Data: 31.12.98, horário: 13:30 horas:

Tinha viajado até a cidade de  Tubarão para levar o meu pai para passar o primeiro do ano com meus avós e no trajeto recebi uma ligação do Delegado Natal de Chapecó:

  • Alô!
  • Doutor Felipe, já está em Tubarão?
  • Oi Natal, sim, a caminho, quase chegando, vim trazer meu pai.
  • Tem algum telefone aí para eu fazer contato?
  • Sim, logo em seguida...

(...)

Já em Tubarão Natal fez a chamada no telefone da residência dos meus avós centenários:

  • E daí doutor, como estão as coisas?
  • Está tudo igual, parece que o Julio não vai ser mais o Adjunto.
  • É mesmo?
  • Pelo menos saiu num jornal, eu ainda não vi nada de oficial, mas comentam.
  • É, tá ficando difícil!
  • Sim, tá ruim, mas para o Julio ser Secretário Adjunto e não mandar nada será que vale a pena? Veja bem Natal quanto aos cargos parece que já estão todos já mapeados, se o Julio vier a aceitar ele vai acabar ficando numa situação péssima porque não vai mandar nada, então seria preferível ele voltar para Rio do Sul, começar tudo de novo e se for o caso até mudar de partido.
  • É verdade. Mas quem é que vai ser o Secretário Adjunto?
  • Parece que é um Promotor lá de Blumenau.
  • O quê? Quer dizer que nós vamos ter dois Promotores?
  • É, parece. Bom Natal eu já falei para ti que não estou pleiteando nada, o Julio não se elegeu e aquele nosso projeto se foi. Como não concordo com isso tudo que está acontecendo, é uma vergonha essa corrida por cargos, especialmente depois de tudo o que fizemos, mas nós Delegados somos os culpados por isso tudo. Lembra que eu te disse que nós delegados especiais deveríamos tomar uma atitude, deveríamos pensarmos no coletivo, resgatarmos valores, princípios e evidentemente que com isso tudo ficaria acertado, não que isso implicasse numa rigidez no sistema, poderia haver uma certa flexibilidade, escolha-se os diretores, delegados regionais dentre as pessoas que tivessem alcançado determinado patamar na carreira, considerando a graduação da comarca, não precisaria ser o mais antigo.
  • Sim, eu concordo com tudo isso, já conheço essas ideias...
  • E veja bem Natal, a administração da Lúcia teve tudo para acertar isso,  poderiam ter assegurado a aplicação das nossas legislações que estão em vigor, nossas leis complementares, o sistema de entrâncias, mas pelo contrário, preocuparam-se em construir prédios, realizarem viagens e movimentar o pessoal do jeito que eles queriam de maneira a favorecer os amigos, mas sem aplicar as legislações ou até aperfeiçoá-las, não mandaram um projeto de lei orgânica que o dever de casa, e agora quem é que vai acertar isso?
  • É verdade, pelo menos se tivessem mandado a lei orgânica prá frente...
  • Mas parece que deve sair a relação dos delegados regionais, como é que está a tua situação aí?
  • Não sei, to ligando para o amigo atrás de informação, não é o amigo que está na Capital junto com os homens lá?
  • Não é bem assim, mas o Maurício parece que agora está dando as cartas  e o Alex é bastante ligado a ele, não é?
  • Sim, claro que ele é, sempre foi!
  • Então, acho que tu vais dançar porque o Maurício e o Redondo devem estar dando as cartas para o Secretário, devem estar assessorando o Carvalho. E como tu sabes o Maurício trabalhou para o Heitor.
  • Mas eu também trabalhei!
  • Sim, só que tu vais dançar de novo, mais uma vez apostastes no homem e agora vai te deixar na mão novamente.
  • Tudo bem, tudo bem, doutor, eu só vou assistir esse Alex se estrepar, é só uma questão de tempo, podes crer!
  • Mas por quê? O Colatto não se estrepou!
  • O Colatto foi diferente, tinha um irmão deputado federal, mas esse Alex todo mundo conhece o passado dele aqui, todo mundo sabe que ele é um s.... como é que podem colocar um homem desses na Delegacia Regional?
  • Bom, não sei Natal, é a política, eles  colocam quem eles querem, não quem a instituição quer ou quem tem merecimento.
  • Eu não quero nem saber, se colocarem ele eu vou pedir para ir para Capital, vou usar daquela prerrogativa que consta na lei, qual é mesmo o número?
  • É a lei complementar noventa e oito, artigo quarenta.
  • Sim, é isso aí, vou ficar na Delegacia-Geral doutor!
  • É, será mais um para engrossar o caldo e lutar por mudanças, não sei se eles vão manter os Delegados Especiais na Delegacia-Geral, esse pessoal que vai assumir vai dar um jeito de correr com os Delegados Especiais, eles querem o caminho aberto, como não há respeito à hierarquia, podem colocar os Especiais em Delegacias de Polícia.
  • Mas por enquanto a lei estiver em vigor eu posso reivindicar esse direito. Vou requerer, não quero nem saber, eles vão ter que me engolir!
  • Sim, mas do jeito que está a coisa, uma bagunça, esse foi o legado da Lúcia, mas sempre foi assim, só que agora têm as leis e eles deveriam como Delegados exigirem que se mudasse o curso da história, mas fizeram justamente o contrário, como é aquela máxima, para os amigos os favores das leis e para os inimigos os rigores, não é?
  • É, vamos ver, doutor, eu fiquei sabendo que o Alex convidou o Eduardo para ser o Diretor da Academia da Polícia Civil, tu estais sabendo disso?
  • O quê?
  • É sim, só que o Eduardo é gente boa, depois que eu conheci melhor ele vi isso, é competente e eu tenho conversado com o pessoal que é aluno dele aqui na Universidade, todos têm elogiado, mas o Alex convidar ele para ser o Diretor da Academia? O que é isso doutor, quem ele pensa que é? Que força ele acha que tem?
  • Sem comentários Natal, mas ele apoiou o Heitor e tem ligações com o Maurício que deve estar com cacife nesta hora.
  • Como eu te disse, vou para baixo, podes me aguardar aí, mas tá bom doutor!

(...)”.

“A Lei Orgânica”:

E ao desligar lembrei que havia esquecido de dizer para Natal que a Delegada Lúcia, segundo comentários,  já teria acertado a sua lotação na Quinta Delegacia da Trindade (Capital) bem próximo da sua residência e de onde reside também sua mãe, que se for verdade se constitui flagrante violação à legislação que dispõe que a lotação dos Delegados Especiais deveria ser na Delegacia-Geral. O problema é que com a politização da instituição a cada novo governo a facção que entra não quer os Delegados Especiais da gestão anterior às suas voltas, com algumas exceções, como no caso das indicações “maçônicas” que são suprapoderes políticos. E tive que recordar também que quando incluí essa disposição na lei complementar noventa e oito achei tão óbvio que em decorrência dessa inovação os Delegados Especiais seriam nomeados para as funções de maior complexidade e todos apoiariam essa nova ordem. Porém, a realidade foi bem adversa, o que conclui depois dessa gestão da Delegada Lúcia foi que incidi num grande equívoco, pois nossos Delegados na ânsia de disputarem cargos e alimentados por desejos primitivos de vingança, ódios... não davam a mínima para os dispositivos legais e para os nossos princípios e ética, ao contrário, continuaram se comportando como verdadeiras “aves de rapina”. E,  pensei: qual seria a verdadeira posição de Natal dentro desse contexto? Estaria disposto a assumir o cargo de Delegado Regional a qualquer preço? Abriria mão por um projeto institucional? Para se responder a essas perguntas talvez tivéssemos que começar a estudar o passado de cada um dos nossos protagonistas... E, também como se perdeu uma oportunidade de se fazer as reformas necessárias, especialmente, quanto à aprovação da nossa “Lei Orgânica da Polícia Civil” e daquele final de ano de 1994, alguns dias antes da transição de governo, quando o Delegado Thomé esteve na “Assistência Jurídica” e lhe entreguei cópia dos estudos preliminares que tínhamos feito, um esboço de uma proposta de anteprojeto que  na hora da entrega lembrei que “aquele era um dos grandes desafios para o próximo governo”, porém, nada foi feito durante os quatro anos de governo e agora tínhamos que assistir mais uma vez aquela corrida maluca por cargos, pessoas como se estivessem assistindo a uma partida de futebol, como se tudo isso fosse normal. Lembrei do Delegado Bahia, do lado da Delegada Lúcia e do Delegado Lourival, todos no comando da Pasta da Segurança Pública do Estado, rigorosos em seus julgamentos, estoicos e rigorosos com referência ao cumprimento de seus deveres... E sobre a lei orgânica ninguém mais falou absolutamente nada nesses quatro anos de governo do PMDB...

“A Bagunça e Os Bagunceiros”:  

E fui verificar os atos de movimentação de Delegados de Polícia, todos editados ao arrepio da “legislação régia”:

Portaria P – N 0707/GEARH/DIAF/SSP de 23.11.98

Remove, com base no artigo 70, item I, da Lei n. 6.843/86, de 28.07.86, JAIR JOSÉ TARTARI, matrícula n. 142.861-6, ocupante do cargo de Delegado de Polícia de 3a Entrância, da 1a Delegacia de Polícia da Comarca de Laguna, para a 1a Delegacia de Polícia da Comarca de Tubarão. Lúcia Maria Stefanovich – Secretária de Estado da Segurança Pública.

Portaria P – N 0708/GEARH/DIAF/SSP de 23.11.98

Remove, com base no artigo 70, item I, da Lei n. 6.843/86, de 28.07.86, ADEMIR TADEU DE OLIVERIA, matrícula n. 145.412-9, ocupante do cargo de Delegado de Polícia de 2a Entrância, da  Delegacia de Polícia de Comarca de Capinzal, para a Delegacia de Polícia da Comarca de Itapema. Lúcia Maria Stefanovich – Secretária de Estado da Segurança Pública.

Portaria P – N 0709/GEARH/DIAF/SSP de 23.11.98

Remove, com base no artigo 70, item I, da Lei n. 6.843/86, de 28.07.86, MÁRICO LUIZ COLATTO, matrícula n. 210.396-6, ocupante do cargo de Delegado de Polícia de 2a Entrância, da  Delegacia de Polícia de Comarca de São Lourenço do Oeste, para a Delegacia de Polícia da Comarca de Santo Amaro da Imperatriz. Lúcia Maria Stefanovich – Secretária de Estado da Segurança Pública.

Portaria P – N 0741/GEARH/DIAF/SSP de 01.12.98

Remove, com base no artigo 70, item I, da Lei n. 6.843/86, de 28.07.86, PAULO ROBERTO FREYESLEBEN SILVA, matrícula n. 108.713-4, ocupante do cargo de Delegado de Polícia de 4a Entrância, da  1a Delegacia de Polícia de Comarca de Itatjaí, para a Delegacia Regional de Polícia de Balneário Camboriú. Lúcia Maria Stefanovich – Secretária de Estado da Segurança Pública.

Portaria P – N 0742/GEARH/DIAF/SSP de 01.12.98

Designa, com base no artigo 70, item I, da Lei n. 6.843/86, de 28.07.86, PAULO ROBERTO FREYESLEBEN SILVA, matrícula n. 108.713-4, ocupante do cargo de Delegado de Polícia de 4a Entrância, lotado na  Delegacia Regional de Polícia de Balneário Camboriú para prestar serviços na Delegacia de Polícia da Comarca de Balneário Camboriú. Lúcia Maria Stefanovich – Secretária de Estado da Segurança Pública.

Portaria P – N 0784/GAB/GEARH/SSP de 16.11.98:

CESSA EFEITOS da Portaria P-N 0584/GAB/GEARH/SSP, de 13.05.96, publicada no Diário Oficial do Estado de 20.06.96, que designou ALEX BOFF PASSOS, matrícula 292.003-4, Delegado de Polícia Substituto, para prestar serviço na Delegacia de Polícia da Comarca de Xaxim. Lúcia Maria Stefanovich – Secretária de Estado da Segurança Pública.

Portaria P – N 0785/GAB/GEARH/SSP de 16.11.98:

REMOVE, com base no art. 70, item I, da Lei n. 6.843, de 28.07.86, ALEX BOFF PASSOS, matrícula 292.003-4, Delegado de Polícia Substituto, da Delegacia Regional de Polícia de Xanxerê, para a Delegacia Regional de Polícia de Chapecó. Lúcia Maria Stefanovich – Secretária de Estado da Segurança Pública.

Portaria P – N 0784/GAB/GEARH/SSP de 16.11.98:

DESGINA, com base no Decreto 14, II, letra ‘a’, de 23.01.95,  ALEX BOFF PASSOS, matrícula 292.003-4, Delegado de Polícia Substituto, lotado na Delegacia Regional de Polícia de Chapecó, para prestar serviço na 1a Delegacia de Polícia da Comarca de Chapecó. Lúcia Maria Stefanovich – Secretária de Estado da Segurança Pública.

(DOE n. 16.060, de 08.12.98, págs. 18/19)

Esse clima de compadrio, fisiologismo, troca de favores marcava a instituição, fazia prosperar uma relação de dependência entre subordinados e superiores,  urdida num curto espaço de tempo (governo do PMDB), e que trazia consequências danosas para as futuras administrações que certamente repetiriam o mesmo “filme”, permeando toda instituição que passa a ser dominada não por princípios, tais como a legalidade, ética, impessoalidade, hierarquia..., mas pela força da pena, pelos interesses políticos ... de quem exerce absolutamente o poder para si e para os amigos...