O livro organizado por Elaine Terezinha Dal Mas Dias “Sigmund Freud” reúne produções científicas de Bernard Jolibert, intelectual que pensa e escreve a respeito da Educação. No texto de abertura, intitulado “Sigmund Freud: A educação, O real, A educabilidade, Os fins”, o autor elabora uma importante reflexão, ao destacar como a influência de Freud é decisiva no pensamento educacional do século XX. A interpretação de Jolibert permite-nos situar o lugar e a função da educação no pensamento freudiano, uma vez que o conjunto de sua obra repousa sobre a teoria da infância e seu desenvolvimento, considerando-a o como um período decisivo para a formação do indivíduo. Na realidade, o pensamento freudiano sobre a educação é sobre a questão da adaptação da criança à realidade, ao mesmo tempo natural e social.

O ponto de partida do pensamento de Freud sobre a educação situa-se na confluência de dois questionamentos: um questionamento biológico e um questionamento histórico. A partir da Biologia, Freud descobriu a imaturidade da criança ao nascer, o que a condena à proteção e à influência por parte dos adultos e, por conseguinte, longe da insensibilidade dos outros, defendido do mundo natural externo e dos conflitos internos.No entanto, Freud percebeu também que o homem só torna-se homem porque esse instinto biológico passa pela disciplina da cultura. Ou seja, o duplo ponto de vista- biológico e histórico- trata da mesma problemática: a condição do homem como ser cultural.

Compreende-se que, partindo desse duplo ponto de vista, Freud define a educação como uma ação do adulto sobre a criança. Ação de passagem do prazer (desejo infantil) à realidade (desejo socializado), integrado a um universo inter-humano regrado e, é essa passagem, na verdade, que define a condição humana. Para explicar a socialização da criança, Freud considera necessária uma ação repressora, impedindo, desse modo, a expressão de certas tendências pulsionais espontâneas. Sendo assim, para se fazer um indivíduo capaz de tornar-se um ser social e capaz de produzir cultura é exigido um mínimo de sacrifício de sua atividade pulsional imediata.Essa repressão instintual consiste em instalar o princípio da realidade como princípio regulador das condutas individuais, adaptando-as de forma a ajustá-las a uma realidade natural e social. Nesse sentido, a educação seria, a princípio, uma espécie de adaptação que nos permite chegar a um acordo entre a realidade e o prazer.

Esse processo de adaptação à realidade dirige nossas condutas intelectuais, psíquicas e morais e, assim, torna possível a realização do prazer. Como podemos notar, o princípio do prazer e o princípio da realidade não são contraditórios, são, na verdade, complementares. Se a finalidade da educação é a realização do prazer, o problema da educação consiste em descobrir um equilíbrio entre a busca do prazer e as limitações impostas pela realidade natural e social aos instintos primitivos. Educar para Freud significa socialização, processo que requer inculcar regras e conhecimentos indispensáveis a uma sociedade. Nesse sentido, para que a educação seja eficaz, o princípio da realidade, ou seja, a socialização deve ser interiorizada e, assim, ser tomado em sua forma afetiva. Porém, a interiorização somente é possível se possuirmos uma instancia capaz de fazer com que a exigência social contrabalance a influência das pulsões.

Freud explica que é no amor próprio que está a raiz das condutas intelectuais, morais e da educabilidade. Portanto é o eu, com seus instintos de autoconservação e sem idealização, que entra em conflito com os instintos. A energia interna produzida por meio desse conflito, traduzida por Freud como amor próprio se apresenta como fundamento da educação. A educação tem por papel geral conduzir a dependência protetora para disciplinar o princípio do prazer, permitindo a humanização do homem. Pensar desse modo é repousar a educação sobre um ideal, ao mesmo tempo humano e interpessoal e, desse modo, contribuir para a autonomia, ao mesmo tempo intelectual e moral, que só pode ser alcançada pelo saber científico. Assim Freud pode ser considerado como um partidário de uma pedagogia do ajustamento. Em função de tal finalidade, que se deve fazer a escola?

Do ponto de vista moral, prepara-nos para renunciar aos nossos desejos infantis, ensinando-nos a suportar certas frustrações necessárias à vida. Do ponto de vista do saber e da instrução, a escola tem por responsabilidade realizar o homem que há na criança, desenvolvendo seu intelecto, a fim de fazer-nos pessoas da servidão para a liberdade. Do ponto de vista político, deve realizar mais “fraternidade” entre os homens, diminuindo seu sofrimento. Jolibert, nessa perspectiva, supera as interpretações que inserem Freud numa concepção educativa totalitária. Jobibert considera que Freud está, por sua concepção intelectual e crítica, inserido na tradição humanista, ao atribuir à educação a tarefa de tentar gerir sacrifícios e benefícios que a realidade impõe à imediatez do prazer. Sendo assim, a educação pode ser assimilada a uma ascese da inteligência, transcendendo as ilusões necessárias da infância.

REFERÊNCIAS

JOLIBERT, Bernard. Sigmund Freud, Tradução e organização de Elaine Terezinha Dal Mas Dias. Recife: Editora Massangana, 2010.