Data: 31.03.99, horário: 22:00 horas, “A Era das Descobertas Segurança Pública Barriga Verde”:

Na semana passada o Delegado Natal já havia me ligado de Chapecó querendo saber das novidades. Nesta data, último dia do mês de março, nem acreditava que estava chegando ao final de mais uma longa jornada Resolvi telefonar para Jorge Xavier, na verdade queria celebrar com alguém o fim de mais uma jornada e não poderia fazer isso sozinho:

  • Alô!
  • Oi Jorge, é o Felipe.
  • Oi Felipe.
  • Já tinha ligado outras vezes para ti, achei até que poderias estar em Curitiba, também andei viajando, cheguei de São Paulo.
  • Quando é que termina as tuas férias?
  • A semana que vem.
  • Estais ainda lá naquele mesmo local?
  • Sim, lá no mesmo local.
  • Eu estou envolvido lá com o restaurante, dando uma força para ver se resolvo aqueles rombos.
  • Sim, já tinhas me falado.
  • Mas estive lá no Gilmar, o Cezinha continua na mesma situação, não conseguiu nada ainda, tenho ido lá no gabinete dele na Assembleia e não consigo falar com ele, morreu aquele secretário dele.
  • Ah, sei, eu encontrei o Gilmar Knaesel lá no restaurante Pegorini num domingo, até te telefonei depois.
  • Ah, é?
  • Sim, ele estava com uma loira, acho que era a mulher dele, sabe como ele é, meio enrustido nessas coisas, mas deveria ser,  ele que me viu e veio me cumprimentar, mas não falei nada com ele, achei que não era o momento.
  • Sim.
  • Mas parece que ele está muito bem, tá na Presidência da Assembleia.
  • Faleceu aquele secretário dele.
  • Sim ele me disse lá no Pegorini, eu pensei que fosse o Roger.
  • Não é o outro, um Fiscal da Fazenda que era braço direito dele, tinha quarenta e poucos anos e morreu de enfarte, mas era outro, eu chegava lá no gabinete do Gilmar e ele me dava chá de banco, olha tu precisas ver o que eu recebi de chá de banco naquele gabinete.
  • A gente sabe como são os políticos né Jorge?
  • Eu estou muito decepcionado, acho que não quero mais saber de política,  nunca mais!
  • Olha Jorge sei que tu deves ter pago muito mico, mas a gente não pode falar isso, lembras aquele época em que tu te decepcionastes com o Gean? E depois voltastes atrás, reatasses com ele e com o Aguinaldo e voltou tudo ao normal.
  • Sim...
  • Pois é, faz parte do jogo político, a gente não pode radicalizar, com relação ao Gilmar depois de passado algum tempo a gente absorve isso e volta tudo ao normal, em política é assim mesmo.
  • É, mas neste momento eu não posso pensar assim, até eu digerir isso vai levar um tempo. Tu vê que até agora nada da audiência com o Amin, nada do Celestino Secco, só enrolação.
  • Olha Jorge se realmente saísse essa audiência com o Amin eu só queria lembrar a ele daquele nosso encontro no início do ano passado, só isso.
  • Que início do ano passado? Foi em dezembro de...
  • É, tens razão, foi em dezembro de 1997.
  • Dezembro de 1997.
  • Pois é, estávamos lá eu, você e o Gilmar frente à frente com o Amin e naquele dia eu tinha dito que não interessava cargos para nós, o que importava era termos um projeto para a Segurança Pública e ele procurou me olhar mais detidamente quando eu tinha feito essa observação. Então, neste novo encontro eu queria aproveitar a oportunidade para lembrar a ele dois momentos, um logo que ele assumiu a cadeira no Senado, quando eu estive lhe procurando para que defendesse proposta no sentido de que fosse apresentada uma emenda constitucional com vistas à unificação das polícias e ele contra-argumentou, pedindo para que eu fosse atrás de assinaturas de autoridades policiais favoráveis a essa ideia, falasse com os coronéis e, por último, esse nosso encontro lá no diretório, gostaria de dizer a ele que não estamos ocupando cargo algum no seu governo e que em momento algum alguém intercedeu a nosso favor, prova de que não procuramos político algum para que fôssemos lembrados para cargos. E tu sabes muito bem Jorge que eu poderia tranquilamente ter pleiteado, mas isso seria uma traição aos ideais que tanto defendemos.
  • Sim, certamente que tu serias aproveitado.
  • Jorge, por falar nisso como é que ficou o Krieger?
  • Não soube mais nada do Krieger.
  • Ele não conseguiu a Academia da Polícia Civil?
  • Não. O Peixoto continua lá.
  • Mas como? Meu Deus, o papel do Peixoto na época da Lúcia, naquele último concurso rendeu, quem diria, ele teve as costas quentes não só na época da Lúcia, mas até no governo Amin ele continua forte. Depois daquelas denúncias de escândalos no último concurso da Acadepol ele não poderia permanecer, mas se isso aconteceu é porque teve dupla proteção, continua blindado.
  • Sim. Tu não sabe que o pessoal do PMDB é que continua mandando lá na Secretaria de Segurança? Brincadeira, o Julio também não conseguiu nada.
  • Espera aí, claro que o Julio conseguiu, é o Adjunto dos Transportes.
  • Sim, mas não tem força nenhuma na Segurança.
  • Que eu saiba andou indicando, pelo menos soube que ele avalizou os nomes do Redondo para o Detran, Rachadel, Lipinski, do Poeta...e talvez o próprio Peixoto, não?
  • Ah, sim.
  • Pois é.
  • Mas não tem força não.
  • Bom Jorge até hoje o Julio não me procurou para sequer dizer um obrigado, muito menos para dar uma satisfação. Aquela história de que estava  noventa por cento definido que ele seria o Secretário Adjunto da Segurança Pública era tudo mentira.
  • É, nem que fosse para dar uma satisfação.
  • Bom, não sei se seria capaz desse gesto, não adianta, nossos objetivos eram bem diferentes. Eu agora entendo por que o Maurício Eskudlak não quis saber de ajudá-lo na última campanha, justamente porque na outra vez o que ele fez e depois não receber pelo menos um abraço e um obrigado, muito menos foi até o oeste agradecer os eleitores. Bom, melhor assim, porque a falsidade é pior ainda.
  • É...
  • Mas se esse encontro com o Amin viesse realmente a ocorrer seria bom para mim, pois assim faria registro desses dois fatos que mencionei, seria uma forma de sair de alma lavada como tu fizestes lá com o Secretário Luiz Carlos de Carvalho naquele dia.
  • É...
  • Falando nisso, acompanhasses a viagem do Secretário a Nova Iorque?
  • Brincadeira!
  • Agora tu vê Jorge, nós com um projeto genuinamente catarinense, adequado a nossa realidade, bem brasileiro, catarinense, foi tudo jogado fora e foi o Carvalho a Nova Iorque atrás de um projeto  para servir de discurso, dá licença, né Jorge. Tudo isso para mostrar para a sociedade que tem um projeto e que na verdade não tem nada haver, está desconectado da nossa história, não faz parte da nossa gente.
  • Sem comentário...!

(...)

E depois dessa nossa conversa, sem fazer planos para o futuro e de pensar em abandonar projetos institucionais, mas voltar nossos interesses para o momento, restou uma certeza: Não fomos omissos, realmente buscamos o que entendíamos que fosse o melhor para nossas polícias e, sobretudo, para a sociedade em termos de uma proposta viável de unificação das polícias a partir dos comandos, defendermos a ideia de uma polícia estadual una, indivisível, pensante, institucional, menos opressiva e repressora.

Ficaram para trás nossos personagens, todos  vencidos pelo tempo e seus testemunhos servirão como um grito para que futuras gerações possam mudar tudo aquilo que tem feito de nossos policiais homens frustrados, doentes, ansiosos, incompreendidos, desmotivados, raivosos, revoltados o que comprometia toda uma instituição, seus serviços e os seus destinatários: as pessoas. .

E, pensei:  de qualquer maneira, todos nós – vencidos ou não - conseguimos triunfar.  Isso graças em parte a nossa iniciativa. O  trunfo guardado para este  momento fez com que conseguíssemos  registrar a participação nesse processo. Contribuímos todos nós, especialmente, nossos policiais, seja com reclamos, lamúrias, gritos de dor, desafios, rebeldia, ideias, mesmo que na solidão dos lugares, sem que anjos, fadas, bruxas realmente pudessem nos salvar de nosso destino. Procuramos revelar  segredos, novos caminhos, dar transparência a respeito da conduta de nossos políticos e de como eles procediam, agiam... Procuramos mostrar um pouco quem eram os nossos policiais, os ‘chefes’, “chefinhos”, “chefetes” e “chefões”, o que pensam dia-a-dia os grandes comentaristas políticos. Enfim, como todas essas pessoas entram numa disputa ilógica pelo poder, as relações de forças nos bastidores para alçar prestígio, auferirem benefícios financeiros, funcionais e, em razão disso, assumirem qualquer posição, programa, projeto, ideia para se manterem a qualquer custo próximas do epicentro dos acontecimentos, estarem próximos do “príncipe”,  servir bem aos grandes, mesmo tendo que abrir mão de seus ideais, dos seus sonhos, utopias...  e de como essas ditas ‘autoridades’ ficavam pequenas, pobres, mesquinhas, egoístas quando estavam nessa corrida maluca por cargos. Também, foi nossa pretensão, fazer também o registro de uma época, de um curto e longo período de tempo, de toda uma era, cujo conteúdo certamente serviria para que futuros estudiosos pudessem se debruçar sobre o universo policial e, enfim, compreender melhor tudo isso.   

Data: 11.04.99, “Isto é: Tolerância zero?”

Na página do leitor:

Caso de Polícia

Faço aqui o relato de um fato bastante desagradável e desabonador para a polícia catarinense: na madrugada do dia 19 de março, uma sexta-feira, meu irmão, de 20 anos de idade, comia um cachorro-quente em frente ao Clube Doze, no Bairro Capoeiras, na Capital, quando percebeu a chegada de uma viatura. Como ele não é habilitado, resolveu pegar sua moto e deixar o local. Pelo retrovisor, notou que estava sendo seguido e, com medo, acabou cometendo a imprudência de aumentar a velocidade.

O impressionante é que os PMs dispararam diversas vezes, chegando a alvejar a perna esquerda do rapaz. Mas o pior ainda estava por vir. Meu irmão conseguiu chegar em casa, no Bairro de Fátima, e escondeu a moto nos fundos do quintal. A polícia, já contando com reforços, derrubou o portão de ferro, entrou no quintal e, pasmem, espancou outro irmão meu, minha irmã e meus pais, que tentavam intermediar uma conversação.

Para finalizar, o sargento Souto, que comandava a operação, multou equivocadamente uma outra moto nossa em absurdos R$ 2 mil. Os números das viaturas envolvidas neste lamentável episódio são as PM-1114, PM-1224 e PM-1448, além de outra que não identificamos.

Outro fato importante é que tentamos registrar queixa no 3° DP do Estreito mas os policiais civis, não sei se por corporativismo, se negaram a nos entregar uma via do registro de ocorrência. Estamos aguardando uma definição para o caso e esperamos que o comando da PM se manifeste.

Magaly da Rosa Cypriano

Florianópolis

(Diário Catarinense – diário do leitor, 11.04.99, pág. 62)

Enquanto isso, bem na página ao lado, na coluna do Cacau...:

Tolerância zero

Tolerância zero, mas dentro da lei

Do secretário da Segurança Pública e Justiça, Luiz Carlos Schmidt de Carvalho, Cacau recebeu a seguinte carta, expondo seu ponto de vista sobre a polêmica do momento: o programa de Tolerância Zero:

‘De longos anos acompanho sua coluna e aprendi a analisar com acuidade suas manifestações. Em primeiro lugar, porque sempre entendi que a imprensa é o ‘multiplicador’ (uma espécie de auto-falante) do pensamento social. De outro lado, porque sua coluna tem significativo número de leitores. Assim, preocupou-me a matéria publicada no dia 30 último.

Na verdade, venho propugnando este programa (Tolerância Zero) desde o mês de dezembro (quando o sr. Governador anunciou o convite para exercer o cargo de secretário de Estado da Segurança Pública). Obviamente, o programa baseou-se nos resultados da política do prefeito Rudolph Giuliani, em Nova York.

Certamente, está sendo adaptado à  nossa realidade social, cultural e financeira. Buscamos o modelo nos seus princípios gerais: combate a todos os tipos de crimes e contravenções penais, efetividade das forças policiais nas ruas, o uso de equipamento científico na elucidação de crimes (com o abandono das velhas práticas), a modernização da gerência  de sistemas de Segurança Pública etc. Jamais será importada se houver, qualquer prática contrária aos Direitos Humanos, ou atitudes de preconceitos étnicos/raciais ou religiosos.

Com respeito e admiração ao seu trabalho, atenciosamente Luiz Carlos Schmidt de Carvalho.’

A sociedade justa e ordeira de Santa Catarina, agradece e confia nas palavras do secretário. Tudo, absolutamente dentro da lei e do bom-senso.

(Diário Catarinense – Cacau Menezes, 11.04.99, pág. 63)

“Absoluto”:

Fiquei pensando na beleza daquela locução: “absoluto”, exprimia tudo, era demais,  será que o colunista Cacau Menezes tinha razão? Existiria realmente o absoluto dentro da lei e do bom senso? E pensei comigo: Onde estariam os nossos filósofos, pensadores, artistas, intelectuais e músicos para definir o quão absoluta era também a omissão, o silêncio, o repensar a nossa sociedade e quão absoluto seria o jogo do poder? Enchem a cabeça das pessoas de puro lixo emocional, cuja constante eram sempre os nossos sentimentos que nasciam,  cresciam e morriam como as ondas do mar. Será que o povo mereceria o modelo de polícia imposta pelos governos, mercê especialmente, dos interesses dos seus comandos de se imporem e fazerem imprescindíveis à sociedade?

Data: 13.04.99, horário: 08:07 horas, “Moretto: ‘É histórico!’ Se se vai conseguir...?”

Moretto entrou na “sala de reuniões” da Delegacia-Geral com aquele seu estilo calmo e sereno, sempre denotando aquele seu ar de humildade, mas sem que isso escondesse sua preocupação com as responsabilidades na direção da Polícia Civil. Fez algumas considerações e antes que fosse diretamente ao objetivo maior:

“O Secretário quer acertar três coisas, ele quer colocar os Delegados nas comarcas de acordo com as suas entrâncias, ele também quer nomear Delegados Regionais que tenham no mínimo o mesmo nível da comarca...”

“Com essa mudança na carreira dos Delegados tem que ver como é que vai ficar, tu achas que o Delegado de entrância final que equivale ao de Quarta entrância pode ser nomeado Delegado-Geral...?”

Surpreso com essas informações, continuamos nossa conversa:

“(...)

  • Não Moretto, a Constituição é clara, dispõe que tem que ser do último patamar.
  • A Constituição não fala em último patamar, ela dispõe que tem que ser final de carreira.
  • Sim, mas é o último patamar da carreira que equivale ao Especial, se bem que o Juiz e o Promotor de entrância Especial têm lotação na Capital, já o nosso caso é um pouco diferente. A lei já foi publicada, tenho ela ali, é a Lei Complementar 178, a meu ver não há dúvida, nenhuma que o Delegado-Geral tem que ser escolhido dentre os Especiais, é só fazer o comparativo e a Constituição dispõe que tem que ser final de carreira.
  • É, realmente, não há dúvida!

(...)

Fiquei pensando naquela preocupação de Moretto, mas não achei ético perguntar se havia algum Delegado de Quarta entrância que agora é Delegado de Entrância Final pretendendo substituí-lo.

Em seguida, Moretto pediu que eu fizesse as motivações dos atos de remoção de dois Delegados Substitutos que se encontram na Capital. Também, resolvi não perguntar acerca do que resultou aquelas tantas propostas que foram solicitadas anteriormente. Moretto ainda comentou:

- “Participei do encontro dos Chefes de Polícia e cada um fez um relato da situação de seu Estado. Santa Catarina está em terceiro lugar, depois de São Paulo...”.

  • Moretto se o Carvalho realmente conseguir colocar os Delegados em seus devidos lugares, vai marcar, vai ser um acontecimento histórico, pois até agora não cumpriram a legislação, nem a Lúcia que é Delegada quis cumprir a lei, só mesmo um Promotor de Justiça para fazer isso acontecer
  • Sim, é verdade, mas se ele conseguir vai ser histórico.
  • Sim, podes ter certeza disso.
  • Escuta, eu gostaria de tocar num assunto, me respondas se quiseres, tu não queres assumir aquilo ali do lado?
  • Bom, bom, olha Moretto, não vejo nenhum problema entre estar lá e aqui no salão, mas sinceramente eu não gostaria de assumir nessas condições, o Braga está lá e ele é um Delegado Especial, acho que isso poderia criar problemas e eu tenho te assessorado de outro jeito.

(...)”.

E, novamente fiquei pensando naqueles atos de remoção que não foram ainda publicados por Carvalho. Depois, na gratidão que tinha com “Moreto” por ter autorizado a disposição de meu irmão para me ajudar na direção da Penitenciária de Florianópolis em 1995, já que tinha mais de cem presos aidéticos e ele era especialista em sangue. Então, a minha atitude era de esquecer questões políticas e ajudar um amigo, porém, sem a nomeação para cargo comissionado.

Antes que Moretto saísse, lembrei a ele:

  • Tem que dizer para o Secretário parar com esse negócio de “Tolerância Zero”, vai acabar pegando mal Moreto.
  • O quê? Eu já disse para ele cuidar com a imprensa.
  • Para com isso né, tem que dizer para ele não falar mais nisso.

(...)”.