Data: 27.04.99, horário: 16:00 horas, “Garcez: Mistérios do Castro”:

Telefonei para residência do Delegado Garcez por meio do “telefone vermelho” que estava na sala anteriormente ocupada por Osnelido que continua vazia. Do outro lado da linha ouvi aquela voz jovial feminina que passava um clima provinciano, um misto de aconchego, serenidade e curiosidade:

  • Alô!
  • É a Laila?
  • Sim.
  • Desta vez eu reconheci a voz, e não confundi não com a Zaira. (sorrisos)
  • Ah, é, quem é que está falando?
  • É o Felipe.
  • Ah, não reconheci a voz. (sorrisos)
  • Visse, desta vez não troquei os nomes, mas o teu pai está aí?
  • Sim, só um momento.

(...)

Depois de esperar alguns instantes e pensar na simpática Laila seu pai veio atender o telefone, mas ficava com a pulga atrás da orelha, aquele ar de mistério, de alguém que já estava próximo do telefone, mas optava por criar uma sensação de distância, formalidades..., tudo parecendo para manter uma certa distância da sua fortaleza.

Garcez como já era de se esperar, procurava externar sua frustração com tudo, desde o cenário mundial, passando pelo nacional e local. Tudo parecia lhe afetar e um sentimento de impotência parecia rondar seu espírito revolto:

“(...)

- Estive meditando muito, já estou com cinquenta anos e não estou mais na idade de me iludir, de ter que conviver com pessoas com quem não tenho afinidades...;

(...)

- Sabes como é, naquela terça-feira eu até iria ao encontro, mas cheguei com a minha esposa do centro, peguei um engarrafamento e já era tarde, achei melhor não ter ido...;

(...)

- Mas o que discutiram lá? Não adianta, esses encontros não dão em nada, se for só para amenidades não me interessa mesmo, como já te disse estou chegando aos cinquenta anos e não estou mais para isso...;

(...)

Tem gente no grupo que já ocupou diversos cargos, foram Delegado-Geral, Corregedor-Geral... e nunca me valorizaram, nunca deram espaço para mim,  por quê agora eu tenho que conviver com essas pessoas...?;

(...)

- Eu tenho sérias restrições..., tu és uma das poucas pessoas que eu respeito ali, aliás tenho ido aos encontros porque tu me convidasses e se for até para a gente formar uma frente eu concordo, mas ali naquele grupo, me desculpe Felipe, eu sei que tu tens amizade...;

(...)

- Tu vê, o Krieger está lá no Gabinete assessorando o Secretário..., eu tenho restrições a certas pessoas, tu me desculpe a sinceridade, podem ser teus amigos...;

(...)

- Ele não está mais lá? Ele não iria para a Academia? ...Então o Peixoto é que ficou na direção da Academia? Tu vê, não mudou nada, continua tudo a mesma coisa...;

- Tenho lido muita coisa, filosofia, sociologia...;

(...)

- Agora tu vê, com tantos escândalos financeiros neste país, tanta corrupção,  temos ainda que ficar prendendo esses “ladrãonzinhos” por aí e expô-los à humilhação porque a imprensa...;

(...)

- Uma pessoa que eu acho que a gente poderia contar é o Cláudio, eu não sei o nível intelectual dele, mas é uma pessoa confiável, de uma moral inquestionável...;

(...)

- Não sei se vou ao próximo encontro, vou pensar, me telefona, não te garanto nada...;

(...)”.

Procurei persuadir o espanhol com “sangre caliente” a ir ao próximo encontro não era tarefa fácil, mas havia um fio de esperança, depois lembrei que não havia revelado que o Delegado Braga também havia sido convidado. Procurei dar ênfase à tolerância, como a grande virtude para lidar com tantas situações e pessoas tão diferentes e seus egos, aliás, sem essa arte não conseguiríamos criar maiores vínculos, a começar pelos tão diversos interesses de cada “continente”. Mas restou aquela impressão de que Garcez estava num dia muito ácido e por isso se refugiava no seu castro onde certamente era o seu “príncipe”. Acabei lembrando que uma das suas características era o fator imprevisibilidade, o que geralmente fazia com que mudasse facilmente de humor, muito embora suas posições eram fortes e fundamentadas em verdades pessoais, especialmente, quando se recolhia dentro do seu principado, um mundo intransponível e acessível a uns poucos.

E lembrei da mulher de Garcez, tantos anos de convivência profissional e amizade, sem que nunca tivesse a oportunidade de conhecê-la, era guardada a sete chaves, nunca aparecia, muito embora sabia que era uma “baita de uma mulher” em termos de ser gente. Apesar de desconhecer sua formação intelectual, sabia que era quem cuidava da casa, das filhas, do pão caseiro, da cozinha, da limpeza, da roupa... e para que Garcez pudesse ter o seu momento de leitura, reflexão, introspecção e mergulho nos seus livros, ... seria um grande mistério, de certa forma se nivelando com “Leninha” de Jorge Xavier e indo de encontro com as fadas. Talvez fosse até uma bruxa, mas bem diferente das outras, apenas para Garcez poder ser o que era? Não sei bem ao certo, mas os bons anjos devem iluminar e orbitar aquele lar e ela – uma esmerada nas lides domésticas, apesar de todo o seu desgastes, deveria ter uma participação decisiva no equilíbrio das coisas, defensora intransigente da sua prole. E todo o seu silêncio acabava por contrastar com o pulsar constante, compulsivo e barulhento do Garcez no plano filosófico e institucional, pois se percebe que ela – singela, feliz  e indiferente,  tinha a sua linguagem e o seu lugar no mundo castrense.

Data: 28.04.99, horário: 09:00 horas, “O velho homem guardião-mor”:

Fui tomar um café na lanchonete “Pão de “Queijo” (Avenida Osmar Cunha, próximo da Rua Jerônimo Coelho – Centro de Florianópolis), como era costume, e na volta encontrei Walter. Há dias que percebia que ele continuava calado, não parecendo mais o mesmo. Seus cabelos grisalhos compridos e soltos, meio “permanenteado” quase no ombro, rosto enrugado, suas correntes douradas no pescoço e nos pulsos, a camisa aberta na parte superior do peito, quase sempre em cores vermelha, laranja e preta, não escondia seus mais de cinquenta anos, no peito seus pelos brancos à mostra, sempre disposto a formular julgamentos acerca das pessoas do andar de cima, seu principal alvo. Logo que me viu chegar se aproximou para entregar um documento e reiterou o que já tinha me dito dias atrás:

“(...)

  • E daí Walter alguma novidade por aí?
  • Não, só que tem gente que já está contando os oito meses passarem para ir embora.
  • Como é que é?
  • Deram uma rasteira em gente lá em cima.
  • Quem?
  • O Moacir Bernardino, esse vai cair, veio falar para mim que está puto da cara com o governo e eu disse que não vejo a hora também destes quatro anos de  governo passarem bem rápido.
  • Sim, mas o padrinho do Moacir é bem forte, é o Sidney Pacheco que está na Defesa Civil.
  • Coisa nenhuma, coisa nenhuma, esse Moacir chegou aqui dando uma de “gostozão”, metendo bronca em todo mundo, grosso e agora está encolhidinho, tá bonzinho, isso é bom para ele ver uma coisa.
  • Já tem algum nome para Chefe de Gabinete lá em cima?
  • Não sei...

(...)”

Depois dessa nossa conversa saí em silêncio, lembrando daquela história do “guarda-chuva velho”, que Walter não perdia a mania de falar pelos cotovelos não tendo um alvo específico, falava de tudo e de todos, porém, uma das alterações que pude observar era que não ficava mais até às vinte uma, vinte duas horas na Delegacia-Geral observando, falando no telefone da central..., como fazia antigamente, por volta das dezoito horas já estava fechando a Delegacia-Geral, ainda com a postura de velho guardião-mor, bem talvez sem nada mais ter que relatar sobre os acontecimentos no prédio porque seu padrinho não chegou ao cargo de Secretário de Segurança.

Data; 29.04.99, “Pó e(m) barril de carvalho”.

No Jornal Santa Catarina na página de informe especial veio estampada as fotos do Secretário de Segurança Luiz Carlos Schmidt de Carvalho e do ex-governador Vilson Kleinubing. Carvalho aparecia gesticulando com a mão esquerda e Kleinubing com a mão direita, ambos de branco, cada qual carregando pesado no germanismo, não só de seus sobrenomes, como também na genética e pude perceber uma afinidade muito grande entre ambos que transcendia o espaço biológico, para alçar o espírito das ideias. Além disso, havia também o terceiro homem que era Jorge Bornhausen, o “alemão” que formava uma tríade altamente explosiva, era de se imaginar se viessem a por exemplo anularem os atos de nomeações dos Delegados Substitutos sem cargos? E o que se diria do último concurso da Polícia Civil? O fato é que denúncias de fraudes em concursos sempre houvera, inclusive, no primeiro governo Esperidião Amin, antes e depois, ninguém sabe ao certo, então... seria melhor enterrar esses mistérios e prevenir que isso cesse de vez.

Era bastante tangível a habilidade com que Carvalho trabalhava sua imagem e era comedido no plano das ações,   seus discursos eram bem pensados, procurando passar uma imagem sólida permeada pela figura também do Promotor de Justiça, representante do Ministério Público, de jurista e professor,  administrador, professor, Secretário de Estado, técnico, político...

Carvalho externava também:  cautela; prudência; percepção de espaço; habilidades para decidir como, quando avançar ou retroceder; tranquilidade, equilíbrio e agilidade; priorizava o firmamento de alianças e sabia guardar distância relativa às pessoas e coisas indesejáveis, inconvenientes ou indigestas; refinamento; galvanização no trato com pessoas, energias e coisas desejadas; aplicação; eficiência; olhar processador e julgador; vigilância permanente; senso de humor discreto; abertura ao diálogo e ideias; predisposição às amenidades sadias; bom gosto; círculo restrito de amizades; foco direcionado à valoração e priorização de interesses sobre pessoas e coisas; aparente desassombro com o novo; ter opinião formada e decisão; presença de espírito; ser convincente... Um outro detalhe era como sua figura lembrava de certa forma o ex-Governador Lauro Muller (e Ministro das Relações Exteriores no Governo Hermes da Fonseca), poderia jurar que tivessem algum parentesco.

No contraponto: parecia um pouco inseguro, sem criatividade e sem arrojo; conservador; vaidoso; limitado; excludente; apresentava uma percepção limitada do perigo e dos pobres de espíritos com quem tratava; faltava uma terceira visão que pudesse lhe proporcionar uma leitura das pessoas a sua volta; esteticista; insensível; utilitarista com relação as pessoas, afetado pelo “vedetismo” de novas ideias e diante da visibilidade midiática; corporativista dissimulado; ambicioso; habilidoso; dogmático; gnóstico; superficial e aparente; cordato fungível; preconceitos sobre valores e princípios; icnoclasta e estoico; transigente; senso de oportunidade para satisfação de seus interesses; estrategista; excludente; singularidade e mimetismo, laconiano; prescindível  em termos de empatia; tensão exacerbada e defensiva no trato com assuntos complexos e pessoas; ausência de meios de descarga emocional com sobrecarga  no plano físico e estático. 

Esse me parecia ser o Secretário Carvalho que parece passar permanente por um processo de envelhecimento precoce, cujo ponto final estava indefinido,  mas que - com certeza – seria o suficiente para deixar gravada a sua passagem pela Segurança Pública, ainda mais se conseguisse pelo menos fazer cumprir a legislação em vigor com relação às entrâncias, de maneira a oxigenar às Delegacias de Polícia e preencher todos os claros de lotação.

O “Tolerância Zero”, mais parecia um produto de consumo. Foi importado, portando, dissonante da nossa realidade, era inadequado, estranho, questionado, pobre, vazio, fadado ao esquecimento. O Plano “TZ” era apresentado como um produto midiático, já dentro das Polícias ninguém conhecia, discutia, sabia, questionava, perguntava...ou queria saber.  O tal Plano  Carvalho poderia ser traduzido como regra e compasso para  se surfar nos meios de comunicação e permanecer na crista da onda, nisso Carvalho queria sorver o máximo em termos midiáticos. A bem da verdade esse plano se constituiu um grande equívoco a ser apenas lamentado e que contrastava com um Carvalho autofágico, mais parecia uma fórmula mágica apresentada por um dos assessores de gabinete, bem aqueles que estavam de plantão e pronto para trazer uma “boa nova”, o “santo graal”... e Carvalho estava bastante vulnerável e poderia aceitar qualquer coisa. Acredito que possa ter sido obra de Lipinski, Rachadel, Redondo... No entanto, considerando a realidade e os interesses que cercava o Titular da Pasta, o programa parecia fornecer ingredientes imediatos e necessários para que não se perdesse espaços preciosos junto ao público alvo.

Sobre isso, acabei lembrando de uma das principais máximas de K. Marx: ‘Tudo que é sólido se desintegra no ar:

Pessoas

Homenagem (1)

A Câmara de Vereadores de Blumenau vai conceder uma moção em homenagem ao ex-prefeito, Vilson Kleinubing, e ao secretário de Segurança Pública, Luiz Carlos Carvalho, por terem dado início ao Centro de Recuperação Nova Esperança (Cerene).

Homenagem (2)

A instituição de recuperação de drogados completa 10 anos neste Domingo. A moção também se estenderá a outros dois idealizadores do projeto, Hans Fischer e Alair Scheidt, que contribuíram para sua execução. (...)

(Jornal de Santa Catarina, 29.04.99, pág. 3-A)