixaram de estudar apenas os postos de trabalho para contribuir também na discussão das estruturas da organização" (SAMPAIO, 1998, P.23). Para o autor, a Psicologia Organizacional não foi uma ruptura com a Psicologia Industrial, "foi uma ampliação do seu objeto de estudo", já que os psicólogos continuaram focados no problema da produtividade das empresas. O sujeito trabalhador ainda era tomado como simplesmente adaptável à indústria. A Psicologia Organizacional continuou os estudos sobre treinamento, não apenas com a visão de capacitação para o trabalho, mas também com o desenvolvimento de recursos humanos, incorporando propostas dos autores estruturalistas e sistêmicos da Administração (SAMPAIO, 1998).
Ramos citado por Sampaio (1998, p.26) descreve a Psicologia Organizacional como uma "tecnologia de persuasão para aumentar a produtividade"; descrevendo diversas críticas relacionadas, a fragmentação que trouxe o empobrecimento das tarefas, estando a Psicologia colocada para diminuir as conseqüências da industrialização da década de 50 e aumentar a eficácia, o desempenho, bem como a produtividade e o rendimento. O autor afirma ainda que esse "caráter instrumental" da Psicologia Industrial desencadeou um processo de mudança dentro de tal disciplina.
Os primórdios da Psicologia do Trabalho, considerada então a terceira face, se revela na década de 70, na qual a escola Contingencialista de Administração procura estudar a relação dos efeitos do ambiente externo e da tecnologia no âmbito organizacional, trazendo resultados mais descritivos, aplicativos e críticos, e não meramente prescritivos. Ou seja, dá-se início a uma preocupação com a subjetividade do indivíduo e suas vivências no campo do trabalho. É diante dessas polaridades, subjetividade versus objetividade, que pode se dizer que a Psicologia do Trabalho se encontra "balizada" pela evolução da Administração (SAMPAIO, 1998).
Segundo Lancman e Uchida (2003, p.81) os anos 80 e 90 são repletos de experiências que demonstram cada vez mais a importância das pessoas no contexto organizacional, o que levou ao surgimento de "novas leis e novas relações entre Capital e Trabalho".
A partir de então a busca exclusiva pela produtividade dá espaço a uma compreensão do sujeito trabalhador, "e de todos os significados e manifestações que o trabalho humano traz", como afirma Lima citado por Sampaio (1998, p.27). Assim, o que era "visto como funções ou sistemas das organizações passam a ser concebidos como políticas" (SAMPAIO, 1998, P.27). O autor também descreve o que era considerado fixo e indispensável passando a ser concebido como ações de grupos sociais nas organizações. Isto é, as pessoas deixam de ser vistas apenas como recursos e passam a ser "parte" da organização. Cria-se a possibilidade da participação dos indivíduos na construção de seu local de trabalho e na elaboração de metas e objetivos visando o trabalho que é desenvolvido e não apenas o que fora prescrito.
Com as novas formas organizacionais, ao mesmo tempo em que abre um espaço à valorização da subjetividade humana, Lancman e Uchida (2003, p.81) atestam a preocupação em formar esse novo homem, visto que "estão mais preocupados com os processos e mecanismos psíquicos que explicam um determinado comportamento e sua mudança" do que com o indivíduo em si.
De fato percebe-se que o interesse das organizações e tamanha importância dada ao fator humano no ambiente de trabalho, ainda nos tempos de hoje, visa especificamente à lucratividade. Porém conseguimos distinguir o grande avanço obtido após a Abordagem das Relações Humanas que notou a necessidade de maior atenção ao individuo devido a grande influência do mesmo nos locais de trabalho.
O principal autor que será citado neste trabalho de pesquisa, Christophe Dejours segundo Lancman e Uchida (2003), critica em vários textos de sua obra a relação estabelecida com as novas formas de trabalho, onde o mesmo compara a situação atual das empresas à "uma nova Guerra Mundial com todas as conseqüências de tal fato" (LANCMAN E UCHIDA, 2003, P.81).
apesar da dura crítica, em seu trabalho com relação às instituições e organizações, Dejours caminha na direção oposta de seu ceticismo. No seu dia a dia como pesquisador e psicodinamista produz conceitos, teorias e metodologias que criam esperanças de que a realidade possa ser diferente, ou seja, modificada. (LANCMAN E UCHIDA, 2003, P.82).
É este o sentido que desperta tamanho interesse e que leva a percorrer todo o trajeto da história da Psicologia no contexto laboral e sua interação com a saúde, procurando a compreensão da Psicodinâmica do Trabalho e suas principais considerações.
2 Concepções acerca da relação Saúde e Trabalho
Minayo-Gomes e Thedim (1997) afirmam que desde a antiguidade já se constatava a relação existente entre trabalho e saúde/doença. Seguindo então a corrente Psicodinâmica do Trabalho, deixaremos de lado o fator doença, pensando somente no fator Saúde e Trabalho.
2.1 Saúde
Para dar início a este capítulo, procura-se definir o conceito de Saúde segundo a definição mais difundida que é a encontrada na Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS) e destacar também alguns contrapontos que a mesma traz à tona nos dias de hoje.
Segundo dados do site da Organização Mundial da Saúde [s/d] a mesma é uma agência especializada em saúde, fundada em 7 de abril de 1948 e subordinada à Organização das Nações Unidas. Sua sede situa-se em Genebra, Suíça, e suas origens advêm das guerras iniciadas no início do século XIX. Segundo a sua constituição, a OMS tem por objetivo desenvolver ao máximo possível o nível de saúde de todos os povos. Quando a OMS foi criada, havia uma preocupação em traçar uma visão positiva de saúde, que incluiria fatores como a alimentação, atividade física, acesso ao sistema de saúde etc.
Ao analisar a evolução dos conceitos da palavra "saúde", remete-se o fato da visão do mesmo, ser entendido apenas como o estado de não-doença. Tinha-se o médico que atuava como agente de saúde e a principal centralização era a patologia em si. A partir de então passou-se a perceber a fragmentação de tal prática devido a necessidade de se obter novos conhecimentos e desenvolver novas habilidades, o que levou a ampliação das especialidades dos profissionais de saúde. Com tudo, é importante ressaltar que com a fragmentação da medicina ocorre fatalmente a fragmentação do sujeito, pois muitas vezes o que se destaca é a parte doente e não o todo, isto é, deixa-se de lado o sujeito que sofre (SEGRE E FERRAZ, 1997).
A atividade ambulatorial se somou às desenvolvidas em ambientes hospitalares e desta integração surgiu a noção de sistema de saúde. À doença física foi agregada a fatores psicossociais, reconhecidos como causas de doenças. Deu-se então a definição de "saúde como não apenas a ausência de doença, mas como a situação de completo bem-estar físico, mental e social" (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, S/D). O "bem-estar social" da definição dada à época surgiu com base em uma preocupação com a devastação causada pela guerra, assim como a esperança em relação à paz mundial; algo meramente situacional, por tanto, insuficiente. (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, S/D).
Contudo, a definição atual de saúde como estado de "completo bem-estar" é considerado ultrapassado, por, além de idealizar o conceito de saúde, pensa-se em algo inatingível sem fazer distinção entre o físico, o moral e o social. Freud citado por Segre e Ferraz (1997) afirma que
quando se pensa em algo completo e perfeito, denota-se algo impossível para um indivíduo dentro da civilização, que passou a existir quando os homens fizeram um pacto entre si, pelo qual trocaram uma parcela de sua liberdade por um pouco de segurança. Desta forma, a própria organização social e a condição da existência do homem em grupos baseiam-se em uma renúncia que, ainda que assegure ao indivíduo certos benefícios, gera um constante sentimento de "mal-estar". (SEGRE E FERRAZ, 1997, p.539).
A segunda definição mais citada do que seria saúde é também da OMS (mais especificamente do Escritório Regional Europeu) e diz:
a medida em que um indivíduo ou grupo é capaz, por um lado, de realizar aspirações e satisfazer necessidades e, por outro, de lidar com o meio ambiente. A saúde é, portanto, vista como um recurso para a vida diária, não o objetivo dela; abranger os recursos sociais e pessoais, bem como as capacidades físicas, é um conceito positivo (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, S/D).
Deste modo, concorda-se com a afirmação de que "saúde é um estado de razoável harmonia entre o sujeito e a sua própria realidade" o que se enquadra ao raciocínio da Psicodinâmica do Trabalho, no que se refere à afirmativa de que o objetivo não é a eliminação do sofrimento, mas sim a potencialidade deste.
2.2 Trabalho
Segundo o Dicionário Brasileiro Globo (1952), a palavra Trabalho vem dotada de diversos significados, dentre eles estão, "aplicação da atividade física ou intelectual; esforço, tarefa; serviço; fadiga; labutação; atividade humana aplicada à produção da riqueza"; entre outros.
De acordo com o site oficial da Organização Internacional do Trabalho (OIT) [s/d],
a idéia de uma legislação trabalhista internacional surgiu como resultado das reflexões éticas e econômicas sobre o custo humano da revolução industrial. A OIT foi criada pela Conferência de Paz após a Primeira Guerra Mundial. A sua Constituição converteu-se na Parte XIII do Tratado de Versalhes. As raízes da OIT estão no início do século XIX, quando os líderes industriais Robert Owen e Daniel le Grand apoiaram o desenvolvimento e harmonização da legislação trabalhista e melhorias nas relações de trabalho. (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, S/D).
A criação de uma organização internacional para as questões do trabalho baseou-se em argumentos humanitários, políticos e econômicos. Assim, no ano de 1998, após o fim da Guerra Fria, foi adotada a Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho. "O documento é uma reafirmação universal da obrigação de respeitar, promover e tornar realidade os princípios refletidos nas Convenções fundamentais da OIT do ano de 2002" (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, S/D).
Desde 1999, a OIT trabalha pela manutenção de seus valores e objetivos para permitir a continuidade do processo de globalização através de um equilíbrio entre a eficiência econômica e promoção social. (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, S/D).
a OIT funda-se no princípio de que a paz universal e permanente só pode basear-se na justiça social. Fonte de importantes conquistas sociais que caracterizam a sociedade industrial, a OIT é a estrutura internacional que torna possível abordar estas questões e buscar soluções que permitam a melhoria das condições de trabalho no mundo. (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, S/D)
O fenômeno "trabalho", no sentido geral, significa realizar uma obra que expresse resultados e traga reconhecimento social. Há quem concorde que o trabalho é sinônimo de esforço rotineiro e repetitivo, de resultado consumível e incômodo inevitável, dividindo os esforços em físico e intelectual nem sempre na mesma dosagem (ALBORNOZ, 1986).
J. Bruner citado por Yves Clot (2006, p.69) ao afirmar que o trabalho é "a atividade mais humana que existe", envolve a subjetividade do trabalhador, o seu suposto saber e a relação entre ambas, o que irá remeter aos chamados trabalho prescrito e trabalho real.
Passa-se a perceber o que hoje é visto como trabalho prescrito e trabalho real a partir do reconhecimento de que há um espaço onde o saber é necessariamente colocado em prática, nota-se o trabalho concreto, isto é, as modificações das atividades feitas pelo sujeito, o que realmente é realizado (SANTOS, 1997). No mesmo ano, Clot é citado por Santos (1997) ao que se refere
a indeterminação operatória, a fluidez das atribuições, a opacidade remete o sujeito a ele mesmo para alcançar resultados que permanecem não somente prescritos mas, além disso se estendem ao sistema inteiro. Ora, se fixar objetivos, fazer escolhas, antecipar e reagir opõe o sujeito a ele mesmo: e isto muito mais do que executar ou cumprir uma tarefa visível e prescrita (CLOT et al. 1989, p.58).
Segundo Dejours, Abdoucheli e Jayet (1993, p.24) o indivíduo carrega consigo todo um contexto histórico que consiste em características únicas e pessoais, e no contexto do trabalho, este não aparece como uma máquina programada para fazer o que lhe é prescrito. O trabalhador imprime sua marca no trabalho,
Lancman eUchida(2003) criticam o posicionamento das organizações no que se refere a algo herdado desde o taylorismo até os dias de hoje, que é a violação da subjetividade dos indivíduos no ambiente de trabalho. Inspiradas na Psicodinâmica do Trabalho, as autoras afirmam que o trabalho é uma ação que depende da organização e que pode impedir o indivíduo de pensar esta mesma ação, gerando uma limitação.
Nos dias atuais surge a necessidade da conscientização de que a organização de trabalho é construída através de "negociações entre quem organiza e quem o faz". E isso ocorre devido às grandes e rápidas modificações que estão ocorrendo no mercado e no ambiente de trabalho. "As instalações mudam, o mercado muda, o cliente muda, as relações de trabalho mudam e transformam a qualidade do trabalho". (LANCMAN E UCHIDA, 2003, p. 87).
se o trabalhador é capaz de pensar o trabalho, de elaborar essa experiência ao falar, de simbolizar o pensamento e chegar a uma interpretação, ele tem a possibilidade de negociar, de buscar um novo sentido partilhado, de transformar e fazer a organização do trabalho evoluir.(LANCMAN e UCHIDA, 2003, P.87).
E para Dejours
cada incidente ou acidente conduz, com efeito, à elaboração de uma nova instrução ou de um novo regulamento que vem se somar aos precedentes. De forma que, com o tempo, leis, regulamentos, regras e instruções se tornam cada vez mais complexos e inevitavelmente contraditórios. De tal forma que é impossível trabalhar se quisermos respeitar todas as instruções. Supondo organizar o trabalho, as prescrições da organização do trabalho conduzem às vezes a desorganizá-lo (DEJOURS, 1992, p. 07).
A partir da fala do autor, percebe-se a relevância de uma prática voltada para as vivências do sujeito em seu ambiente de trabalho, pois é em tal rotina que o trabalhador se auto-afirma enquanto pessoa e se projeta para a vida social.
2.3 A Concepção de Saúde Ocupacional
O grande avanço na relação existente entre trabalho e saúde/doença aconteceu na época da Revolução Industrial na qual havia longas jornadas de trabalho em ambientes desapropriados às atividades trabalhistas. Segundo Minayo-Gomez e Thedim (1997) no princípio buscava-se diagnosticar a doença e seus agentes causadores e, enfim, medicalizar. Com o tempo percebe-se que somente isso não bastava. Passou-se, então, a perceber a doença do trabalho avaliada através da medicina e de fatores ambientais, como um conjunto de fatores que arriscam a saúde do trabalhador, ou seja, os contextos sociais, junto com as relações de produção, são vistos como possíveis causadores de danos à saúde. O autor caracteriza o fator saúde/doença do trabalhador como multicausal, pelo fato de deparar-se cada vez mais com situações e doenças ocupacionais diferentes e decorrentes da exposição dos trabalhadores a diversos riscos.
As mudanças ocorridas no ambiente de trabalho, a princípio, visam exclusivamente ao aumento da produtividade e não exatamente ao bem-estar do trabalhador. Como exemplo, Dejours, Abdoucheli e Jayet (1993) descrevem o interesse em melhorar o ambiente de trabalho, como direcionado em primeiro lugar ao desenvolvimento das empresas. Afinal, a partir da Medicina do Trabalho a figura do médico foi imposta nas empresas a fim detectar os processos danosos à saúde, com uma visão biológica e individual, o que a diferencia da Psicodinâmica do Trabalho que possui seu foco de intervenção na coletividade do trabalho. Com a emergência da Saúde Ocupacional avança-se uma proposta com base na chamada Higiene Industrial (Insatisfação é diferente de Não Satisfação), que junta o ambiente de trabalho e o indivíduo (corpo) trabalhador. (DEJOURS; ABDOUCHELI; JAYET, 1993).Desta forma iniciou-se uma visão mais global do indivíduo, que possui também necessidade de reconhecimento. O foco foi direcionando à saúde do trabalhador e não mais isoladamente ao indivíduo doente.
Minayo-Gomes e Thedim (1997) afirmam, então, que a Medicina do Trabalho e a Saúde Ocupacional fazem parte do trajeto permanente de definição de marcos conceituais e práticos da relação do ser humano com o trabalho. Não se trata apenas de detectar perigos instalando equipamentos de segurança com o intuito de beneficiar o trabalhador, mas de chegar às raízes causadoras dos agravos e conseqüentemente a mudanças de trabalhos instaurados. Pensando nisso, recentemente foi apontada na II Conferencia Nacional de Saúde do Trabalhador, a substituição das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes do Trabalho - CIPA por Comissões de Saúde visando:
interferir nas formas de produção e organização do trabalho; garantir o direito de informações sobre matérias de saúde, segurança e meio ambiente a todos os trabalhadores; garantir o direito de recusa, de embargo e interdição frente aos riscos que afetam a integridade física e/ou psíquica dos trabalhadores (CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR, 1994, p. 32).
Vieira, Barros e Lima (2007, p.156) afirmam que "o trabalho tem sido considerado de distintas formas, cada qual reservando-lhe um lugar próprio na determinação dos processos de construção dos sujeitos, da sociabilidade e das relações sociais". Porém, há certa "falha" no que tange às análises psicológicas, visto que a Psicologia tem procedido frequentemente a uma análise do psiquismo humano distanciada das condições concretas de sua formação e transformação.
Não se deve deixar de lado o fato de que para que as conquistas sejam maiores no campo da Psicologia do Trabalho é necessário criar e denotar demandas no campo. Apesar do crescente interesse dos psicólogos pelo campo da saúde do trabalhador, segundo Jacques (2003), o que se verifica, frequentemente, é uma imprecisão teórica e metodológica, visto o desconhecimento do tema – o que produz tentativas ingênuas de combinar conceitos e técnicas com fundamentos epistemológicos diferentes. Ao psicólogo é preciso saber articular os diversos pressupostos, refletindo sobre as diferentes concepções de homem, homem/sociedade, ciência e pesquisas que tenham fundamento (JACQUES, 2003). É através de tais práticas que o psicólogo se afirma enquanto profissional e convence a sociedade do caráter essencial de seu trabalho.
Com base nos fatores acima, tem-se como fundamentação teórica a Psicodinâmica do Trabalho visto que a mesma se diferencia através de suas pesquisas, o modo em que é visto o indivíduo trabalhador e o seu ambiente laboral, destacando a flexibilidade das relações organizacionais.
3 Da Psicopatologia à Psicodinâmica do Trabalho
No presente estudo sobre as relações entre Saúde Mental e Trabalho (SM&T) à luz da Psicodinâmica do Trabalho, é necessário pontuar sobre as raízes desta prática de estudo e intervenção. Pensando nisso, relata-se inicialmente o contexto histórico acerca da doença mental e o modo como era vista e tratada.
Schultz e Schultz (1981, p.326)relatam que segundo a história do tratamento dos doentes mentais, no período da "Idade Média, os indivíduos pertubardos não obtiam nenhuma compreensão e não recebiam quase nenhum tratamento". Tal história se entrecruza com a história da reforma psiquiátrica, e ambas são marcadas pela desumanidade. O tratamento de pessoas mentalmente perturbadas se dava através de punição, pois se "acreditava que tais distúrbios eram causados por perversidade, possessão demoníaca e feitiçaria" (SCHULTZ E SCHULTZ, 1981, P.326).
Nos anos 50, na França, Lima (1998) destaca o período como uma euforia do pós-guerra. Com o aumento da indústria francesa, houve a criação de políticas de prevenção no campo da saúde, o surgimento de novas ciências referentes a estudos na área social e do trabalho e uma grande transformação psiquiátrica.
No século XIX a relação com os doentes mentais começa a adquirir uma maneira mais humana. A partir do momento em que as cadeias que prendiam as pessoas consideradas insanas foram destruídas e a superstição religiosa passou a ser deixada de lado, abriu-se o caminho para a concretização das investigações científicas acerca deste tema que envolve a doença mental em si, suas possíveis causas e tratamentos (SCHULTZ E SCHULTZ, 1981).
Segundo Lima (1998), Paul Sivadon, em 1952, foi quem empregou pela primeira vez o termo "Psicopatologia do Trabalho" reconhecendo então o indivíduo trabalhador em meio a doença mental. É importante citar também Louis Le Guillant, um dos integrantes da chamada psiquiatria francesa que juntamente com Sivadon receberam grande destaque quanto a Psicopatologia do Trabalho na França, mesmo possuindo perspectivas teóricas diferentes e até mesmo divergentes (LIMA, 1998).
Porém, Seligmann (2004) considera que a escola da Psicopatologia do Trabalho se edificou a partir das idéias e pesquisas de Cristophe Dejours, sendo este um crítico das abordagens positivistas que estiveram presentes no modelo tradicional de pesquisas voltadas para a saúde no trabalho (sem desvalorizar a clínica do trabalho). Dejours, embora tivesse um trabalho pautado em preceitos psicanalíticos, assumiu uma postura desafiadora desta prática a fim de que fossem levados em conta os fenômenos relativos ao mundo do trabalho.
A escola Dejouriana, de acordo com Lima (1998, p.13) "começa a se delinear a partir dos movimentos em Maio de 1968 na França" e se interessa pelas possíveis conseqüências mentais geradas no ambiente de trabalho.
Lima (1998) nos remete ao principal objeto de estudo da Psicopatologia do Trabalho que é o sofrimento e o conteúdo da significação e das formas desse sofrimento, (mesmo significando que não haja presença do mesmo). Isto porque segundo ele o "grande enigma da Psicopatologia do Trabalho não é a doença mental".
Dejours citado por Lancman e Uchida (2003 p.82) afirma que tanto ele como os outros autores, que tinham como objetivo compreender o sofrimento psíquico no trabalho e esperavam obter a certeza de que "dadas certas condições ambientais, as pessoas iriam necessariamente descompensar psiquicamente", começaram a perceber que esse fato não ocorria, quando o autor analisava a problemática através do trabalho de campo em situações concretas de trabalho, tinha-se o que denominou como "um estranho silêncio", um estado de normalidade. É a partir daí que o autor propõe a mudança do nome Psicopatologia do Trabalho para Psicodinâmica do Trabalho, afirmando ser esta denominação mais adequada para ampliação do campo de investigação, visto que não se estabeleceu uma "relação causal entre certos distúrbios psíquicos e certas formas de organização do trabalho" (LIMA, 1998, p.14).
Os estudos de Dejours se expandem com a publicação de Travail: Essai de Psychopathologie du Travail (A loucura do Trabalho), em 1980, na França (no Brasil, em 1992). Para Dejours (1992), o que importa para a Psicodinâmica do Trabalho é conseguir compreender como os trabalhadores conseguem manter certo equilíbrio psíquico mesmo estando submetidos a condições desestruturantes.
Dejours, Abdoucheli e Jayet (1993) afirmam que o sofrimento se encontra entre o funcionamento psíquico e mecanismo de defesas por um lado, e pressões organizacionais por outro, e propõe então, o que hoje é conhecido como "estratégias defensivas" que podem ser individuais ou coletivas, adotadas pelos trabalhadores a fim de evitar a doença e preservar o equilíbrio psíquico.
Deve-se ressaltar como característica importante na Psicodinâmica do Trabalho o fato já citado anteriormente, de se visar à coletividade do trabalho e não aos indivíduos isoladamente. Merlo (2002, p.4) afirma que "após diagnosticar o sofrimento psíquico em situações de trabalho, a Psicodinâmica busca intervenções" voltadas para a coletividade do trabalho. Ou seja, não considera o trabalhador como um dado problemático isoladamente. O autor reforça que a Psicodinâmica é, antes de tudo, uma prática, mas não é apenas uma modalidade de intervenção no ambiente laboral, pois continuou a ser uma disciplina que produz conhecimentos.
Dejours citado por Lima (1998) afirma que
ao se dar a normalidade como objeto, a Psicodinâmica do Trabalho abre perspectivas mais amplas que (...) não dizem respeito apenas ao sofrimento, mas também ao prazer no trabalho; não apenas ao homem, mas ao trabalho; não apenas à organização do trabalho, mas às situações de trabalho no detalhe rigoroso de sua dinâmica interna (LIMA, 1998, p.14).
Desta forma, esta corrente de pesquisas tinha como proposta "pensar uma realidade que não é mais a realidade compartimentada das ciências contidas em cubículos isolados, mas a ciências transdisciplinar que é ao mesmo tempo ciência com consciência" (SELIGMANN, 2004, p.15)e em contínuo movimento.
Na década de 90 tal prática passa por uma redefinição e começa a ser também uma disciplina com a publicação dos primeiros textos na França. Segundo Seligmann (2004, p.19), "Dejours ao conceituar a análise Psicodinâmica das situações de trabalho que é objeto dessa disciplina (...) designa o estudo dos movimentos psicoafetivos gerados pela evolução dos conflitos intersubjetivos e intra-subjetivos." Assim as intervenções são feitas através da análise nas interações ocorridas nos locais de trabalho.
Seligmann (2004) atesta as idéias de Dejours ao afirmar que é no cotidiano laboral da indústria e de outras situações de trabalho que se ressalta a restrição da liberdade individual, do espaço, do movimento e da comunicação de sentimentos e pensamentos. E tal limitação transfere-se também ao espaço e ao tempo extralaboral. Assim, fatores como, por exemplo, habitações pequenas, ausência de áreas de lazer acessíveis, tempo restrito para prazer e para o exercício da autonomia, fazem com que o cansaço e a necessidade de repousar consumam as horas do não trabalho. O mesmo autor cita Dejours (1992, p. 25) para reforçar que "é no processo de restrição da liberdade do trabalhador que se centra a evolução de seu sofrer mental".Daí a grande importância de haveruma intervenção (como a promovida pela Psicodinâmica) voltada para tais relações.
Para Dejours, Abdoucheli e Jayet (1993), o homem está engajado em estratégias defensivas para lutar contra o sofrimento no trabalho. Leva suas exigências mentais consigo mesmo e precisa da cooperação de seus familiares a sua volta para manter as defesas funcionando no momento de retornar ao trabalho. Isso explica todo o movimento da Psicodinâmica, que visa o sujeito normal e às suas relações no trabalho – e não somente uma dada patologia, mas todo um processo de subjetivação.
4A Psicanálise no âmbito do Trabalho
Para Schultz e Schultz (1981), em termos cronológicos, a Psicanálise se entrecruza com outras escolas de pensamentos psicológicos. A aproximação deste trabalho de pesquisa, com tal corrente, é vista por nós como inevitável. O relacionamento entre a Psicanálise de Sigmund Freud e as demais escolas de pensamento em Psicologia foi apenas temporal, visto que não havia concordância entre Freud e os outros fundadores nos campo de Psicologia. A Psicanálise não tinha vínculo com nenhum movimento evolutivo e nem revolucionário. Talvez pelo fato de não ter surgido no âmbito da Psicologia acadêmica, o estudo freudiano da personalidade humana e dos seus distúrbios estavaafastado da Psicologia do laboratório universitário. Foi no ano de 1895 que Freud publicou o seu primeiro livro que marcou o começo formal do seu novo movimento (SCHULTZ e SCHULTZ, 1981).
A Psicanálise é distinta do pensamento psicológico principal em termos de objetivos, objeto de estudo e métodos. Seu objeto de estudo é o comportamento anormal e seu método primário é a observação clínica, com destaque ao inconsciente, que antes era ignorado pelos outros pensadores psicológicos (SCHULTZ e SCHULTZ, 1981). Relacionado ao assunto, Freud no início do século XX, relatado em Schultz e Schultz (1981), afirma que
quando me impus à tarefa de trazer à luz aquilo que os seres humanos conservam oculto dentro de si, não pelo poder coercitivo da hipnose, mas observando o que dizem e o que demonstram, julguei-a mais difícil do que de fato é. Quem tem olhos para ver e ouvidos para ouvir pode se convencer de que não há mortal capaz de guardar um segredo. Mesmo que os lábios silenciem, ele conversa com as pontas dos dedos; a autotraição exala dele por todos os poros. Assim, a tarefa de tornar conscientes os recessos mais ocultos da mente apresenta boas possibilidades de ser realizada (FREUD, 1901/1905b, p. 77).
Ainda de acordo com Schultz e Schultz (1981), tal como acontece com todas as escolas de pensamento, o movimento psicanalítico teve antecedentes intelectuais e culturais definidos: a influência das primeiras especulações filosóficas acerca da natureza de fenômenos psicológicos inconscientes e os primeiros trabalhos no campo da Psicopatologia.
Na medida em que o trabalho com os doentes mentais progredia, alguns cientistas se convenciam de que os fatores emocionais tinham mais importância do que lesões cerebrais ou outras possíveis causas físicas. Os médicos começam então a pensar a cura através da mente e não apenas do corpo. Sabe-se que tais pensamentos a respeito de saúde mental não se restringem apenas ao ambiente médico hospitalar nem tão pouco à clínica psicológica. Segundo Merlo (2002) há tempos a percepção de que o trabalho tem influência sobre a saúde mental dos indivíduos.
Retomando ao âmbito organizacional, surge a utilização do conceito de Psicodinâmica do Trabalho, em substituição ao de Psicopatologia do trabalho, a partir do privilegiamento do estudo da normalidade sobre o da patologia. O foco deixa de ser colocado nas doenças mentais, passando a ser posto sobre o sofrimento e as defesas contra este sofrimento. Ou seja, a atenção é anterior à doença mental.
Lancman e Uchida (2003) propõem uma breve análise para compreensão da junção das correntes da Psicodinâmica do Trabalho e a Psicanálise. Para as autoras, a Psicanálise permite uma nova visão da realidade organizacional e cita como exemplo o fato de a Psicanálise advertir "os pesquisadores da Psicologia Clinica que o comportamento psicopatológico (fruto de formação do inconsciente) é sobredeterminado", isto é, "remete para uma pluralidade de fatores determinantes"; devendo o comportamento ser visto como um sintoma (LANCMAN E UCHIDA, 2003, P.83).
a forma como Dejours entende estado de normalidade, então, só é de fato compreensível quando temos em mente que esse fenômeno é constituído de múltiplas determinações subjetivas e objetivas. E o que torna esse conceito ainda mais complexo é que não se trata de um fenômeno somente individual, como no caso da Psicanálise, mas ao mesmo tempo, de um fenômeno coletivo e que está articulado ao mundo do trabalho. (LANCMAN E UCHIDA, 2003 p.83).
Dejours une Psicodinâmica do Trabalho à Psicanálise, devido ao fato da mesma "pensar e apreender a vivência", o que Dejours irá transferir para o conceito laboral (LANCMAN E UCHIDA, 2003).
"É através do conceito psicanalítico de angústia que Dejours irá pensar a gênese do sofrimento que pré-existe ao trabalho," buscando identificar as origens da mesma nos sujeitos (LANCMAN E UCHIDA, 2003 p.84).
Inspirado na Psicanálise é que Dejours, para compreender as angústias vividas no ambiente de trabalho, propõe uma atividade de escuta à fala dos trabalhadores, tanto individual quanto coletiva e sugere a criação de um espaço público para que haja a circulação da palavra. É através da fala e da escuta que o sofrimento emerge fazendo todos pensarem nas possíveis soluções.
5 Mecanismos de defesa no trabalho
Anna Freud, 1978 classifica os mecanismos de defesa de um modo geral como uma distorção do ego para proteger a personalidade contra determinada ameaça. A Psicodinâmica do Trabalho utiliza o conceito "mecanismos de defesa" sob o âmbito organizacional, onde o objeto de estudo são as formas de defesa do trabalhador contra o sofrimento laboral.
Dentre os mecanismos de defesa descritos pala Psicanálise, a sublimação é o conceito mais usado pelos autores da Psicodinâmica do Trabalho, pelo fato deste se tratar de uma saída "positiva" do ego diante do sofrimento no trabalho. Dejours, Abdoucheli e Jayet (1993) ressaltam o fato de a sublimação aparecer no campo social e conseqüentemente no ambiente de trabalho. Como os mecanismos de defesas são da ordem do singular, fala-se então de uma maneira generalizada sobre os mecanismos de defesa que o trabalhador elabora diante de determinadas situações no ambiente de trabalho, já que a Psicodinâmica intervêm principalmente no coletivo.
Para Dejours (1987), a organização do trabalho exerce, sobre o sujeito, uma ação cujo alvo é o aparelho psíquico. Deste modo, os trabalhadores, para protegerem-se desses impactos, geram uma série de mecanismos de defesa. As estratégias de defesa do trabalhador são necessárias para a realização do trabalho, o que seria, segundo o autor
uma boa adequação entre a organização do trabalho e a estrutura mental do trabalhador (...) isso impõe, em cada caso, um ponto de vista detalhado, apoiado por uma análise precisa da Psicodinâmica da relação homem/trabalho. (DEJOURS, 1987, p. 134).
Dejours (1992) ressalta a importância de, através da Psicodinâmica, dar a palavra ao trabalhador, para com isso, transformar o sofrimento que o aflige, pois "é graças ao espaço da palavra que surgem conhecimentos sobre o trabalho real, que até então estavam parcialmente ocultos pelo sofrimento e as defesas contra este sofrimento" (DEJOURS, 1992, p.169). É pautando nesses princípios que se descreve aqui sobre os mecanismos de defesa, o sofrimento e também a carga psíquica do trabalhador que é consequência do sofrimento que pode ser gerador de doença.
5.1 A carga psíquica do trabalhador.
O conceito de carga psíquica é voltado para a análise qualitativa das vivências, dispensando o exercício da quantificação e da objetividade. Essa carga está relacionada com cada história psíquica do trabalhador, individualmente. (DEJOURS, ABDOUCHELI E JAYET, 1993).
O prazer do trabalhador resulta da descarga de energia psíquica oriunda do trabalho satisfatório. Isso corresponde a uma diminuição da carga psíquica do trabalho. Se um trabalho permite a diminuição da carga psíquica ele é equilibrante. Mas se, ao contrário, quando as aptidões são reprimidas, a energia psíquica se acumula, "tornando-se fonte de desprazer e gerando astenia (fraqueza) e a fadiga (cansaço)". (NASSIF, 2005, p. 84).
Entende-se, então, que o trabalho equilibrante equivale a uma descarga psíquica e o trabalho fatigante resulta da carga psíquica. Para Dejours, Abdoucheli e Jayet (1993), o prazer no ambiente laboral "resulta da descarga de energia psíquica que a tarefa autoriza o que corresponde a uma diminuição da carga psíquica do trabalhador" (DEJOURS,ABDOUCHELIE JAYET,1993, p. 24). O contrário acontece quando a energia pulsional do trabalhador não acha descarga no exercício do trabalho. Esta se aloja no aparelho psíquico, deixando o trabalhador propenso ao adoecimento.
Segundo Martins (2009), no momento em que a organização do trabalho se torna autoritária, ocorre um bloqueio da chamada energia pulsional, que se acumula no aparelho psíquico do indivíduo, gerando, sentimentos de tensão e desprazer intensos. Para Dejours, Abdoucheli e Jayet(1993, p.28), "a carga psíquica do trabalho resulta da confrontação do desejo do trabalhador, à injunção do empregador contida da organização do trabalho" Deste modo, a carga psíquica do trabalho aumenta quando a liberdade de organização do trabalho diminui. Antes disso, o autor salienta que
quando o rearranjo da organização do trabalho não é mais possível, quando a relação do trabalhador com a organização do trabalho é bloqueada, o sofrimento começa: a energia pulsional que não acha descarga no exercício do trabalho se acumula no aparelho psíquico, ocasionando um sentimento de desprazer e tensão. (DEJOURS, 1992, P.84)
Pautada na Psicanálise, a Psicodinâmica do Trabalho propõe que o adoecimento pode acontecer devido a uma retenção da energia pulsional em determinada situação de trabalho que não permita que a energia psíquica se descarregue. Neste cenário, surge o sofrimento, pois há um enfraquecimento das estratégias coletivas dos trabalhadores. Nessa abordagem, as intervenções são direcionadas para a coletividade do trabalho e para aspectos da organização do trabalho a que os indivíduos estão submetidos no dia a dia (JACQUES, 2003).
A Psicodinâmica do Trabalho, na visão de Dejours, Abdoucheli e Jayet (1993) confere uma nova significação ao sofrimento. Este sofrimento adquire centralidade na relação subjetiva homem/trabalho e só ganha sentido através do Trabalho. Tal sentido afasta o sofrimento dando lugar a uma experiência satisfatória (DEJOURS, 1992). O sujeito se experimenta e se transforma, afinal, o trabalho é pertinente ao homem e necessita constantemente de uma ressignificação.
5.2.O sofrimento laboral
Ao reconsiderar a significação e o sentido do sofrimento como dimensões essenciais no entendimento da relação saúde-trabalho, Dejours (1992) levanta uma questão de extrema relevância, colocando-se à escuta do trabalhador para compreender o que este vivencia. É fato que o indivíduo, quando é impelido pela organização a reprimir seus desejos, sofre. Esse sofrimento é decorrente também de precárias condições de trabalho e pressões impostas pela organização do trabalho.
O sofrimento pode levar o trabalhador a anular seus comportamentos livres, gerando a doença. No sentido oposto, o sofrimento pode gerar saídas criativas de enfrentamento do problema, ajudando na manutenção da saúde mental do trabalhador. Essa delimitação depende das possibilidades de um acordo entre os as exigências da organização e os desejos do trabalhador (NASSIF, 2005).
Dejours e Abdoucheli citados por Lancman e Uchida (2003) afirmam que
numa organização hierarquizada do tipo piramidal, quanto mais se sobe na estrutura da empresa, mais se abrem as possibilidades para expressão e imposição dos desejos de quem ocupa os postos de chefia. (...) A subjetividade dos trabalhadores é reafirmada pela necessidade de seu controle para que aquilo que foi traçado seja rigorosamente cumprido. (...) Logo, quanto mais se desce na hierarquia da empresa, menor vai ser a possibilidade de expressão de seus pensamentos e desejos na condução das atividades. (LANCMAN e UCHIDA, 2003 p. 79).
Deste modo, a subjetividade dos dirigentes é valorizada, enquanto a subjetividade dos trabalhadores é tratada com repressão, o que vem a tolher a criatividade e a livre expressão do trabalhador que acaba vindo a adoecer.
A hierarquia do trabalho geralmente é organizada de maneira que cada um dos níveis hierárquico tem seu próprio trabalho dispensando uma compreensão das diferentes modalidades de atuação. Lancman e Uchida (2003, p.87) propõem o "agir comunicacional" que busca através das relações intersubjetivas, compreender as "dificuldades e a racionalidade que rege a prática dos outros". Ao passo que cada trabalhador vivência uma problemática diferente e pode contribuir com os outros trabalhadores através da troca de experiências, além de encontrar respostas.
O contrário, porém acontece quando as prescrições dirigidas a determinado trabalhador não condizem com sua realidade, vetando o espaço da palavra e gerando situações adversas para o indivíduo.
Gomes & Brant (2004) afirmam que os trabalhadores tentam dominar a doença quando são submetidos a situações adversas. Já Dejours (1992) esclarece esse comportamento dos trabalhadores com o conceito de "ideologia defensiva". Essa é definida como uma construção social que permite que o trabalhador domine e em alguns casos perca a consciência do seu sofrimento. No mesmo ano, Dejours afirma que munidos de uma ideologia defensiva, o grupo tende a eliminar os trabalhadores que não conseguem se ajustar à mesma.
O sofrimento e a falência da ideologia defensiva transformam a ansiedade num problema individual, visto que, o reconhecimento das estratégias coletivas de defesa torna possível verificar a exploração do sofrimento mental e as defesas psicológicas individuais e coletivas. (NASSIF, 2005)
Dejours, Abdoucheli e Jayet (1993) acreditam que o sofrimento é um estado de luta do sujeito contra as forças do seu ambiente de trabalho que o fazem adoecer. O sofrimento pode ser comparado a um estágio entre a doença mental e o bem estar psíquico. Merlo (2004) se dispõe dos conceitos psicodinâmicos ao afirmar que
o interesse da Psicodinâmica do Trabalho não é eliminar o sofrimento e sim impedir que ele seja transformado em adoecimento. (...) Nem sempre o sofrimento é prejudicial á saúde física e mental do trabalhador. Pelo contrário, ele pode representar um meio de o sujeito (...), conferir uma nova significação ao trabalho à medida que, quando levado a resolução de problemas dentro da organização o sujeito tem a chance de alcançar um reconhecimento social de seu trabalho e se torna capaz de dominar suas angústias e conseqüentemente controlar seu sofrimento salvando seu equilíbrio mental. (MERLO, 2004, p.132)
Portanto, o sofrimento não possuiu um viés apenas negativo, mas um significado, que vai além do patogênico abordando também elementos criativos (GOMES & BRANT, 2004), ou seja, o sofrimento pode consistir numa potencialidade para o trabalhador.
O trabalho não existe sem sofrimento, pois este é componente da realidade dos indivíduos. Mesmo nas situações onde determinado sofrimento é suprimido, acaba por ressurgir sob outra forma, fazendo com que o sujeito lhe dê um sentido. Enfrentar a questão requer elaborar condições nas quais os trabalhadores possam administrar seu próprio sofrimento, em proveito de sua saúde. Isso acarretaria consequentemente, numa maior produtividade. O desafio, portanto, seria reconciliar a saúde mental e o trabalho (DEJOURS, 1992). O sofrimento laboral não conduz necessariamente ao adoecimento, mais pode conduzir a satisfação e crescimento do trabalhador.
Já em 1993, Dejours, Abdoucheli e Jayet afirmam que o campo da Psicodinâmica do Trabalho abarca tanto o sofrimento como o conteúdo, a significação e as formas desse sofrimento. A Psicodinâmica do Trabalho procura conhecer o que o trabalho significa para o trabalhador, verificando o seu sentido diante dos valores, expectativas e trajetória existencial de cada sujeito.
Dejours (1992) denomina sofrimento criativo, o fato de o indivíduo elaborar soluções originais que favorecem ou restituem sua saúde. O sofrimento criativo chega a adquirir um sentido, pois favorece ao sujeito um reconhecimento de uma identidade. Neste contexto o indivíduo se propõe a uma ação que promove descobertas, fazendo com que este experimente e transforme, de maneira criativa, soluções inéditas frente às situações em seu trabalho. Assim, o surgimento de estratégias defensivas, aliviam ou combatem o sofrimento psíquico, transformando o mesmo em vivências de prazer.
Sendo assim, o trabalho pode ser algo prazeroso no momento em que o trabalhador mobiliza todos os recursos subjetivos e objetivos e com isso, resgata o sentido do trabalho para si. De acordo com Mendes & Morrone citados por Martins (2006) este sentido resgatado depende da inter-relação entre subjetividade do indivíduo e o coletivo de trabalho.
No que se refere à subjetividade do trabalhador, esta envolve a história de vida e a estrutura psíquica deste sujeito, e sua capacidade de auto regulação e sobrevivência ao que é prescrito pela organização na qual está inserido, adquirindo uma maneira singular e criativa para realizar o seu trabalho (MARTINS, 2006).
Já o coletivo de trabalho acima referido, possui bases e regras, que organizam as relações entre as pessoas dentro do espaço organizacional. Tais regras possuem uma ética própria pela qual o sujeito tem uma noção do que é justo ou não, estando elas no "âmbito dos valores, julgamentos da estética e da qualidade do trabalho". (MARTINS, 2006, p.80)
Martins (2006) realiza um paralelo sobre as condições de trabalho, onde de um lado habitam as normas da empresa, e do outro lado originalidade particular de cada indivíduo, a maneira peculiar de se trabalhar; é neste paralelo que a Psicodinâmica pode oferecer meios para o trabalhador construir sua identidade através do coletivo no ambiente de trabalho.
5.3 Mecanismos de defesa e estratégias coletivas de enfrentamento do sofrimento
Nassif (2005) afirma que para que haja a adaptação do trabalhador às pressões organizacionais e diminuição da sua percepção destas, é necessário que as estratégias defensivas funcionem como regras, supondo um consenso ou acordo partilhado, de forma que a relação subjetiva com a organização do trabalho seja estabilizada.
Martins (2006) fala da possibilidade de transgredir regras, não como o anúncio de um caos dentro das organizações, mas sim, de se transformar a rotina de trabalho, com momentos lúdicos através da criatividade de cada trabalhador. Trata-se de resgatar um tempo para si mesmo nas pequenas fugas de uma rotina massacrante.
De acordo com Aguirre Baztáncitado por Martins (2006) esses momentos de ruptura equivalem ao momento no qual o sujeito vivência um caos simbólico, como forma de dar novo sentido ao cotidiano laboral. Tais estratégias proporcionam aos trabalhadores uma oportunidade transgredir ao instituído (MARTINS, 2006), o que significa criar mecanismos que ressignifique algo para se obter com uma nova percepção de tempo e renovar as energias.
Os benefícios de tal ruptura proporcionam bem estar ao trabalhador e são refletidos no aumento do poder da criação, da liberdade e do sentido existencial do trabalho. Forma-se então uma estratégia de defesa contra os elementos que causam sofrimento no ambiente organizacional, pois, segundo Dejours (1992, p.35), "é ao nível da ideologia defensiva, enquanto mecanismo de defesa elaborado por determinado grupo social, que devemos procurar uma especificidade". Para Martins (2006)
a constatação da existência de estratégias defensivas dentro do ambiente de trabalho, sendo estas de caráter positivo, revela o aspecto multifacetário da interrelação homem / trabalho, fazendo com que se agregue uma nova textura e plasticidade ao ambiente. (MARTINS, 2006, P. 83)
A citação acima diz respeito à capacidade criativa de determinados trabalhadores de transformar o que é imposto pelo trabalho sob forma de desprazer, em prazer. Para Dejours, Abdoucheli e Jayet (1993, p.27) o sofrimento psíquico provoca a necessidade das estratégias defensivas, que são "construídas, organizadas e gerenciadas coletivamente". Por isso, ressalta-se mais uma vez, o caráter de intervenção sobre a coletividade no ambiente laboral e a relevância da Psicodinâmica, que visa o indivíduo como um todo, e não isoladamente como apenas um sujeito doente.
CONCLUSÃO
A associação entre os conceitos Saúde e Trabalho é antiga, porém ainda existe muito o que discutir sobre. Especilamente quando se trataprazer no trabalho.
O breve estudo da movimentação histórica acerca da Psicologia no âmbito organizacional permite o entendimento dos modelos de trabalhos, anteriores aos que percebemos nos dias atuais, e faz com que a abordagem escolhida nesta pesquisa ganhe ainda mais força e sentido quanto às expectativas de avanços no ambiente organizacional, gerando melhorias na qualidade de vida dos indivíduos.
A Psicodinâmica do Trabalho tem como foco a subjetividade do trabalhador, antes deixada de lado por outros modelos tradicionais de intervenção no campo organizacional, estes, não se preocupam em conhecer o conteúdo do sofrimento e acabam por anular a subjetividade do trabalhador. A Psicodinâmica do Trabalho possui o diferencial de dar a palavra ao trabalhador, para elaborar soluções condizentes com a realidade do mesmo e não meramente intervir.
Nesta pesquisa percebeu-se que é possível construir uma organização de trabalho que não objetive anular a subjetividade do indivíduo. O exercício do trabalho é um momento de auto-afirmação e construção da auto-estima. O local de trabalho é onde o trabalhador imprime sua subjetividade, constituindo, também, um cenário de produção da mesma. Nesta produção, são elaboradas estratégias de defesa contra o sofrimento que muitas vezes são gerados pela organização do trabalho.
A Psicodinâmica do Trabalho propõe trabalhar o conteúdo do sofrimento, sem pretensões de eliminá-lo, pois, isso significaria anular também o trabalhador enquanto sujeito.
O sofrimento pode acarretar ao adoecimento, é verdade, mas pode também projetar o sujeito enquanto profissional, já que este constrói mecanismos de defesa para se proteger do sofrimento. O sofrimento laboral pode significar projeção humana, devido ao fato do trabalho ser fonte de realização pessoal e satisfação social.
A evolução da conceituação de saúde caminhou junto da valorização da subjetividade e das vivencias coletivas. O trabalhador é historicamente submetido a métodos e técnicas que o avaliam, o analisam, mas não buscam conhecer seu potencial criativo, ou seja, buscam ações sem o devido conhecimento do que o individuo vivencia e sente.
Considera-se possível construir um ambiente de trabalho onde o trabalhador sinta prazer no que faz. Pensando nisso, a Psicodinâmica do Trabalho não se propõe a inserir conteúdos no âmbito organizacional, mas em conhecer os significados construídos no trabalho através da fala dos trabalhadores. O cerceamento da liberdade de criação do indivíduo culmina no adoecimento, ou provoca o surgimento de mecanismos de defesa.
O sujeito trabalhador tem a capacidade de gerir suas próprias estratégias defensivas e com isso se fundir à proposta da empresa. O trabalho precisa ser sentido pelo indivíduo como um objetivo de vida, como forma de se gerir saúde, acarretando numa maior produtividade na empresa. O campo do trabalho é um local onde o trabalhador imprime suas características singulares e sua expectativa de vida.
O ambiente laboral é um espaço de subjetividades e de subjetivações. Assim as prescrições contidas numa empresa devem ser flexíveis, para que não haja uma ruptura com a realidade do trabalhador. Afinal, a saúde não tem uma fórmula pronta, é construída e cultivada.
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WIKIPÉDIA. Desenvolvido pela Wikimedia Foundation. Apresenta conteúdo enciclopédico. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Organiza%C3%A7%C3%A3o_Mundial_da_Sa%C3%BAde&oldid=15288003>. Acesso em: 29 de maio 2009.