Data: 04.0.99, horário: 10:30 horas, “A Proposta”:

Estava na “sala de reuniões” da Delegacia-Geral e depois de dar uma lida na proposta chancelada pela Associação dos Delegados do Estado de Santa Catarina (Adpesc) sobre o imbróglio das promoções da Polícia Civil, procurei desenvolver uma nova portaria e manifestação ao Conselho Superior, aproveitando o que já havia sido deliberado na reunião anterior. Nesse sentido, procurei aproveitar parte dos estudos apresentados pelo Delegado Thomé, registre-se de passagem, digno de registro, especialmente, pela sua dedicação e esforço na abordagem que procurou fazer da legislação especial de promoções (lamentavelmente descumprida no governo anterior da qual fez parte e tinha bastante influência).

O Delegado Wilmar Domingues esteve na “sala de reuniões” conversando comigo a respeito do pleito do Delegado Thomé (e da Adpesc). Disse que já estava inteirado do assunto e me confidenciou que essa iniciativa estava ocorrendo em razão do interesse daquele delegado nas suas promoções, e que havia discordado justamente porque seria mais interessante que a promoção não fosse retroativa. Wilmar Domingues argumentou ainda que se não fosse aceito os seus argumentos o Delegado Thomé teria uma boa classificação na promoção retroativa e poderia escolher uma comarca melhor na sua promoção. Concordei com o seu raciocínio, mas a questão era como negar promoção retroativa para um universo de policiais só para prejudicar uma única pessoa. A única crítica que tinha era que a gestão anterior havia tratado com desdém os processos promocionais e a nosso Adpesc simplesmente havia silenciado o tempo todo, aliás, só veio acordar para o problema depois que mudou o governo. Mas o que fazer, a lei tinha que ser cumprida e os processos promocionais deveriam ser todos realizados. Quando ao efeito retroativo das promoções para fins de pecúnia, argumentei que dependeriam da forma como os atos fossem formatados.

Resolvi ir até a “Assistência Jurídica” tirar a impressão do material, encontrando o Delegado Braga que ao ver a minha pressa, lançou uma pergunta:

  • Sim Felipe o Secretário não tem mais te chamado?
  • Sim. Ontem falei com ele.

Vi que Braga segurava a curiosidade e antes que ele se adiantasse:

  • Olha Braga ele me chamou para que opinasse quanto à expedição de uma portaria suspendendo as promoções. Ele estava em dúvida se era ele ou o Moreto quem deveria assinar o ato, inclusive, é sobre isso que eu estou tirando agora uma impressão, vou deixar uma cópia aqui na “Assistência Jurídica” porque não tenho onde guardar, só peço reserva pelo relevância da matéria.
  • Sim, não tem problema, mas Felipe tu tens notado como esse Secretário é esperto, não saí dos jornais, está em todas, todo dia tu vê o nome dele estampado nos jornais, na televisão, só falam dele na área de segurança... coitado do Moreto, nem aparece.

(...)

Nesse instante me veio á mente o “Plano TZ” engendrado por marqueteiros de plantão (leia-se: ...) e o efeito “neosaldina”:

  • É verdade Braga, todo mundo nota que ele tem uma boa penetração na mídia.
  • Escuta aí,  o nosso jantar está de pé amanhã?
  • Sim.
  • O pessoal chega no horário? Por que eu sou muito pontual nos compromissos.
  • Sim. Todos chegam no horário, pode ser que um ou outro se atrasa um pouco, mas isso é raro.
  • E o Jorge? Ele também chega no horário?
  • Ele é pontual, só que as vezes fica dando uma volta pela cozinha do restaurante, sabe como é que é, depois que ele virou administrador do restaurante do Geraldo.

(...)”.

Eis a proposta de “Portaria”:

ESTADO DE SANTA CATARINA

SECRETARIA DE ESTADO DA SEGURANÇA PÚBLICA

PORTARIA N.   /GAB/SSP/99

O Secretário de Estado da Segurança Pública,  nos termos do 74, incisos I, III e V, art. 3°., inciso I, da Lei n. 8.245, de 18 de abril de 1991, e no art. 1º, Inciso II, alínea ´a´ e considerando as disposições previstas no art. 2º, incisos I e II, ambos do Decreto n. 014, de 23.01.95, e

I - Considerando:

  1. que a  instauração, tramitação e conclusão de processos de progressão funcional  no âmbito da Polícia Civil  constitui-se condição essencial à edição de atos de promoção de policiais civis;
  2. que a legitimidade desse processo deverá se fundamentar nos princípios que regem a elaboração e publicidade de atos administrativos na esfera da Administração Pública (art. 37, CF/88), podendo, inclusive, o administrador anular seus próprios atos eivados de nulidade ou revogá-los por motivo de conveniência, nos termos da Súmula n. 473 do STF;
  3. que compete ao Poder Público proceder a deflagração dos concursos de promoção nos termos da legislação aplicável (Lei Complementar 098, de 16 de novembro de 1993), observado os critérios para início do processo (art. 40, pars.), abertura das vagas (art. 46, incisos), contagem de pontos e publicação preliminar da nota de merecimento (art. 50, par. 1°), processamento dos pedidos de revisão (art. 50, pars. 2° e 3°), interposição de recursos (art. 51), aprovação final (art. 52, inciso I) e publicação dos atos de promoção (art. 45, 47 e 52, II);
  4. que no caso dos integrantes do Subgrupo: Autoridade Policial  há imperiosa necessidade da realização prévia de concurso de remoção horizontal, de acordo com o sistema de entrâncias previstas na legislação vigente (art. 40, par. 4° c/c 47, parágrafo único, ambos da  LC 098/93);
  5. que no ano de 1996, apesar das comissões de promoções terem concluído seus trabalhos dentro dos prazos previstos na legislação especial, o Chefe do Poder Executivo retardou a edição dos respectivos atos por vários meses o que comprometeu invariavelmente os processos seguintes, cujos procedimentos sequer foram iniciados, conforme Exposição de Motivos n.     /GAB/DGPC/SSP/99 do Chefe da Polícia Civil do Estado que, inclusive, faz menção expressa a situação similar ocorrida no ano de 1987, quando a Administração Policial Civil não realizou processos de promoções;
  6. também, que as inovações previstas na Lei Complementar 160, de 19.12.97, com  reflexos imediatos na otimização das lotações de autoridades policiais (Anexo I, ‘in fine’, da LC 55/92), trouxeram expectativas de mudanças na estrutura jurídica do Subgrupo: Autoridade Policial, com reflexos nas lotações funcionais (art. 40, par. 4°, LC 098/93);
  7. que o retardo na tramitação do projeto de Lei Complementar n. 4050/98 que resultou na Lei Complementar 178, de  08 de abril de 1999 e que estabeleceu as adequações ao Subgrupo: Autoridade Policial as inovações previstas no âmbito do Poder Judiciário, especialmente, quanto à reestruturação jurídica da carreira e reestruturação das comarcas para efeito lotacionais;
  8. que o processo de promoção previsto para 10 de maio de 1999 já se encontra comprometido por falta de publicação preliminar dos pontos;
  9. que os servidores policiais civis têm mera expectativa de direito no que pertine à ascensão funcional, devendo subordinar-se ao Poder Público quanto a edição desses atos e não este àqueles, mormente quando deixaram os prazos se esgotarem sem que tivessem se registrado qualquer mobilização no sentido de reivindicarem do Poder Público a realização dos respectivos processos nos termos da legislação aplicável;
  10. os termos do Ofício n. 018/99, da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de Santa Catarina, devidamente homologado pelo Conselho Superior da Polícia Civil, bem como da Deliberação n.    01/CSPC/DGPC/SSP/99, datada de 05 de maio do corrente ano, encaminhada pelo Delegado-Geral da Polícia Civil que propõem por unanimidade a suspensão definitiva do concurso de promoções nas datas oficiais relativas aos anos de 1996, 1997 e 1998 e, ainda, seja declaro inviabilizado o mesmo certame previsto para 10 de maio de 1999; e, finalmente,

II – Considerando as sérias dificuldades financeiras porque passa o Estado de Santa Catarina, cujo governo atual recém empossado recebeu como legado do anterior três folhas de pagamentos atrasadas relativas a compromissos com grande parte dos servidores públicos estaduais, inclusive, dentre os quais também estão  os policiais civis,

RESOLVE:

  1. Suspender definitivamente a realização dos processos de progressão funcional dos servidores policiais civis relativos aos anos de 1996, 1997 e 1998; 
  2. Declarar, preliminarmente,  inviabilizado o processo de promoção desses mesmos servidores com vistas à edição de atos de promoção previstos para 10 de maio de 1999.

Florianópolis,

Cumpra-se.

Florianópolis,

Luiz Carlos Schmidt de Carvalho

Secretário de Estado da Segurança Pública

 

ESTADO DE SANTA CATARINA

SECRETARIA DE ESTADO DA SEGURANÇA PÚBLICA

DELEGACIA GERAL DA POLÍCIA CIVIL

CONSELHO SUPERIOR DA POLÍCIA CIVIL

DELIBERAÇÃO N.    01/CSPC/DGPC/SSP/99

O conselho Superior da Polícia Civil, em sessão de   5 de  maio de 1999, após discutir o conteúdo do  Ofício n. 018/99, da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de Santa Catarina, tendo como anexo estudos profícuos do doutor Ricardo Lemos Thomé que propôs uma  posição oficial acerca dos processos de promoção que não foram realizados no transcorrer dos anos de 1996, 1997 e 1998, e considerando que:

  1. A  instauração, tramitação e conclusão de processos de progressão funcional  no âmbito da Polícia Civil  constitui-se condição essencial à edição de atos de promoção de policiais civis;
  2. a legitimidade desse processo deverá se fundamentar nos princípios que regem a elaboração e publicidade de atos administrativos na esfera da Administração Pública (art. 37, CF/88), podendo, inclusive, o administrador anular seus próprios atos quando eivados de nulidade ou revogá-los por motivo de conveniência, nos termos da Súmula n. 473 do STF;
  3. compete ao Poder Público proceder a deflagração dos concursos de promoção nos termos da legislação aplicável (Lei Complementar 098, de 16 de novembro de 1993), observado os critérios para início do processo (art. 40, pars.), abertura das vagas (art. 46, incisos), contagem de pontos e publicação preliminar da nota de merecimento (art. 50, par. 1°), processamento dos pedidos de revisão (art. 50, pars. 2° e 3°), interposição de recursos (art. 51), aprovação final (art. 52, inciso I) e publicação dos atos de promoção (art. 45, 47 e 52, II);
  4. no caso dos integrantes do Subgrupo: Autoridade Policial  há imperiosa necessidade da realização prévia de concurso de remoção horizontal, de acordo com o sistema de entrâncias previstas na legislação vigente (art. 40, par. 4° c/c 47, parágrafo único, ambos da  LC 098/93);
  5. no ano de 1996, apesar das comissões de promoções terem concluído seus trabalhos dentro dos prazos previstos na legislação especial, o Chefe do Poder Executivo retardou a edição dos respectivos atos por vários meses o que comprometeu invariavelmente os processos seguintes, cujos procedimentos sequer foram iniciados, conforme relatórios apresentados pelos respectivos presidentes das comissões responsáveis pelos processos de promoções dos respectivos subgrupos de carreiras;
  6. inclusive,  situação similar  e que serve de precedente veio a ocorrer  no ano de 1987, quando a Administração Policial Civil deixou de realizar o certame previsto para 21 de abril daquele ano, haja vista a entrada em vigor do novo Estatuto da Polícia Civil no ano anterior (Lei 6.843, de 28 de julho de 1986) e que trouxe alterações ao sistema de progressão funcional e, também,  porque em razão da alternância no Executivo Estadual, a administração policial havia deixado passar em branco os prazos sem ter deflagrado o respectivo processo de acordo com as normas estatutárias;
  7. também, as inovações previstas na Lei Complementar 160, de 19.12.97, com  reflexos imediatos na otimização das lotações de autoridades policiais (Anexo I, ‘in fine’, da LC 55/92), trouxeram expectativas de mudanças na estrutura jurídica do Subgrupo: Autoridade Policial, com reflexos nas lotações funcionais (art. 40, par. 4°, LC 098/93);
  8. houve retardo na tramitação do projeto de Lei Complementar n. 4050/98 que resultou na Lei Complementar 178, de  08 de abril de 1999 e que estabeleceu as adequações ao Subgrupo: Autoridade Policial as inovações previstas no âmbito do Poder Judiciário, especialmente, quanto à reestruturação jurídica da carreira e reestruturação das comarcas para efeito lotacionais;
  9. o processo de promoção previsto para 10 de maio de 1999 já se encontra comprometido por falta de publicação preliminar dos pontos;
  10. os servidores policiais civis têm mera expectativa de direito no que pertine à ascensão funcional, devendo subordinar-se ao Poder Público quanto a edição desses atos e não este àqueles, mormente quando deixaram os prazos se esgotarem sem que tivessem se registrado qualquer mobilização no sentido de reivindicarem do Poder Público a realização dos respectivos processos nos termos da legislação aplicável;
  11. o Estado encontra-se ainda em sérias dificuldades financeiras, como ocorre com o atraso nos vencimentos de servidores públicos, 

RESOLVE APROVAR AS SEGUINTES DELIBERAÇÕES:

  1. Aprovar as sugestões chanceladas pela referida entidade de classe e objeto do  Ofício n. 018/99, da ADEPSC;
  2. Suspender definitivamente os processos de promoção relativos aos anos de 1996, 1997 e 1998;
  3. No mesmo sentido anterior, declarar prejudicado o processo de promoções dos policiais civis relativos à promoção de 10 de maio de 1999.

Florianópolis, 4 de maio de 1999

Evaldo Moretto

Delegado-Geral da Polícia Civil

 

Data: 12:20 horas, “A Mulher de Garcez”:

  • Alô!
  • Alô! O doutor Rubem Garcez se encontra?
  • Quem tá falando?
  • Aqui quem está falando é Felipe Genovez.

Em frações de segundo lembrei que toda vez que ligava para residência de Garcez e conversava com sua esposa ela saia com aquela frase seca, aguda e compactada, parecia ditatorial, inquisitorial, uma guardiã do marido:

  • Ah, sim, ele está dormindo, está muito cansado, tirou plantão esta noite.
  • Certo. Ele voltou a trabalhar?
  • Voltou.
  • Sim. A senhora poderia dar um recado para ele?
  • Sim.
  • Avisa que amanhã à noite nós temos aquele nosso encontro do grupo lá no Restaurante Candeias, ele sabe onde é que é,  ele faltou os últimos encontros, então se puder diga para ele que nós estamos aguardando muito a sua presença e que é para ele não faltar, certo?
  • Certo. Pode deixar que eu dou o recado.
  • Obrigado Senhora.

Ao desligar o telefone já tinha uma certeza, era de noventa e nove vírgula nove por cento de que Garcez não apareceria. e veio a minha mente aquela pessoa idealista, cheia de convicções..., quanto desperdício para a instituição, preferia nem ouvir mais as suas desculpas, mas tinha que exercer a arte da tolerância...  Enfim, o jeito era continuar tentando e acho que fiz a minha parte. Havia assumido um compromisso comigo mesmo, isto é, não iria telefonar para mais ninguém sobre o encontro do dia seguinte (que já tinha sido postergado na semana que passou).

Data: 16:30 horas, “O fator Wilmar Domingues”:

O Delegado-Geral Moreto fez contato por meio de celular, apesar de eu estar no prédio, no lugar de sempre:

“(...)

  • Alô Felipe, eu estava vendo aqui, essa proposta de deliberação tu achas realmente que isso aqui é necessário, deve passar pelo Conselho?
  • Olha Moreto eu acho que sim, o certo é isso aí, até para evitar que amanhã alguém diga que isso é coisa do Carvalho e do Moretto, dessa maneira, havendo uma decisão do Conselho passa haver uma divisão maior de responsabilidades, vale inclusive para a Justiça em caso de mandados de segurança, mas não sei, a decisão é tua.
  • Tudo bem quanto à proposta de portaria, mas essa deliberação aqui tem coisa que não foi decidida pelo Conselho naquela reunião.
  • Não! Mas tudo bem! Olha apesar de que na última reunião do Conselho foi aprovada a proposta da Adepsc, o que está sendo proposto aí é que essa deliberação seja aprovada novamente com essas alterações, quando é que tem reunião novamente, é amanhã?
  • Claro, claro! Estou vendo aqui a data do dia cinco de maio, tá certo, mas eu me preocupo porque alguém pode votar contra, o Wilmar vai ser contra.
  • Olha Moreto toda unanimidade é burra, acho até salutar isso, que haja votos contra, faz parte, é preciso se respirar liberdade e o importante é que essa deliberação seja aprovada desse jeito.
  • Sim, é verdade, que seja feito uma declaração de voto dele à parte.
  • Então, se tu concordares, coloca na pauta, aprova e encaminha para o Secretário.
  • Certo. Eu vou botar em votação.

Já conhecia um pouco Moreto e tinha dúvidas se realmente ele iria fazer isso, mas sinceramente esperava que ele submetesse a proposta ao Conselho como havia recomendado, independentemente, da posição contrária do Delegado Wilmar Domingues, portanto, havia feito a minha parte.

Lembrei do Consultor Jurídico Cid Goulart que  tinha ficado de me telefonar, entretanto, já havia passando o dia e nada, mas o fato era que não fiquei esperando por ele, praticamente estava tudo dando certo, a portaria já estava pronta e Moreto havia concordado, ainda mais se a minha proposta de ir para o Conselho viesse a ser aprovada por meio de deliberação. Se bem que a parte da matéria já havia passado pelo crivo dos conselheiros na última reunião. O problema era que havia alterado os termos da proposta de portaria e quanto a isso Moreto não havia atentado ou se fez de rogado.

Depois desse contato me achei ridículo sendo usado para um tipo de operação tapa-burado da gestão anterior, justamente eu que me sentia fora de tudo, deslocado do centro...De qualquer maneira teria que decidir qual seria o meu futuro e o problema era que teria que permanecer na Delegacia-Geral, meu local de lotação e o único caminho seria mesmo a "Assistência Jurídica",  sem cargo comissionado, até em respeito ao que sempre defendi e aos membros do nosso grupo.