Data: 05.05. 99, horário: 09:10 horas, “Reunião do Conselho”:

Cheguei dez minutos atrasado na reunião do Conselho que não estava mais sendo realizada na “sala de reuniões” da Delegacia-Geral. Achei que poderia haver alguma demora quanto ao início dos trabalhos até descobrir que haviam mudado de local. Entretanto, pela segunda vez dei com os burros n’água, estavam todos já reunidos, só que daquela vez no quarto andar, no Gabinete do Delegado-Geral.

Moreto sentado na ponta da mesa, tendo a seu lado o Delegado Eloi Azevedo, seguido de Lourival Mattos, Renato Ribas e Mauro Dutra. Na outra ponta da mesa, estavam eu, Lipinski e Rachadel. Mais adiante, Sedenir Figueiredo, mais um outro e, finalmente, Optemar que secretariava os trabalhos.

Estava em discussão o “Boletim de Avaliação Indireta” (semestral) para fins de promoção por merecimento. Havia dificuldades de como se proceder para o preenchimento do documento, questões sobre as interrupções das avaliações...

O Delegado Lourival destacou que havia dificuldades de se fazer esse tipo de avaliação, cujos critérios deveriam ser alterados.

Moreto, antes de encerrar, gentilmente perguntou se eu gostaria de falar alguma coisa e não perdi a oportunidade para fazer talvez aquela que foi a minha primeira intervenção e um desabafo:

“Olha vocês não se preocupem não porque a avaliação do desempenho é assim mesmo. Quando trabalhei nesses dispositivos da lei estive estudando outros sistemas, como por exemplo o da Caixa Econômica Federal que era tido como um dos mais avançados, além de outros. Só que na Caixa eles fizeram várias tentativas de ajustes, sem que chegassem a um consenso. pelo que eu soube até pouco tempo atrás estava tudo suspenso lá. Assim, o importante é que nós estejamos  discutindo o assunto, enfrentando esse mesmo tipo de problema, o que nos colocará na vanguarda se compararmos com outros Estados que não possuem nada e, ainda, os policiais civis serão promovidos pela Administração ao invés de ficar tudo emperrado como agora está. Esse boletim de avaliação é de vital importância, na verdade a instituição tem uma dívida com os policiais civis e deve fazer esse resgate, e será em parte por meio desse boletim que servirá como banco de dados a respeito da vida de nossos policiais...  Me expliquem quais são as nossos fontes de informações a respeito do desempenho funcional de nossos policiais? Como é que podemos explicar não termos informações do que ocorre dentro das repartições policiais em termos de desempenho de nossos profissionais? Tomo como por exemplo as nossas casas, se não soubermos o que acontece como é que fica? Vira uma bagunça. Então, essa é uma dívida que temos com nossos policiais que trabalham, se dedicam, vejam o caso do Sérgio Lélio Monteiro, se tivéssemos um banco de dados certamente que a direção da Polícia Civil teria detectado lá na frente irregularidades bem antes da coisa ficar fora de controle, sem que precisasse ter acontecido tudo aquilo com o nosso Delegado. Mas, não vejo nenhum problema quanto a se suspender a avaliação semestral, contanto que sejam resguardados os pontos conquistados nas avaliações dos semestres anteriores”.

Depois disso me recolhi novamente ao meu silêncio, satisfeito pelo quase desabafo que havia feito e por ter lembrando do amigo Sérgio Lélio Monteiro, numa espécie de homenagem a seu nome, seu passado, só lamentei de não ter registrado o nome do Delegado Alcino e de tantos outros atingidos pela insanidade de alguns e pelo caos na administração da Polícia Civil e da Segurança Pública.

Em seguida passamos a fazer a avaliação indireta dos Delegados de Quarta Entrância. Rachadel que era parte interessada pediu para deixar o recinto,  fazendo questão de enfatizar as razões de seu procedimento. Enfim, pelo que foi comentado estavam em jogo treze vagas para a Entrância Especial e ele concorria para uma delas.

Ao final da reunião Moreto conversou comigo reservadamente e já sabia o que ele iria dizer:

  • Felipe eu estava pensando melhor quando aquele material...
  • Sim, eu sei, já constou da ata anterior a aprovação daquelas medidas. Entendi!
  • Pois é!
  • De qualquer forma acho importante que se leia a proposta de portaria do Secretário e que conste todo o material da ata de hoje.
  • Sim!

E Moreto pediu para que Optemar fosse buscar o material. Depois de alguns minutos o próprio Moreto explicou os termos da portaria e fez a sua leitura. Ninguém comentou absolutamente nada e tudo foi aprovado. Só que observei que a proposta de deliberação não foi lida e submetida ao Conselho, o que achei um erro não grave porque se tinham aprovado os termos da portaria do Secretário, o conteúdo da deliberação praticamente era o mesmo e achei que tudo estava certo, mesmo porque Moreto poderia assinar a deliberação como na proposta original.

Horário: 11:00 Horas, “O Espírito Presente”:

Cid Goulart me telefonou lá da Consultoria Jurídica perguntando se eu estava de dieta, não tinha entendido, mas ele continuou insistindo na pergunta:

  • Vem cá, tu tá de dieta?

(...)

Em razão da reiteração da pergunta e já desconfiado, não disse que sim nem que não:

  • É porque eu ia te convidar para almoçarmos juntos e já tratarmos daquela portaria, o Secretário continua preocupado e quer assinar isso logo.
  • Sim, como tu demorasse um pouco eu já fiz uma proposta, passou pelo Moreto, pelo Conselho e já foi.
  • Eu também estou com ela na máquina quase pronta, mas queria discutir contigo.
  • Olha Cid eu saí agora da reunião do Conselho que aprovou também uma deliberação e a proposta de portaria para ser apresentada para ao Secretário...
  • Ah é? E como fica aquela portaria do Thomé? É, nos mesmos termos que... vocês seguiram ela?
  • Bom, aproveitamos o espírito dele.
  • Como é que é?
  • Seguimos o espírito da proposta dele.
  • Ah, sim., tu queres me dizer que o conselho aprovou uma deliberação hoje e tu queres me dizer que aprovou também uma proposta de portaria, é isso mesmo?
  • Sim!
  • Então tá bom, tu poderias vir agora aqui.
  • Sim.
  • Então eu estou te esperando.
  • Já chego aí.

Em poucos minutos já estava no gabinete do Consultor Jurídico e Promotor  Cid Goulart, porém, logo ao chegar naquele andar ouvi a voz dele conversando com Valério Brito:

  • Felipe Genovez! (Valério)
  • Oi! (Felipe)
  • Doutor Cid este aqui é o Doutor Felipe.

E fui cumprimentando Cid, com um sorriso meio que contido diante da pureza de Valério.

- Muito prazer doutor Cid!

E Valério parece que desconfiou que algo estava errado pelas nossas “caras”.

  • Então vocês já se conhecem, são amigos há muito tempo!

Olhei para Cid e não falei nada, deixei que falasse por si. Na verdade a fisionomia de Cid era muito familiar, sabia que a gente se conhecia de algum lugar, mas não lembrava mais se era da Universidade Federal, do Colégio Catarinense... ou de algum outro lugar. Cid, ao contrário, me tratava com certa intimidade como se fôssemos conhecidos de longa data, sem cerimônias, e isso me preocupou porque por mais que me esforçasse não conseguia lembrar de onde, enquanto ele demonstrava bem o contrário, dava impressão que tinha uma boa memoria e que me conhecia de longa data:

  • Sim, eu conheço o Genovez desde a época que ele morava em Coqueiros,  tinha o cabelo por aqui... (e colocou a mão direito com a palma voltada para baixo na altura do peito)

Realmente me pegou de surpresa, não esperava isso e mediante o brilho no olhar de Valério, completei:

  • Claro, do Bairro de Coqueiros, lá perto do Jackson, éramos quase todos vizinhos,  mas passou um tempão, heim? Quanto tempo!
  • É verdade, do Jackson também!

(...)

E nos despedimos de Valério para ir nos trancafiar no seu gabinete:

  • Pois é, tu tinhas me convidado para almoçar.
  • Não foi para almoçar, eu estava te convidando é para passar o meio-dia aqui trabalhando, eu mandaria buscar coca-cola, lanche e nós iríamos tocando a portaria.

Refeito da gafe e percebendo a ligeireza mental de Cid (na verdade não tinha tempo para pensar mentalmente daquele seu jeito e, também, não estava na sua condição privilegiada...) procurei repassar a minuta da portaria, explicando que Moreto era para estar presente, mas devido ao acúmulo de serviço havia pedido para que o representasse. Expliquei a aprovação da proposta rapidamente.  A seguir, retornei de imediato para a Delegacia-Geral para apanhar o disquete que havia esquecido, com o arquivo, enquanto isso Cid ficou de dar uma olhada nos “considerandos”. Fizemos algumas pequenas alterações na redação original e ficou tudo bem. Depois disso me fui!

No retorno para Delegacia-Geral acabei lembrando a Delegada Sandra Andreatta que foi colega de turma no curso de formação para Delegado de Polícia de Cid Goulart e de Alexandre Graziotin que chegaram serem nomeados e a exercerem durante pouco tempo suas funções. Segundo Sandra  os colegas de turma eram inseparáveis durante todo o curso, Graziotin apelidado carinhosamente de “Batman” e Cid de “Menino Prodígio”. O fato era que ao reencontrar Cid Goulart depois de muitos anos, longe de nossa adolescência e fase já pré-adulta no Bairro Coqueiros (Florianópolis), pude notar que ganhou peso, estava mais parecido com o ator Adan West, já Gaziotin era pequeno de estatura e estaria mais para “Robin”. Diante desse raciocínio, teria que aplicar o efeito invertido para suas fantasias ou papéis, apesar do processo de lavagem cerebral que sofreram ao ingressarem no Ministério Público. Certamente que se fossem ainda Delegados estariam no nosso “grupo” lutando por uma grande causa como eu estava fazendo para mudar o curso da história das Polícias. Depois fiquei imaginando da possibilidade de me conhecer por meio da Academia de Polícia, justamente durante o governo Kleinubing, quando eu já havia lançado o meu Estatuto da Polícia Civil Comentado, em sendo assim a possibilidade era que eu fosse mais familiar para ele em razão do conjunto de informações...