PROPOSTA DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA (1998 – 2002) - PARTE CXCV - “A SOLITUDE E OS SONETOS PARA POLICIAIS MORTOS”.
Por Felipe Genovez | 23/04/2018 | HistóriaData: 20.05.99, horário: 11:00 horas – “A Ilha de Caras e a solidão dos policiais”:
Precisava conversar com o Delegacia-Geral Moreto e no quarto andar o encontrei chegando vindo não sei da onde. Passamos a conversar e fomos acabar sentados frente à frente no seu gabinete.
A certa altura da conversa Moreto fez referência à solidão dos policiais, lembrando que os Delegados se sentiam completamente sozinhos quando era para tomar decisões no seu dia a dia, diferentemente de outras autoridades e servidores, o que isso implicava em muita responsabilidade...
Concordei com a sua abordagem, recebendo-a mais como um desabafo em razão de alguma questão pontual que não tive curiosidade em tomar conhecimento, já que eram tantas situações de abandono dos profissionais de polícia que frente a situações imprevisíveis tinham que decidir e arcar com a responsabilidade de seus erros, com uma cúpula pronta para defender os protegidos e enterrar os “Alcinos” da vida.
Depois de obter permissão para me ausentar na próxima sexta-feira, quando estaria na cidade de Tubarão resolvendo problemas familiares, deixei a sua sala com aquela palavra “solidão” reverberando na minha mente.
O policial compõe um aparelho oficial repressor dos governos que se traduz principal braço armado do Estado. Sua missão é servir de instrumento especialmente aos que ascenderam à máquina que comanda o poder político e que tem compromissos de manter o “status quo”, ou seja, a ordem necessária que assegure a sensação de segurança. Nesse sentido, esse perfil de policial se constitui um mal necessário e às vezes até indigesto frente à sociedade, devendo-se mantê-lo no cumprimento dos seus deveres sob o viço do poder hierárquico de seus chefes, como também, em decorrência de suas comendas, dependência do vínculo empregatício, dos seus artefatos de ornamentação e gala, da história institucional, porém, monitorado para que atue somente dentro de determinado círculo. Quando ligamos a TV isso se torna bastante evidente pois vemos de um lado um bombardeio de notícias sensacionalistas que levam inconscientemente a uma espécie de pânico e medo coletivo..., paralelo a isso, lhe é ofertado possibilidades de alcançar pacotes de felicidade que são ofertados por meio desse mesmo complexo engenhoso que controla os processos midiáticos, determinando sensações de dor, tristeza... e ao mesmo tempo euforia, alegria, prazer... Para tanto, impõe-se a criação de valores tíbios, heróis de toda ordem, intelectuais formatados para servir o sistema que se constituiu um universo invisível e invencível. O policial acaba sendo um garantidor que transita entre o “vigiar e punir”, tendo que se desdobrar para encarnar esse protótipo de supermáquina que se descobre um ser com sua mente deformada não só pela ilusão de que “cumpre com o seus deveres”, mas, também, pelo tipo de atividade que desempenha, o convívio com pessoas de com mentes doentias e voltadas para o crime, as pressões internas e cobranças, o modelo retrógrado de polícia, o estado de abandono de seus superiores preocupados com “egos”, “vaidades”, “cargos”..., o péssimo exemplo dos governantes e políticos corruptos e que paradoxalmente os comandam..., tudo isso causando estragos irreversíveis em sua mente, tendo que conviver com a depressão e solidão sempre a espreita.
E numa viagem pelo tempo, veio à tona figuras medievais como os verdugos, carrascos, calabouços... que no seu devido espaço e tempo impuseram um outro tipo de solidão mascarada por outras formas de dominação e doutrina que resultavam em lavagem cerebral.
Ao ouvir o desabafo de Moreto pensei nas várias formas de solidão, mas a do policial poderia ser classificada como “doença empobrecimento do espírito e doença da mente deformada ou insana”... Depois, fiz uma analogia com o pessoal famoso que aparecia, por exemplo, na “ilhas de caras”, sim, também poderiam apresentar quadros de depressão e solidão, mas por causas bem diversas dos policiais...
Nessa conversa com o Delegado-Geral, pensando em todos os policiais, acabei recordando um poema marcante de um Delegado transformado em ser de luz:
“Soneto ao Policial Morto
Manifestou-se atendendo objetivos sociais,
Foi à batalha despido de interesses pessoais,
Tombou sangrando heroicamente na rua,
Abraçado numa verdade que não era sua.
Não abriu mão de seu instrumento,
Embora dia o pernóstico:
- Ele não fez a contendo...
Deixou sozinha na mesa e na cama,
A mulher que o valoriza e ama.
Mitigou dos filhos o abraço,
Para os quais, nunca teve cansaço,
Você não morreu – vive para a vida eterna.
A facção social patológica lhe esquecerá,
A lógica improtegida o perpetuará,
Nos morremos – mas seguiremos a luz de sua lanterna”.
(autor: Delegado João Abel dos Santos - Santa Catarina)
Data: 24.05.99, 07:40 horas, “Soldado de chunbo”:
Desci até o andar térreo para levar o jornal e logo que pisei no último degral constatei que Walter estava de pé junto a porta de entrada da sala da central telefônica, tal qual sempre era visto em tempos já idos naquela mesma posição. Naquele relance rápido, em frações de segundo, configurou-se aquela velha imagem que se consolidava aos poucos, como uma obra de arte que estava prestes a ser concluída, porém, sempre faltava um detalhe aqui, outro ali... E naquele momento foi tomado de inopino com o seu grito:
- Oi guri!
- Tudo bem Walter?
E foi só, deixei o jornal sob o balcão da portaria e retornei com aquela imagem fantasmagórica que mais parecia uma mistura de “soldado de chunbo” e “guarda-chuva velho”. Continuava tudo igual, aquele seu rosto enrugado se harmonizava com seus cabelos compridos, repartido ao meio, quase sobre os ombros, com aspecto grisalho, atento a tudo, elétrico, quase nunca conseguia relaxar, parecia sempre em vigília, exceto quando se sentava ao telefone para conversar com uma “fadinha” quando percebia depois do expediente que ele ficava bem mais à vontade, parecia se derreter e delirar nas suas interlocuções... passava realmente por uma transformação.
E pude perceber naquele seu olhar., na sua voz.... que aquele “guri” soava engraçado, hiláriio, com um toque de alguém que queria se ombrear ou nivelar, enfim, parecia que achou alguém com quem pudesse externar desde a sua acidez às conversas sobre política..., além de disfarçar seus recalques, frustrações, dores que passavam por sua alma impoluta. Seu olhar amargo, sua voz ardida..., não escondiam toda a química que corria dentro do seu interior e comprometia suas palavras. O desafio, a astúcia, a impetuosidade, a intrepidez... tudo parecia fazer parte do contexto e da sua aura, especialmente, quando estava à frente a alguém com quem pudesse conversar... Pude entender que seu trabalho se transformou no seu mundo o que permitia criar asas e falar pelos cotovelos contra tudo e contra todos, menos contra os seus ícones..., como Angela, Esperidião e Heitor Sché. Talvez a culpa estivesse mesmo na mídia que tinha sede e fome de fisgar e trazer o mundo para dentro de nossas casas, como se fôssemos peixes e para no final das contas faziam de certa forma nos sentir incluídos e mais importantes.
Na verdade, enquanto caminhava senti pena de Walter, afinal ele era um subproduto do sistema responsável por encetar e animar e destruir mitos num processo rápido e constante, promover coisas, ideias e personalidades do momento, patrocinar poderosos... Do outro lado um grande número de desamparados atrás dos holofotes e quando não conseguiam.. acabavam prostrados no solo ou vencidos pelo tempo, quando passavam a descarregar sua ira nos mais próximos, como no caso do Escrivão Osnelito e outros tantos solitários, justamente, faziam isso sobre aqueles que aparentemente conseguiram um pouco mais ou que estavam mais próximos... Estava feliz porque ao permitir a construção dessa relação de forças passava a conhecer e compreender melhor aquelas figuras, além disso, podia me situar melhor no espaço e no tempo para poder compreender este universo.
Data: 25.05.99, horário, 09:00 horas - “Reinas ó ‘Chicão’, ‘chica-bom’ e ‘chicoteiro-mor...!’”
A reunião do Conselho Superior da Polícia Civil estava começando e o prato do evento era novamente o assunto era promoções na Polícia Civil. A Portaria de Carvalho suspendendo os processos de promoções relativos aos anos de 1996/1997/1998/1999 havia sido publicada no Diário Oficial. Antes, porém, Lipinzki comentava acerca do mandado de segurança impetrado pela OAB/SC contra o Provimento 04/99, do Des. Francisco José Rodrigues de Oliveira Filho. Observou que a Adpesc não teria peso para questionar a matéria no âmbito do Poder Judiciário e que a OAB/SC havia aceitado esse desafio. Lipinski ainda ponderou que o Desembargador Francisco tinha grandes resistências aos Delegados que para ele eram uma maioria, inclusive, que ‘Chicão’ teria participado essa sua opinião em reunião com seus pares no Tribunal de Justiça, deixando seus próprios colegas pasmos com sua agressividade... (logo percebi que realmente Lipinski não saia do gabinete de Carvalho, parecia que estava vendo as confidências do “homem do bigode” para seus súditos mais próximos...). Também, lembrei do professor “Chicão” na faculdade, se apresentava como uma pessoa dócil, amigo dos alunos, falante, de bem com a vida acadêmica, sempre muito simpático e receptivo, todos nós participávamos das suas aulas com muito prazer. E, depois da Faculdade de Direito, parece que ele apresentou uma mudança radical, imprevisível, assim como a lua possui seu lado obscuro a impressão era que o professor deixou de ser um catedrático paizão dos seus alunos e passou a ser ríspido, mal humorado, fechado, pedante, opressivo, julgador..., demonstrando ares de superioridade, coisa que até hoje não entendi. E, agora aparecia ele como “Corregedor-Geral de Justiça” afrontando normas constitucionais e legais, numa guerra que parecia toda particular, que ao que parece mexia com a química interior, revitaliza, dava sustento e orientava sua vida profissional e, finalmente, lembrava Hobbes: “Seria o homem é o lobo do homem?”
Parei e olhei o documento que estava sendo repassado por Moreto e descobri que se tratava de cópia do mandado de segurança impetrado pela OAB/SC contra o Provimento 04/99. Acabei me fixando na CPI do Judiciário e em todo o silêncio e reinava no reino de quem reinava absolutamente.
Data: 26.05.99 – “Frases e novamente a imagem do ‘icnoclasta’ Julio Teixeira”:
‘Acho um absurdo a liberação das Letras do Tesouro. Ao pedir o impeachment de Paulo Afonso, a OAB/SC se insurgiu contra duas coisas: a não-existência de precatórios e as negociatas feitas com corretoras e bancos. Isso não mudou.’
JEFFERSON KRAVCHYCHYN, presidente da OAB/SC sobre a polêmica da liberação das Letras do Tesouro, cuja emissão deu origem ao pedido de impeachment do ex-governador Paulo Afonso Vieira.
‘Não mudei de posição. Os culpados deverão pagar pelos ilícitos praticados. A resolução, se aprovada, não excluirá as penalidades. O governador Paulo Afonso, que foi julgado politicamente nas urnas, não foi e nem será recuperado, os catarinenses não têm a memória fraca.
JORGE BORNHAUSEN, senador (PFL/SC), presidente nacional do PFL, sobre a liberação das ditas Letras
‘Aprovo a postura do senador Bornhausen ao defender o tratamento isonômico para Santa Catarina, o que significa o desbloqueio dos R$ 534 milhões de títulos catarinenses.’
ESPERIDIÃO AMIN, governador do Estado
‘Minha sentença foi um ato jurídico perfeito e não pode ser alterada. Se o Senado liberar as Letras, os tribunais terão de avaliar.’
VORNEI IVO CARLIN, juiz da Vara da Fazenda de Florianópolis, que declarou a nulidade da operação de emissão das Letras do Tesouro no caso dos precatórios
Tolerância Zero
Havia um bom motivo para os sorrisos ostentados ontem de manhão pelo secretário da Segurança Pública, Luiz Carlos Schmidt de Carvalho. Ao chegar para o expediente, encontrou sobre a mesa carta do presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL) de Blumenau, Alexandre Rainieri Peters, cumprimentando-o pela ‘sensível redução’ dos índices de criminalidade e violência, na cidade e região, após o início do programa Tolerância Zero.
Os lojistas do pedaço agradecem, e querem mais.
(Diário Catarinense, 26.05.99, pág. 3)
Ipesc = salvação
Já está no Ministério da Fazenda o parecer jurídico referente à federalização da dívida do Ipesc. Mas que entgenharia financeira está sendo executada? E qual a relação das Letras, que voltaram à pauta de discussão, com todo esse processo? (...) Quando Amin fala em queimar as letras em praça pública, afirmando que não vai usá-las, é porque está efetuando uma troca. Um jogo de palavras, ou letras, dentro de uma engenharia financeira astuta’.
(Diário Catarinense, Paulo Alceu, 26.05.99, pág. 10)
Plenos sorrisos – lado a lado – uma foto do Presidente da Assembleia Legislativa Deputado Gilmar Knaesel no Diário Catarinense registrava - em sessão especial naquela Casa - a entrega a Pedro Sirotsky de uma placa comemorativa aos vinte anos do grupo RBS no Estado:
Assembleia homenageia a RBS
Sessão especial marcou os 20 anos da instalação da Rede em Santa Catarina
Florianópolis
A Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina homenageou ontem, em sessão solene realizada às 19h, a celebração dos 20 anos da instalação da Rede Brasil Sul (RBS) no Estado. A proposição do deputado Wilson Wan-Dall (PFL), aprovada pela unanimidade dos deputados, serviu para ‘reconhecer as ações de caráter comunitário desenvolvidas pela empresa e, principalmente, por ter transformado a vida dos catarinenses, tornando-se elo fundamental para a sua integração’.
Reconhecimento
‘Ao desejar à RBS a continuidade do sucesso em seus empreendimentos, tenho a certeza de que estamos desejando a todos os catarinenses o acesso à informação, à cultura e ao entretenimento de qualidade.’
‘Em poucos anos os veículos da RBS produziram uma ampla revolução na comunicação social em Santa Catarina, introduzindo novas tecnologias e cobrindo com televisão, rádio e jornal todo o território catarinense’.
Pedro Sirotsky, vice-presidente da RBS
‘Agradeço a lembrança que aqui foi feita a Maurício Sirotsky Sobrinho, fundador da RBS, meu pai, um visionário, homem que enxergou aquilo que poucos conseguem. Ele deixou seu legado para que sigamos o mesmo caminho’.
(...)
(Diário Catarinense, 26.05.99, pág. 6)
As manchetes policiais:
Menino é espancado no colégio e morre
Morte ocorreu em função dos socos e chutes que levou dos colegas
São Paulo
Uma brincadeira dentro da sala de aula matou o estudante Diego Gonçalves dos Santos, de 12 anos, enterrado ontem, em Santos (SP). O menino foi internado na manhã da última Quinta-feira, depois de apanhar num corredor polonês formado por alunos de uma turma da 6a série da Escola Estadual Marechal Eduardo Gomes, no Balneário do Garujá. Ao passar por dois grupos de estudantes enfileirados, o menino levou vários socos e chutes (...)
Sem Terra
MST comemora 14 anos de atividades
Abelardo Luz
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra de Santa Catarina celebrou ontem 14 anos de atividades no Estado. A data foi festejada com um evento em Abelardo Luz, na comunidade Santa Rita, na Ponte Alta do Rio Chapecó, local onde aconteceu a grande invasão de duas mil famílias, em 25 de maio de 1985.
(...)
Estelionatário preso após perseguição na Capital
Anderson da Silva usava o nome de Alexandre de Oliveira e tinha talões de cheque especial
Luiz Machado
Florianópolis
Depois de uma perseguição pelas ruas de Florianópolis, a Diretoria Estadual de Investigações Criminais (Deic), com a ajuda de policias militares, prendeu na noite de Segunda-feira o foragido da Justiça Anderson da Silva, 26 anos, conhecido por Ratão. Ele usava o nome de Alexandre de Oliveira e foi autuado em flagrante por falsidade ideológica, estelionato e resistência à prisão. Devido às suas várias passagens pela polícia desde 1992, o diretor da Deic, delegado Dirceu Silveira, acredita que ele seja ‘um dos maiores estelionatários de Santa Catarina’.
(...)
Estudante detido em flagrante com droga
O estudante de Ciências Políticas Cleberson Roberto de Oliveira Duarte, 22 anos, foi preso em flagrante na noite de Segunda-feira acusado de tráfico de drogas. Conforme a delegada da 9a Delegacia (Jardin Atlântico) Madge Branco, de Florianópolis, Duarte estava com meio quilo de maconha e uma balança de precisão (...).
(Diário Catarinense, 26.05.99, pág. 35)
Bom, e a polícia de Estado? Acho que talvez só para o próximo milênio, desde que acompanhada de uma visão quântica..., muita cultura e educação, saúde, Justiça... e libertação, além do autoconhecimento por parte de tudo e de todos:
Porém, a polícia pode ser bem melhor, desde que se comece por:
- não ser repressora;
- não ser autoritária;
- ser científica, presente e eficaz;
- ser, tanto quanto possível, imperceptível, invulnerável e transparente;
- representar o que há de melhor na sociedade e ser guardiã de seus interesses legítimos, e que seja
- uma polícia de Estado.