Data: 29.12.98, horário: Horário: 11:00 horas:

Liguei para o Comissário Arno Vieira, a fim de convidá-lo para o jantar de quarta-feira à noite, na casa do “Marquinhos” e, também, para dar um retorno acerca da audiência que eu e Mário Martins deveríamos ter com Presidente do PSDB-SC (Francisco Kuster).

E enquanto conversava com Arno, Jorge Xavier me telefonou no celular para ver se tinha conversado com Julio Teixeira. Durante nosso contato argumentei que havia feito várias tentativas mas não obtive êxito, e que provavelmente estaria numa praia com a família. Jorge insistiu que isso não era provável porque estava para ser definido o nome dos adjuntos.

Horário: 14:00 horas, “Fumaça: Moretto Confirmado”:

Telefonei para o Mário Martins no celular, tinha ficado todo o período da manhã de sobreaviso aguardando o seu contato para tratarmos da audiência com ex-Deputado Francisco Kuster – (Presidente Estadual do PSDB):

  • Alô!
  • Sim?
  • Mário é o Felipe.
  • Fala Felipe!
  • E daí, alguma novidade?
  • Ah, sim, aquele negócio não deu certo, eu conversei com o pessoal, com aquele Paulo Koerich  que é assessor do Secretário e ele disse que não dá mais para desconfirmar o Moretto, ficaria chato, já saiu na imprensa.
  • É!
  • O Julio parece que foi convidado para ser o Adjunto do Secretário dos Transportes, mas parece que não aceitou, prefere ficar na Polícia Civil.
  • O quê? Eu não sabia disso.
  • De cargos até agora estão confirmados o Delegado-Geral e o DPI.
  • O Diretor de Polícia do Interior também tá confirmado?
  • Sim!
  • E quem é?
  • É o Eskudlark.
  • Olha.
  • É!
  • Amanhã vai ter uma reunião aqui na Adpesc para se tratar dos cargos, até é bom tu saberes.
  • Ah, é, mas quando eu falei novidade não era sobre isso é que tu ficastes de dar um retorno sobre aquela audiência com o Kuster lá.
  • Ah, sim, eu estou só aguardando um contato com ele,  já deixei o recado com a secretária,  parece que ele teve que viajar lá para a região de Lages, só estou aguardando um contato que deve sair para ainda hoje ou amanhã.
  • Certo. Bom qualquer coisa você me liga.
  • Sim, pode ficar tranquilo, tá bom Felipe.
  • Tá bom!

Horário: 13:40 horas, “Delegado Carlos Dirceu”:

Já a caminho da Praia do Campeche, telefonei para “Marquinhos” dizendo que já estava a caminho para sua casa. E passados uns trinta minutos dou com ele conversando com um morador próximo que era Coronel da reserva. Já de início, bem ao seu gosto , “Marquinhos” relatou algumas das “aventuras” acerca das relações com o seu vizinho, mas procurei não alimentar aquele tipo de conversa, porque sabia que em se tratando de “Marquinhos” era um prato cheio... Na verdade estava ali para tratar da festa de quarta à noite e fizemos uma pausa para jogar conversa fora:

“(...)

  • Outro dia conversei com  a irmã do Carlos Dirceu que trabalha no Hospital São Sebastião, sabe onde é?
  • Sim, e daí?
  • Ela estava me dizendo que o PMDB traiu o Carlos Dirceu,  lançaram um outro candidato lá na região, investiram nele e deixaram ele de fora...
  • Parece que o Carlos Dirceu foi para o PSDB, pelo menos andaram dizendo...
  • Não. Outro dia o Carlos Dirceu esteve lá na GEAP atrás de contracheques, sei lá e aí eu perguntei se era verdade que o PMDB tinha traído ele. Ele me respondeu: “Marquinhos é verdade, o PMDB me traiu, lançaram outro candidato na minha região e investiram só nele,  acabaram com a minha candidatura”.
  • É, mas também Marquinhos eu fico me perguntando o que o Carlos Dirceu fez até hoje pela Polícia Civil? Que lutas ele encampou, praticamente nada, só projetos pessoais. Na época que estávamos na luta classista e ele era Delegado Regional de Lages, lembra? Ele nunca participou de uma reunião nossa,  nunca apoiou nossos projetos e diziam que eu estava fazendo aquilo porque estava querendo ser candidato, até a mulher dele um dia, depois de uma assembleia nossa me procurou “exigindo” que eu fosse num cartório passar uma declaração pública que não seria candidato a nada para não prejudicar os projetos do marido dela, tudo isso porque estavam preocupados com a minha liderança...
  • O quê? Ela fez isso? Naquele jantar que houve antes das eleições e que o Paulo Afonso foi a Dra. Lúcia e o Dr. Lourival discursaram e sentaram o pau no Heitor Sché e no Júlio, mas sentaram o pau mesmo, falaram mal um monte, tanto do Heitor como do Júlio, devia ter sido gravado para ser mostrado depois, um absurdo e depois pediram para que todos votassem no Carlos Dirceu porque ele era o melhor candidato para a Polícia Civil e para os policiais...

(...)”.

Horário: 17:00 horas, “Continua a Dança das Cadeiras”:

Estava na “sala de reuniões” da Delegacia-Geral e o Delegado Braga me procurou para uma conversa:

  • Doutor Felipe tenho passado por aqui, mas não tenho te encontrado!
  • Eu tenho estado por aqui, ontem inclusive ouvi a tua voz, até na hora que tu fosses embora.
  • Eu estava ali com o Renatão, estávamos discutindo...
  • Ah, sim...
  • Fosses convidado para ocupar que cargo?
  • Nenhum. Até o momento não fui convidado para nada.
  • Mas já tem vários nomes definidos, bom, não sei se tu sabes o Moretto parece que iria cair, . mas não ocorreu, já está confirmado, gosto muito dele, o que não posso admitir é a submissão dele ao PMDB, eu trabalhei com ele e sei muito bem como a Lúcia manda nele.
  • É mesmo? É assim...
  • Sim. O Maurício Eskudlark vai ser o Diretor de Polícia do Interior, ele queria ser o Delegado-Geral, imagina!
  • O quê? Mas como?
  • Tu não imaginas o que ele fez, aqui em “off”, o Heitor tinha indicado o meu nome para Corregedor-Geral e ele...
  • Puxa!
  • O Rachadel foi convidado pala ser o Diretor de Polícia do Litoral, o Valkir foi convidado pelo redondo para a Gerência de Informática no Detran, bom, tu sabes que o Redondo já é o Diretor do Detran e o Renatão parece que vai para o DEIC, esta indicação eu achei boa, ele merece.
  • É mesmo?
  • Sim, a minha preocupação é se o Limpinski vai ser o Corregedor-Geral, eles estavam pressionando o Secretário para colocar um de quarta entrância e o Lipinski é de terceira, é indicação também do Redondo.
  • Mas deve ter muita política aí, o Moretto deve ser da maçonaria, o Maurício é do Heitor,  o Rachadel é do Pedrinho Bittencourt e do Julio.
  • É, o Moretto é da maçonaria, e também é política.
  • Mas Braga, dentro desse quadro é quase certo que noventa e nove por cento que eu não vou aceitar cargo algum neste governo, até pensei eu assumir a “Assistência Jurídica” caso você ou o Wilmar viessem a ser o Delegado-Geral, mas nem isso me serve mais porque não temos projeto algum.
  • Não. Eu queria contar contigo em outra situação, assim como se tu viestes a ser o Delegado-Geral eu já sabia o que iria pedir.
  • Sim, e certamente tinhas tudo para ser atendido.
  • Mas não fosses chamado ainda lá no edifício Dona Angelina?
  • Não!

(...)

Horário: 20:10 horas, “Cem Redondices”:

Fui o primeiro a chegar no Restaurante e Pizzaria Candeias. Estava dez minutos atrasado e preocupado, pois ninguém ainda havia chegado no local, achei aquilo estranho e fiquei desconfiado. Pensei que o pessoal pudesse ter ido para o outro restaurante velho, mas não demorou mais do que cinco minutos e chegou Cláudio, seguido de Jorge, Krieger e, por último,  Wilmar. Enfim, todos estavam ali reunidos. E Jorge pediu um local mais reservado porque nas terças-feiras se reunia a turma do “Rotary” e o Delegado Lourival participava desse grupo. Resolvemos sentar numa área aberta, com boa ventilação.

Inicialmente, antes dos outros companheiros terem chegado,  apenas eu e Cláudio sentamos numa mesa, pedimos uma cerveja  e passamos a conversar:

“(...)

  • Hoje foi a inauguração lá dos três DPs em são José. (Cláudio)
  • Ficaram bons,  eu passei outro dia pela frente do Terceiro DP,  achei que ficou muito bom,  os três são iguais? (Felipe)
  • Sim, o Governador, a Secretária... estiveram só num deles e fizeram a inauguração...
  • Ah, sei foi simbólica, não foram nos outros...
  • Isso!
  • Mas está aí uma marca forte deste governo,  a construção de prédios, a estruturação material da Polícia Civil, fizeram algo muito importante.
  • Ficaram muito bons os prédios, precisava.
  • E isso graças ao Fundo, a Lúcia soube usar os recursos do Fundo...
  • Ah, sim eles criaram o Fundo.
  • Não Cláudio, não foi assim, cada governo que passa tem deixado algo importante, uns mais outros menos, mas o importante é que cada governo deixe a sua marca. Neste governo o incremento à estruturação material foi a grande marca deles, mas também no governo passado – durante o período Kleinubing – se conseguiu o prédio da Academia.
  • É verdade.
  • Um prédio muito bom também, além da sede para a Secretaria de Segurança, lembra que antigamente ela funcionava junto à Polícia Militar e o prédio da Delegacia-Geral que antes funcionava lá...
  • Eu sei, naquele prédio velho lá no centro...
  • Isso, então, em que pese o problema com a isonomia, conseguiu-se avanços, como também no campo da legislação e conquistas institucionais. Já durante o período do governo Pedro Ivo tivemos também outras conquistas muito importantes, como foi o acento da Polícia Civil nas Constituições Federal e Estadual, a isonomia dos Delegados com Promotores, por meio da Lei 7.720, lembra? Foi uma das épocas mais promissoras nas últimas décadas e que é pouco valorizada, conseguimos colocar na Constituição do Estado a competência da Polícia Civil para exercer as funções administrativas de trânsito, polícia científica, jogos e diversões, produtos controlados, lei orgânica...  E foi nessa época que foi criado também o atual “Fundo”.
  • Mas eu pensei que tinha sido agora.
  • Não, o Fundo foi criado naquela época, foi um projeto que eu fiz, quase no final do governo foi  sancionada a lei, só que ela foi regulamentada no governo seguinte, no entanto, o Governo Kleinubing não repassava os recursos, muito pouco foi repassado, a Fazenda não aceitava fazer os repasses, foi um época de contenção e quando entrou no governo Paulo Afonso. Uma das coisas importantes que a Lúcia fez foi conseguir a liberação dos recursos do Fundo que estavam sendo depositados e a partir daí ela conseguiu realizar a construção de imóveis, adquirir bens...
  • Realmente, olha, eu não sabia...
  • Mas veja, o importante foi que o “Fundo” já existia e havia sido criado na época do Bado que ajudou muito na aprovação daquele meu projeto, sem ele não teria sido possível tudo isso, então por isso que eu te disse que aquela época foi muito importante. Aliás, cada época tem seus pontos altos e fracos. E neste governo, apesar de todo caos, os salários atrasados,  descaso no descumprimento de leis, falta de projetos na área de legislação, e de decisões judiciais..., nem tudo foi perdido.
  • Mas as três Delegacias de São José eram quase que uma questão de honra do Lourival...
  • É, está aí uma grande coisa que fizeram e isso ninguém tira deles.

(...)

E nisso, foram chegando nossos companheiros que interrompemos nossa conversa:

  • Vamos para lá, já reservei um lugar mais isolado, longe dali, onde o pessoal do “Rotary” se reúne. (Jorge)
  • Ah, não tem problema. (Felipe)
  • Aqui está bom, podemos ficar por aqui, está fresquinho. (Garcez)
  • Não! O Lourival é desse grupo, e ele é um cara de pau, é capaz de vir aqui nos cumprimentar e eu não quero nem olhar para a cara dele. (Jorge)
  • Mas o que tem isso Jorge, deixa ele vir... (Felipe)
  • Tu não sabes, eu não quero olhar para a cara dele, nem adianta... (Jorge)

E fomos ocupar uma mesa num canto do restaurante, num lugar diametralmente oposto ao grupo rotariano. E logo que Garcez avistou Krieger, soltou aquele seu sorriso  característico de satisfação e boas vindas, acompanhado de uma “sentença”:

  • Krieger cuidado andastes engordando!

E Krieger sintomaticamente procurou dissimular sua barriga devolvendo com outro sorriso:

  • Mas como o Garcez se apega a detalhes. (Felipe)
  • É, fica ele se preocupando com detalhes. (Krieger)

E a palavra ficou em aberto, todos falavam o que vinha na cabeça em clima descontraído.  Garcez, sentado ao meu lado, ansioso se virou para mim e disse?

(...)

  • Felipe eu não sei, não conheço e não vi a pauta da reunião, estou preocupado com o horário, estou de plantão, deixei o número do teu celular, é muito serviço, tu não imaginas, a cada vinte minutos toca o telefone.
  • Tudo bem Garcez, fica tranquilo, te acalma!

(...)

E já de início o que se  conversou foi sobre a situação de Moretto. Esclareci que no dia anterior Mário Martins tinha me dito uma coisa e já no dia seguinte retificou. Wilmar acrescentou que havia conversado com Moretto e este não teria comentado nada a esse respeito, sinal que estava tudo certo:

  • Genovez,  por enquanto não tem nada, não é? (Krieger)
  • Bom, o que tem é a confirmação do nome do Moretto. (Felipe)
  • Pois é, mas não tem mais ninguém confirmado. (Krieger)
  • Comenta-se que já estão sendo mapeados alguns nomes. (Felipe)
  • Falei com o meu tio. Arcebispo para ver se acerta a minha ida para a Academia, não vejo a hora de retornar, não aguento mais aquele Mercosul. (Krieger)
  • O Arcebispo? O teu tio é o Dom Murilo Krieger? (Garcez)
  • É, a esta hora ele já deve ter falado com o Amin, eu quero ir para a Academia. (Krieger)
  • Sim, tu queres ir para lá para quê? (Garcez)
  • Para ocupar um cargo, tem alguém já cogitado para ser Diretor? (Krieger)
  • Que eu saiba não, pelo menos eu desconheço. (Felipe)
  • Eu acho que nós temos que nos engajar politicamente, cada um de nós deve se filiar a um partido político porque tudo funciona assim e vamos tentar ocupar espaços, tu não achas Genovez? (Krieger)
  • Eu acho que nós temos que interceder junto à administração, com propostas, projetos... (Garcez)

(...)

No curso dessa conversa Krieger havia relatado que fez contato com Julio Teixeira na noite anterior e este teria dado o número do seu celular:

  • Tu não tens ainda o número do novo celular dele? (Krieger)
  • Não! (Felipe)
  • Eu tenho o novo número dele, mas deixei em casa.
  • É!
  • Eu conversei com ele ontem e ele diz que continua com noventa por cento de possibilidades de ser o Secretário adjunto. (Krieger)
  • Êta Julio! (Felipe)

(...)

E depois disso, Krieger saiu e foi até o telefone do Restaurante Candeias, acompanhado de  Jorge Xavier, a fim de verificar na sua residência o número do novo celular de Julio. E,  acabei por lembrar que na noite anterior tinha tentado fazer contato com Julio sem qualquer êxito.

A essas alturas a nossa conversa já orbitava sobre a questão dos nomes cogitados para os cargos comissionados e aproveitei para comentar com os presentes que abominava toda aquela forma de preenchimento de cargos, aquela corrida desenfreada, a procura por políticos para se garantir... e citei como exemplo o que Krieger havia acabado de relatar sobre a sua indicação para a Academia por seu tio que é Arcebispo. Fiz questão de frisar que quando ele voltasse eu falaria isso na frente dele porque não gostava de falar pelas costas e depois desisti porque o próprio Cláudio e o Wilmar recomendaram que isso deixá-lo bastante magoado.

E nisso Garcez  falante e estimulado já quase que monopoliza a palavra, inflamava-se falando mais que o normal, talvez fosse aquele seu sangue espanhol, mas abordava grandes verdades:

“Eu acho que o grupo deve continuar, mas deve ser ampliado  e deve redigir uma moção e endereçar ao Secretário com várias sugestões...”;

“Sozinhos  nós não conseguiremos nada, mas em grupo será muito mais provável que consigamos...”;

“Eu não sei, mas acho que devemos pegar esse projeto que foi feito e nos debruçarmos nele, verificarmos os pontos que entendemos se deva buscar e inseri-los nessa moção...”;

“Esse projeto que foi feito chegou a passar por uma ampla discussão com o Amin...?”

“Eu já comentei com o Felipe, eu entendo que as mudanças que queremos eles devem ocorrer de fora para dentro, a sociedade tem que participar desse processo e não de dentro para fora como a gente está propondo...”;

(...)

“Ideias em Movimento”:

Cláudio intercedeu o quase monólogo de Garcez fazendo uma observação no sentido que ele estava sendo muito romântico nas suas convicções. E eu completei dizendo que existiam coisas que poderiam ser conquistadas a curto, médio e longo prazo, mas que momento era para se analisar a nossa situação no momento, e que em seguida poderíamos até pensar como viabilizar nossas ideias, dentro de uma perspectiva de contribuirmos como agentes do processo histórico, alavancar mudanças e que isso certamente poderia passar pelo fomento de novas ideias, criação de uma revista, jornal...,, além de intercedermos na Adpesc..

E Wilmar fez uma reflexão ao comentar que essa ideia que eu havia dado para a Adpesc deveria ser levada muito a sério. Nisso Garcez fez outra  intervenção com bastante eloquência:

  • Sim, sim, eu tenho dito que nós precisamos atuar em várias frentes...
  • Pessoal, essa ideia de buscarmos a Adpesc como forma de termos mais espaços  vem sendo defendida há tempos pelo Garcez. (Felipe)

E Garcez novamente retomou a palavra procurando argumentar sobre a necessidade do grupo se manter organizado e participando em diversas frentes, buscando contribuir com a administração, fiscalizar...

E depois de algum tempo retornaram Jorge Xavier e Krieger que não conseguiram contato com o Julio Teixeira, pois o celular estava desligado. Jorge Xavier lamentou a postura de Julio que teria abandonado o nosso grupo. Wilmar fortaleceu também esse ponto de vista, teceu comentários sobre o descaso do parlamentar para com o nosso pessoal, sobre o seu distanciamento especialmente na fase final em que os cargos estavam sendo decididos. Jorge Xavier interrompe para desabafar:

  • Nós começamos esse projeto no final do ano passado, não foi Felipe? Tivemos com o Amin lá na sede do comitê, tendo como testemunha aquele prefeito de Urussanga, como é mesmo o nome dele? (Jorge)
  • O Piloto! (Wilmar)
  • Roberval Piloto! (Felipe)
  • Isso, estávamos, eu, o Felipe e mais o Gilmar Knaesel, o Júlio nem sabia que estávamos lá, o Felipe já tinha falado alguma coisa antes com ele e o Amin comendo aquela comida árabe que era com mel, e falamos do nosso projeto. (Jorge)
  • Deixa eu fazer uma incursão Jorge, eu quero esclarecer que antes eu já tinha acertado com Julio que faríamos um projeto, mas eu conversei com o Jorge e fiz ver a ele de que nada adiantaria nós trabalharmos em algo se não soubéssemos se o futuro candidato estava interessado, era preciso que tivéssemos o seu aval e foi isso que fizemos, ele nos deu o aval. (Felipe)
  • Sim, mas aí o Julio já errou porque no dia da entrega do projeto em vez dele nos chamar, nos manter integrado a ele, o que ele fez? Nós antes estávamos discutindo o projeto frente a frente com o Amin, como aqui na mesa, nós de um lado e ele do outro e o Júlio quis entregar o projeto sozinho, se arvorou como único dono do projeto e o que aconteceu foi como eu estou vendo daqui aquele violonista lá ao fundo, vocês estão vendo lá? Não dá quase nem para enxergar, e ficamos bem longe, longe! (Jorge)
  • Puxa, também não precisa exagerar né Jorge?(Felipe)
  • Sim, foi bem isso mesmo e o segundo erro de Julio foi dar espaço para o Redondo, ele estava apoiando o Pacheco e quando viu que a candidatura dele não iria dar certo tratou de mudar de posição e eu cheguei até concordar com o Felipe, em política todo apoio é bem vindo, tem que se somar, foi o que o Felipe chegou a dizer para o Julio quando ele perguntou o que achava desse apoio e eu acabei concordando, só que depois o Redondo passou a mandar em tudo. No dia lá da festa, vejam bem como esse cara é diabólico, ele nos procurou para que fizéssemos a festa juntos, nós entramos com o local e com os gastos e ele com os convites para a carreata, e aí vejam bem, se não desse certo a festa a culpa de quem seria? Claro que seria nossa! Se faltasse comida, bebida ele colocaria a culpa em nós! Vocês não viram a briga que eu tive com ele lá no dia? (Jorge)
  • Como é que pode, ele é assim...? (Kriguer)
  • Eu tenho tomado algumas providências contra ele, principalmente sobre o que ele anda falando de mim por aí, só estou esperando uma audiência com o novo secretário, este negócio sobre jogo de bicho ele vai ver uma coisa! (Wilmar)
  • É Wilmar, infelizmente a gente tem que tomar cuidados, especialmente sobre isso que tu te referisses. (Felipe)
  • O papel do Redondo é queimar nomes, é isso que ele sabe fazer muito bem, está lá do lado do pessoal, até outro dia nós tínhamos saído lá do edifício Dona Angelina e eu havia comentado aquela situação do Landaman na época do Konder Reis e o Felipe tinha sugerido o nome dele para ser “Assessor Especial junto ao Gabinete do Governador que seria o ideal para nós e onde ele poderia até fazer um bom trabalho, não como o Landaman que nunca ajudou ninguém enquanto esteve lá, e olha que ele era um homem que tinha força, mas também tem uma coisa ele nunca prejudicou ninguém, me digam o nome de alguém que ele tenha prejudicado? Então, até nisso nós pensamos e lá ele poderia fazer um grande trabalho. (Jorge)
  • É, mais ele vai para o Detran mesmo, segundo já disseram. (Felipe)
  • Mas doutor o Wanderley Redondo chegou a fazer algum comentário a respeito do jogo do bicho com o senhor, com o Secretário? (Wilmar)
  • Eu acho que o papel dele tem sido justamente o de queimar nomes, o Secretário segundo me informaram tem uma relação de duas páginas lá com vários nomes, indicações, pelo que eu sei o meu nome teria sido indicado pelo Julio e pela Adpesc, considerando isso ser verdade o papel dele seria chegar lá e queimar o nome do pessoal para colocar gente dele nos cargos. (Felipe)
  • Sim, é isso mesmo doutor! (Wilmar)

(...)

E percebendo que a conversa corria solta e Garcez sempre estava procurando monopolizar a palavra, demonstrava estar desejoso de amplificar a sua visão,  difundir as suas ideias provenientes de muitas reflexões solitárias, muita leitura, entendi que já era momento de partirmos para os finalmente, razão porque  sugeri que cada um falasse alguns minutos sobre o momento atual, qual a postura do grupo frente a corrida por cargos naquele momento, se o grupo deveria ser mantido e o que devemos buscar em conjunto.

E, para viabilizar isso, comecei eu a falar:

“... Dificilmente virei a ocupar algum cargo se for convidado, mas se isso vier a ocorrer procurarei conversar com vocês para fazemos uma prévia análise. Trabalhei num projeto, defendemos ideias, valores e tudo isso parece que foi para o espaço, se eu aceitasse um cargo certamente que estaria abrindo mão de tudo aquilo que sempre defendi,  para trabalhar em algo que nem sei,  que não existe, fazendo o jogo político que sempre critiquei. Quanto ao nosso grupo, concordo que ele deva ser mantido e ampliado, cada um poderá trazer mais pessoas, claro que dentro de certos critérios e acho que podemos trabalhar dentro de uma perspectiva ideológica que possa viabilizar uma nova visão de polícia, uma aproximação com a sociedade...”;

Depois foi a vez de Krieger que inicialmente achou muito bom ter participado do grupo, só pelo simples fato de confraternizar já foi algo bastante significativo. Concordou com as minhas ideias e ponderou que com relação a ser convidado para algum cargo de confiança, não via nenhum problema em aceitar, o que dependeria única e exclusivamente da sua vontade em aceitar o  não o convite.

E Cláudio se mostrou surpreso e interferiu:

  • Mas você aceitaria um cargo só por aceitar? (Cláudio)
  • Sim, não vejo nenhum problema! (Krieger)
  • Bom, eu até admiro essa sinceridade dele, mas não posso concordar com isso. (Cláudio)

(...)

Cláudio não se mostrou muito claro em suas ideias, mas reforçou o que eu já tinha dito acerca da necessidade de coesão do nosso grupo. Mas, arriscaria dizer que talvez ele tenha se mostrado um tanto desapontado com Krieger porque enquanto eu tinha tido que qualquer proposta passaria pelo grupo Krieger deixou claro que qualquer convite que lhe fosse formulado a decisão seria unilateral.

E, em seguida Wilmar reiterou o que já tinha sido dito por mim e por Cláudio em seus comentários anteriores, afirmando que havia uma probabilidade muito grande de não aceitar cargo algum. Mais uma vez se mostrou preocupado em ter sido “queimado” junto ao Secretário por “Redondo”. Não criou qualquer restrição a que um dos membros do grupo viesse a ocupar cargo comissionado e respeitou a minha posição por razões de princípios... Finalizou dizendo que depois me entregaria um documento que estava no seu carro para que eu tomasse conhecimento do seu conteúdo.

Garcez reiterou o que já tinha dito anteriormente.

Jorge assumiu a palavra e não parava mais de falar e brinquei:

- Jorge, isso não é discurso de posse!

E ele riu, parece que não poderia deixar passar aquela oportunidade, ainda mais tendo “Cesinha” como seu fiel escudeiro, volta e meia chegando até a nossa mesa para saber das coisas. E Jorge fez um exaustivo retrospecto de nossa trajetória, do nosso plano e conclui que era importante a manutenção do grupo, disse que depois que saiu da Delegacia-Geral passou cerca de dois anos sem poder ouvir falar qualquer coisa que dissesse respeito a instituição e aí com o “Cesinha” no Escritório de advocacia, fazendo concursos e com mais uns convites para participar de  planos de governo, foi voltando:

  • ...Vocês não imaginam o que que é ser Delegado-Geral, é um cargo de extrema importância, é ser o número um, como o Wilmar aí que chegou a Corregedor-Geral que foi o número dois, né Wilmar?
  • Mas doutor eu cheguei a ser convidado para substituí-lo, lembra? O Pacheco me chamou e me convidou para que eu assumisse na Delegacia- Geral, mas naquelas circunstâncias eu não aceitei. (Wilmar)
  • Agora vocês imaginam o Felipe, Delegado Especial, jogado lá numa sala na Delegacia-Geral, ele nem tem sala. (Jorge)
  • Não Jorge, eu é que pedi para utilizar aquele local lá. (Felipe)
  • Pediu o quê? Sem uma sala, isso é uma vergonha! (Jorge)
  • Sim, ele que pediu! (Wilmar)
  • Olha, eu estou no meu cantinho, fazendo os meus trabalhos, não estou incomodando ninguém! (Felipe)

(...)

E Jorge completou, dizendo que o que eu tinha dito acerca de não aceitar cargos em comissão era para ser interpretado e que não era que eu não aceitaria cargo algum, mas dentro das circunstâncias seria muito difícil...

E no final, Garcez impaciente por só ter que ouvir, concluiu, com uma certa eloquência que já estava cansado de escutar e mostrava-se preocupado com a sua repartição policial, queria ir embora e assumir seu o plantão na CPP.

“No Túnel do Tempo”:

E para finalizar sugeri que outros encontros do grupo pudessem ser feitos no ginásio da Cassol, mas no íntimo estava concordando com  Garcez que logo no início, quando passou a falar  já externava a preocupação de que esta talvez fosse a nossa última reunião, o que seria lamentával, era o nosso fim. E eu tinha quase que essa certeza, mas o tempo é que diria, tudo parece que estava sedimentado numa liderança bastante frágil: Jorge ( que exercia um liderança mística encarnava a postura de ex-Chefe de Polícia, experiência...) e eu (atento a tudo, irreverente, e fugidio...).

Fui cumprimentar os companheiros, desejando um feliz ano novo (coisa que sempre me encheu a paciência, todo ano repetir uma coisa tão vazia e tão profunda ao mesmo tempo, mas que as pessoas não percebiam, pois  deixavam se levar, se conduzir, se consumir e esquecer tudo no momento seguinte). Pensei em dizer: “Vai Garcez, vai Garcez, vai prá ‘CPP!’”

E Wilmar pediu para que eu o acompanhasse até seu veículo e lá me entregou uma petição. Disse que trata sobre a prisão em flagrante da mulher de R. em 1994, em razão de seu envolvimento com b. de b. Disse a ele que faria a leitura do documento no dia seguinte, mas confirmei lendo a primeira página que se tratava de fatos que remontavam os idos do último ano do governo Kleinubing.

E ao me dirigir para minha casa acabei tendo algumas certezas: Alguns dos colegas do nosso  grupo também estavam perseguindo cargos (talvez residisse aí a ira de Garcez..) e que meu discurso também pudesse ter parecido aos olhos deles um tanto romântico, sonhador, fora da realidade, talvez até quixotesco porque ficou claro que se algum deles, especialmente Krieger, o próprio Garcez (dependendo do cargo) e, talvez Jorge Xavier (considerando as circunstâncias, poderia até conversar, mas com muita habilidade e um quê de sinceridade numa consulta prévia diria...) viesse a ser convidado para ocupar algum cargo em comissão na Secretaria de Segurança Pública não teria dúvida em negociar, aceitar, independentemente de passar essa decisão pelo crivo dos demais membros do nosso grupo, como eu havia me comprometido e isso me deixou um pouco desapontado. Procurei não deixar transparecer esse meu sentimento e Cláudio na minha opinião foi o mais puro e verdadeiro, já Wilmar demonstrou uma posição que envolvia um misto de experiência, comedimento, prudência, tanto por sua postura como na forma como falava, evitando comprometer-se, mas também deixando uma boa margem de porção significativa de princípios e critérios na aceitação de cargos, isso caso viesse a ser convidado.

Lembrei também daquela “moção” que redigimos em 1987, logo após a transição de governo, quando o Pedro Ivo manifestou interesse em tirar a força da Polícia Civil que era tida como reduto de Heitor Sché, transformando a ex-Superintendência numa simples Diretoria de Polícia Civil, tudo por conta de uma polícia de governo (daquele governo Amin). E me aparecia Garcez propondo uma nova “moção” que mais parecia coisa do “túnel do tempo”. E o pior era que se dessem espaços para Garcez, isso se tivesse permanecido no grupo de “Redondo”, talvez viesse a concordar em aceitar o cargo de “Assistente Jurídico”, e qual seria o seu discurso depois de quatro anos? Caso a gente se encontrasse ele se mostrasse perdido no meio de uma cúpula comprometida com interesses outros, mas o que ele me diria? Imagino que deveria encontrá-lo em algum lugar frustrado, arredio..., defendendo aquela sua visão de reformas de fora para dentro e da sua decepção porque isso ainda não havia ocorrido, se revelasse frustrado com tudo e que ninguém o ouvia, que a culpa era do “sistema”... ou, ainda, se inspirasse no Delegado Bahia, recolhendo-se ao silêncio, a clausura, vendo tudo à sua volta e fazendo de conta que era melhor ser cego (ou mais conveniente), com aquela autojustificação de “dever cumprido”. Mas, afinal, o que seria o dever cumprido? O que significaria colocar á noite a cabeça num travesseiro e dormir profunda e suavemente?

E quanto a Julio Teixeira? Sim, manteve até o último momento contatos, mas não honrou sua palavra... Aliás, certamente que deveria ter negociado alguma posição favorável para ele e para seus amigos (leia-se: o grupo de Redondo, grande vencedor desses conflitos de facções na busca pelo poder...).

E o Coronel Backes? Tranquilo e calmo vai chegar ao Comando-Geral da Polícia Militar, porém, sob direção do Ministério Público e não mais subordinado diretamente ao Governador do Estado. Na verdade, tudo parece que ficou em harmonia, ou seja, os maçons estão no governo, desde Amin, Carvalhinho, Backes e Moretto... um time de peso, de bastidores, que conversa pouco enxerga de longe, uns bons outros nem tanto..., como guardiães da sociedade e da vida das pessoas

Essa deveria ter sido mesmo a nossa última reunião, acabei concordando com o que Garcez teria me dito no início do nosso encontro com um sabor doce-amargo que consumia a minha mente, mas só com o passar do tempo é que poderíamos analisar melhor o que foi tudo aquilo, o nós viajantes, protagonistas, coadjuvantes, reformadores,  sonhadores e idealizadores de um novo modelo de polícia. Utópico?