Data: 26.02.99, horário: 21:00 horas, “Restaurante João de Barro: O níver de Cilene Isabel Meirelles”:

Era o aniversário de Cilene Meirelles, e como sempre fazíamos estávamos nós comemorando o dia vinte e seis de fevereiro (dia também do aniversário de George Harrison). Resolvemos comemorar a data no restaurante João de Barro de “Gustavo” - lá na praia de Cacupé. Da janela conseguia ver as luzes da cidade de Florianópolis, a Beira Mar Norte... E comecei a rememorar a visita de Ana Paula à tarde na Delegacia-Geral, quando tive que fazer algumas considerações que devem tê-la impactado... “Clara Meirelles” dormia no colo de Lurdes (irmã de Cilene), do meu lado “Dinha” que animava a conversa com sua simpatia radiante e seu calor humano. Tudo era contagiante e me demorei olhando para o corpo de Clara que se transbordava em bocejos, com aquele sono de “gigante” e “meio quilo” que teimava em permanecer adormecido, o que dava espaço para encurtamos nossas distâncias em tão raros momentos de paz e felicidade, tudo alimentado pelos sinais de pureza, leveza, espiritualidade, o que podia trazer felicidade ( e,  também,  infelicidade), tudo isso embalado por Nite Flyte: “Open Your Heart”.

E nesse paralelo não tão azul, mas se poderia admirar as luzes de Florianópolis pelas janelas circundantes do “João de Barro”. Voltando a conversa com a Delegada Ana Paula que teimava em roubar meus pensamentos, outro panorama que se apresentava quase que instantaneamente e que me fazia perguntar: “até quando nossos policiais permaneceriam nessa condição morfética, de impotência, frustração, contemplação..., enfim, seriam necessários então grandes trovoadas e revoadas? E o pior de tudo é que o sistema funcionava como uma grande roda que ao girar amolda, condiciona e expurga todos aqueles que não conseguem se manter dentro do grande círculo, numa trajetória única e quase que sem retorno, podendo os que se excluem até se sentirem lixo policial ou terem que buscar forças para mudar o curso de suas trajetórias. Também podem se transformar em deploráveis cadáveres, onde somente os fortes sobrevivem para servirem infinitamente os mais fortes, os donos do poder, das emoções... das vidas das pessoas.

“Claras, Clarões, Clarabóias, Clarinetes”:

Lá pelas tantas, me peguei com “Gustavito”, proprietário do estabelecimento (depois soube que era para chamá-lo de “Gustavão”, porque “Gustavito” era o  seu filho dentista, excelente músico e cantor de tangos que cantava como ninguém “Por Una Cabeza”...), e fomos para os abraços e afagos. Era uma família de argentinos de Buenos Aires que veio para Florianópolis e se estabeleceu com o restaurante famoso e imperdível... O detalhe: “Gustavão” fazia aniversário no mesmo dia que meu irmão (29 de março) e todos os anos a festa dos dois era uma só ali naquele mesmo local, especialmente, porque sua esposa era sua paciente... e eles eram eternamente gratos. Estava feliz com nossa presença e a conversa animada e tonificada pelos goles do bom  vinho portenho:  

“(...)

  • Gustavo hoje estamos aqui para comemorar o aniversário de nossa amiga Cilene e daqui a um mês vamos uma grande festa aqui com o restaurante fechado só para nós, heim? (Felipe)
  • Lembra de nossa amiga Cilene, no ano passado estivemos aqui... ? (Dinha)
  • O quê? Para lá...!

(...)”

Depois dos abraços e carinho, Gustavo pediu licença e bateu em retirada.

Em determinado momento parecia que iria faltar energia elétrica no local,  acendia e apagava o que gerou uma certa intranquilidade e tensão por parte de Cilene que ligeiramente desajeitada na sua cadeira dava a impressão que tinha alguma coisa no ar:

  • Cilene, já pensou todo o restaurante cheio participar do teu “parabéns prá você”? Mas seria legal, quem poderia imaginar uma surpresa dessas, heim? (Felipe)
  • Felipe Genovez! (Cilene)

(...)

Cilene estava tensa, continuava se mexendo impaciente, olhava para trás,  para as pessoas, não sabia se olhava para o seu prato, para a vela acesa encima da nossa mesa,  balançava a cabeça mais que o normal, sorria sem esconder um certo nervosismo, tudo contrariando os seus instintos, o seu jeito pudica de ser, sua discrição exacerbada:

  • Mais falando sério, quem poderia imaginar uma homenagem dessas, as luzes acendendo e apagando sem parar, que sinal será esse? (Felipe)

E as luzes do restaurante pela enésima vez se apagava e acendia ao mesmo tempo, parecia que estavam testando algo, havia realmente alguma coisa no ar... Em seguida Gustavo retornou a nossa mesa:

“(...)

  • ... Olha GustavO taí um grande negócio... toda vez que alguém estiver aniversariando aqui no teu restaurante..., bem que você poderia homenageá-la apagando as luzes, a Cilene aqui já tá nervosa. (Felipe)
  • Cala boca, cala boca, não diz mais nada! (Gustavo)

(...)

Ninguém tinha mais dúvidas, realmente algo estava prestes a acontecer e eis que apagaram-se as luzes, ficaram somente as velas e começou a tocar aquele “parabéns prá você...”, todos acompanhando e cantando no restaurante, dando a impressão que foram avisados mesa por mesa, os garçons também, ao final,  vieram até a nossa mesa para prestar reverência solene...

Novamente o Coronel Freitas:

Depois dessas animações surgiu a imagem do Coronel Freitas e do nosso encontro no Shopping Beira Mar Norte, quando tínhamos acabado de almoçar na Churrascaria Pegorini e deixei Cilene, Lurdes, Clara e “Dinha” sentadas à mesa e fui dar uma caminhada no andar térreo. E uma das coisas que veio a mente foi o fato do Coronel Freitas ter me revelado que aquele famoso “Mitsubishi Eclipse zero-km” dirigido pelo seu “amigo” havia sido um presente do pessoal do “j.b” da Capital e que foi isso que o deixou muito indignado e revoltado... Claro que não poderia afirmar se aquela revelação era procedente ou não, mas em se tratando do “Comandante-Geral da Polícia Militar”, certamente que poderia merecer algum crédito, ou não? Bom, se encontrasse Freitas novamente, poderia ser ali mesmo no “João de Barro”, muito provavelmente essa seria a minha próxima pergunta: como soube disso?  Sim, sabia que o outro coronel era aficionado por carros e carrões e que na sua residência sempre estavam expostos veículos de diversas marcas, além de ser um excelente mecânico..., mas acreditava que fazia aquilo por hobby, e que tudo na vida era passageiro e consumido pelo tempo, inclusive nossas memórias, nossos desejos e, especialmente, nossas vidas!

Depois disso, pensando em Carlos Gardel, fiquei imaginando que nosso "Plano" de governo teria tido um melhor destino se tivéssemos perdido nossa peleia por uma cabeça, porém, o destino foi muito pior, digamos que não traiçoeiro, melancólico, triste, infeliz..., mas tudo isso, com aquele ardor do intérprete inaudito "Gustavito", o filho!