PROPOSTA DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA (1998 – 2002) - PARTE CCII -  “ GOVERNADOR AMIN: AS ESCOLHAS DOS NOVOS MANDARINS”.

Data: 13.06.99 - “Mais que um imenso abacaxi”:

A foto de Amin estampava a página de um jornal:

O governador Amin no “olho do furacão”

(...)

No olho do furacão, o governador acaba de receber um golpe inesperado do destino, com a morte do secretário de Segurança Pública e da Justiça e Cidadania, Luiz Carlos Schmidt de Carvalho, num acidente de helicóptero. Carvalho e suas duas pastas eram, até agora, “o lado bom do governo”: A parte que parecia funcionando e produzindo resultados. A tranquilidade acabou.

Além de todos os outros problemas, o governador tem agora que mover as peças do tabuleiro político-partidário e reacomodá-las, sem, no mínimo, criar novos conflitos.

O imenso abacaxi em que se transformou o governo é, na verdade, um prato cheio para as oposições, que têm ainda no bolso do colete as letras do Tesouro emitidas por Paulo Afonso (PMDB), bloqueadas pelo Senado, condenadas pela Justiça e espinafradas por progressistas, pefelistas e petistas.

E, também agora, prestes a serem reabilitadas. Para o governador, um prato de problemas mais complicado do que pôde prever, exigindo deles decisões nada populares.

“Um doente muito grave que precisa de um remédio muito amargo”, definiu o vice-governador Paulo Bauer (PFL), sobre o Ipesc.

(...)

(Diário Catarinense, 13.06.99, pag. 6)

“Coisas de caciques”:

Paulo Alceu mais atento ao cenário político, registrou:

Momento inesquecível

No enterro do secretário Luiz Carlos Carvalho, no Cemitério Parque Jardim em Blumenau, apareceram o cacique Ourídes e o índio Daniel, da reserva de Chapecó. Trouxeram uma coroa de flores e entregaram a Dona Marli um colar, tipo um terço, simbolizando a paz. Para o governador Amin, emocionado e abatido, foi um momento marcante. Os índios pediram ajuda para participar do enterro. Queriam homenagear o amigo Luiz Carlos, o mesmo que deu início a um processo de pacificação entre as tribos da reserva, que estavam se digladiando. Carvalho conseguiu um desarmamento espontâneo, com muita conversa e paciência. Conquistou os índios, que entregaram  26 espingardas e prometeu a construção de uma escola estilo Oca, ou seja, mantendo as origens. O edital de licitação, ironicamente, foi publicado ontem.

Rapidez necessária

Com a morte do secretário de Segurança Luiz Carlos de Carvalho, o governador terá que escolher dois auxiliares. Carvalho, que acumulava a secretaria de Justiça, dava a tranquilidade e tempo necessários para que Amin se certificasse que os tucanos estavam domesticados. Até agora não tinha essa garantia, por isso mantinha a Justiça na interinidade. Com certeza o governador não poderá deixar esses cargos por muito tempo com os adjuntos. Se isso ocorrer aumentarão as filas e os pedidos acumulando descontentamentos. Mas a escolha de um secretário de Segurança, moderno, dinâmico e probo, e interessado na função, vai dar um certo trabalho. No caso da Justiça o governador já tem uma lista triplex encaminhada pelo PSDB, tempos atrás. O problema é o PSDB.

Ironia

O deputado Jorginho Mello ao tomar conhecimento da manifestação dos detentos do presídio de Florianópolis, relatadas ao governador Amin, pedindo para que o futuro secretário da Justiça não fosse do PSDB, e sim do PFL ou PPB, saiu-se com essa: “Não é possível que até preso faz lobby para os pefelistas e progressistas. Têm apoio até na cadeia”.

Dedicação

José Carlos “Zico” Soares, assessor de comunicação do governo Amin, vem desempenhando  sua atividade no mesmo ritmo das redações. Criando uma marca de competência e presença em todas as horas. No lamentável episódio em que o secretário Luiz Carlos de Carvalho e dos oficiais da PM morreram em acidente de helicóptero, Zico ficou durante toda a madrugada abastecendo com informações os jornalistas de plantão. Burocracia e morosidade não estão no dicionário deste assessor.

(Diário Catarinense, Paulo Alceu, 13.06.99, pág. 10)

Data: 14.06.99 – “Faixa Preta”:

Já na sexta-feira à tarde tinha visto um rolo de tecido preto próximo a central telefônica, no andar térreo da Delegacia-Geral e Walter deixava transparecer sua consternação com a morte de Carvalho. Parecia motivado o suficiente para recordar para ter colocado aquele tecido e distribuir faixas e fitas pretas para serem afixadas na parte frontal das diversas repartições policiais civis e viaturas, começando isso pelo prédio da Delegacia-Geral, conforme pude constatar de visu na segunda-feira seguinte pela manhã a estampa na fachada.

Horário: 09:30 horas – “O mandarim”:

Estava retornando à Delegacia-Geral e resolvi dar uma passadinha no local onde tinha certeza que encontraria o Delegado  Wilmar Domingues (a antiga sala do Escrivão Osnelito). Fiquei imaginando a sua situação, sendo um Delegado Especial – tal como eu, tendo que improvisar um lugar para ficar, ante o olhar de descaso de uns e de desassombro de outros mais humildes e curiosos. Mas, com isso se mostrava uma profunda grandeza, sentado naquele mesmo local onde Osnelito fazia o seu tiro: “le quatre vent”, lucubrava escancaradamente sobre o futuro... enquanto que ele ocupava a mesma mesa para escrever sem parar. Nesse clima fui me achegando:

  • Como está o “Mandarim”?
  • Mandarim o quê? Eu não sou mandarim coisa alguma!
  • É sim! E daí, tudo certo?

(...)

E acabamos falando sobre o prato do dia-a-dia:

  • Na verdade a gente sabe que o “Tolerância Zero” era uma resposta imediata à sociedade já que ele chegou sem plano algum, e com isso se estaria criando condições de integração entre as duas polícias, foi uma justificativa a partir de um projeto maior de impacto para a sociedade,  imagino que essa foi a estratégia de Carvalho. (Felipe)
  • Sim...
  • Mas Wilmar eu tenho ouvido falar muito em coordenação e integração dos serviços das duas polícias nos últimos tempos, não em unificação dos comandos como é a nossa proposta, realmente isso é um grande desafio e como o próprio Carvalho disse não se pode mudar da noite para o dia cem anos de cultura que permeiam ambas as polícias.
  • É verdade!
  • Mas eu acho que a unificação dos comandos é o caminho.
  • Tem que ver como está o Estado de São Paulo? Tem acompanhado?
  • Olha Wilmar eu sou muito contra esse negócio de importação de modelos de grandes centros, como o “Tolerância Zero” por exemplo. Eu sempre tive restrições quanto a isso. Conheço a Polícia de São Paulo, estão bem atrasados com relação a nós em termos institucionais, só o Estado que é uma potência econômica...
  • Isso é verdade, mas não conheço a Polícia lá, então...
  • Acho que nós temos gente aqui competentes e em condições de implementar reformas que respeitem a nossa história, a nossa realidade,  sem precisarmos recorrer para outros Estados que enfrentam sérias dificuldades, tudo bem que se estude outras realidades, mas isso não implica em importação de situações outras que nada ou pouco tem haver conosco. Aliás, como te disse, conheço a situação da Polícia Civil de São Paulo. Temos é que propor mudanças aqui no nosso Estado que é referência nacional.
  • É verdade...
  • O grande desafio é a Lei Orgânica dentro do projeto de criação da Procuradoria-Geral. A Lei Orgânica foi uma das grandes conquistas que tivemos durante a administração Bado, na época da constituinte, graças à emenda que nós apresentamos naquela época. Só que no governo Kleinubing não havia condições de se tornar isso realidade, porque era preciso preparar o terreno e primeiramente garantir a reestruturação jurídica das carreiras policiais civis, a começar pela implantação do sistema de entrâncias no caso dos Delegados e essa era a grande prioridade naquele momento...
  • Mas tem que ver como vai ficar a Lei Orgânica Nacional, não acha doutor?
  • Olha Wilmar eu não boto muita fé na Lei Orgânica Nacional, acho que é a ela que tu estais te referindo, o anteprojeto que tá com o Moreto, não?
  • Sim, estou sabendo, conversei com o Moreto e ele comentou.
  • Pois é, eu estive dando uma olhada na proposta do anteprojeto, o Moreto pediu a minha manifestação.
  • Ah, é?
  • Sim. E eu pude constatar um retrocesso, parece que ele nos nivelam por baixo. Se formos nos comparar com outras unidades da federação veremos que no aspecto institucional estamos muito na vanguarda. Muitas das polícias civis de outros Estados sequer possuem Estatuto próprio. Afinal, nós aqui além do Estatuto temos leis complementares, como a que incorporou o sistema de entrâncias para os Delegados, a lei especial de promoções, temos mecanismos que estancam as possibilidades de ingerências políticas, basta ter vontade porque a legislação existe.
  • É, mas não basta termos a legislação se não há vontade política...
  • Sim, é isso. Mas eu queria te dizer que ficou para o governo passado lutar pela lei orgânica... Só que a administração da Lúcia elegeu uma outra prioridade institucional que foi a reestruturação material da Polícia Civil, o  fez muito bem, mas na minha opinião ela cumpriu sua missão parcialmente...
  • É...

(...)

E acabei me empolgando e fazendo um relato a Wilmar acerca do trabalho que fizemos na Constituinte de 1989...

(...)

  • Mas o homem deve ter ficado uma fera contigo?
  • É verdade e foi por isso que nunca me convidou para nada, apesar de  tê-lo ajudado nas primeira e segunda eleições, acho que ele sabia que eu era meio pedreira e que teria moral para cobrar posições. Mas mesmo assim passei por situações difíceis, como aquele que vivi quando da tramitação da lei complementar cinquenta e cinco em noventa e dois, quando por meio do Deputado Jair Silveira apresentamos a emenda acabando com a figura do Delegado Calça-Curta..., isso para viabilizar o sistema de entrâncias, não havia compatibilidade, era preciso terminar de vez com aquela situação.  O problema era que eu detinha cargo de confiança  e alguns PMs que estavam respondendo por Delegacias de Polícia de Comarca eram seus cabos eleitorais e com as mudanças teriam que sair...
  • O homem deve ter ficado...
  • Sim, tanto isso é verdade que ele, segundo o Jorge que era o Delegado-Geral, tinha pedido a minha exoneração por me considerar um traidor,  queria a minha remoção para o interior do Estado.
  • É mesmo?
  • Sim e quando o Jorge veio me dizer isso eu argumentei que não tinha problemas, poderia ser exonerado, mas que dissesse ao Pacheco que entre trair ele ou trair a nossa instituição não teria dúvidas, trairia ele mil vezes e que depois todos teriam conhecimento desses fatos.
  • Sim,  está certo, o problema que o Jorge colocava panos quentes.
  • Não o Jorge foi segurando, segurando e ele cobrando... O Jorge tinha dito que o Pacheco nunca mais queria me ver lá no Gabinete e que eu não poderia assinar mais nada, e foi indo até que o Pacheco também foi esquecendo, nesse ponto tinha essa virtude, acho que foi perdendo importância esse fato, se bem que não foi esquecido, vamos dizer perdoando, e compreendendo o que eu tinha feito...
  • É verdade, esquecido jamais!
  • Mas o Jorge com aquela diplomacia dele foi segurando, fazendo corpo mole e o Pacheco deve ter mais uma vez superado aquele momento, foi passando a raiva...

(...)

E alguém do outro lado chamou por Wilmar que se levantou, pedindo licença e ao mesmo tempo foi dizendo:

  • Doutor já escreveu um livro sobre isso, olha que daria um livro!
  • Ainda não, mas quem sabe um dia, qualquer hora escrevo alguma coisa.
  • Tem que escrever, quero ler, quero ver!

E nesse clima fraternal nos despedimos e mais uma vez me apercebi que talvez tivesse falado de mais, fruto da empolgação e me entristeci pela mania nos últimos tempos de ficar remoendo fatos passados, mas  ainda tão vivos em minha mente. Na verdade aqueles tempos de “sala de reuniões” me oportunizou também esses resgates e ao mesmo tempo tinha que lutar para esquecer episódios que marcaram tanto a minha vida profissional, dando a impressão que isso ainda era muito forte, porém, continuaria na busca pela libertação.

“Par ler e refletir: Quem não tem cão caça com gato?”

No plano nacional o escândalo envolvendo a nomeação do Diretor da Polícia Federal – Delegado João Batista Campelo... Acusações sobre seu envolvimento em torturas ao ex-Padre José Antonio de Magalhães Monteiro e o Presidente Fernando Henrique Cardoso estava sendo malhado por sua escolha. Se não bastasse isso, Fernando Rodrigues escreveu a seguinte crônica:

Os gatos e os cachorros de FHC

Fernando Rodrigues

Brasília – O presidente Fernando Henrique Cardoso tem duas semanas, a partir de hoje, para indicar o nome do sucessor de Geraldo Brindeiro na Procuradoria Geral da República.

Até o dia 28 deste mês, o Estado terá de aprovar a indicação. Caso contrário, o cargo de procurador-geral ficará vago, pois o mandato de Brindeiro termina naquela data.

A boa notícia é que o mandato de Brindeiro está quase acabando. A má notícia é que FHC deve reconduzi-lo ao posto por falta de opção.

Brindeiro permaneceu dois mandatos no cargo. Cada mandato tem dois anos. Ganhou fama em Brasília o seu jeito parcimonioso na abertura de inquéritos. Seu lema foi “se não souber o que fazer, não faça nada”.

Casos escabrosos foram engavetados por Brindeiro, sem merecer investigação. Por exemplo, a pasta rosa (supostas doações de campanha ilegais para vários políticos). Outro caso foi a compra de votos a favor da emenda da reeleição (deputados confessaram Ter vendido seus votos por R$ 200 mil e nunca foram chamados para depor).

Vergonha maior de todas. Brindeiro foi pilhado entre os usuários de aviões da FAB que veraneavam em Fernando de Noronha. Foi para lá três vezes, gastando dinheiro público – o dinheiro que ele teria de proteger do mau uso, pois essa é uma das principais funções do procurador-geral.

Em defesa do governo FHC fica o ato de o Ministério Público ter se transformado um pouco num agrupamento de pessoas mais interessadas em fazer política sindical interna do que em proteger o bem público. “O Ministério Público é a Polícia Federal amanhã”, comenta-se no Palácio do Planalto.

Nessa conjuntura, o presidente ficou sem opção de substitutos para Brindeiro. Mas também não tomou nem uma atitude sequer no seu primeiro mandato para aprimorar a qualidade dos quadros do Ministério Público.

Agora, premido pela circunstância, FHC está condenado à máxima que usou ao escolher Chico Lopes como presidente do Banco Central: “Quem não tem cão caça com gato”.

(Folha de São Paulo, 2 – Opinião, 14.06.99)