PARTE CC - “TOLERÂNCIA ZERO E O CAÓTICO SISTEMA PRISIONAL”
Por Felipe Genovez | 23/04/2018 | HistóriaPROPOSTA DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA (1998 – 2002) - PARTE CC - “TOLERÂNCIA ZERO E O CAÓTICO SISTEMA PRISIONAL”.
Data: 06.06.99 – “’Tolerância Zero’ e as prisões catarinenses: a abertura das Delegacias de Polícia como porteira de quarentena?”
A rotina da superlotação nas prisões catarinenses
Ao chegar a limites insuportáveis, com um défict de 900 vagas, o governo busca saída
(...)
Tolerância Zero agrava o problema
A ideia do Coronel Vanderlei Souza, diretor de Administração Penal da Secretaria de Segurança é repetir o que já ocorre na Capital. NO ano passado, sensibilizado com as condições desumanas causadas pela superlotação no Presídio de Florianópolis, o Juiz da Vara de Execuções Penais, Rui Barreiros Fortes, baixou portaria determinando que o limite de 260 presos fosse respeitado. No entanto, em muitos presídios os administradores não têm como evitar a entrada de novos detentos, uma vez que estariam incorrendo em crime de desobediência caso se negassem a cumprir determinação judicial. A situação tende a se agravar com o chamado Programa Tolerância Zero, implantado recentemente pela Secretaria da Segurança Pública em conjunto com a Polícia Militar (...). A medida tomada na Capital pelo juiz Fortes gerou outro problema: a transformação de delegacias de polícia em cadeias públicas. No dia 19 de abril, o delegado de Palhoça, na Grande Florianópolis, Nivaldo Claudino Rodrigues, enviou relatório ao juiz relatando que havia 10 presos no local e solicitando providências. Na Central de Plantão Policial (CPP), na Capital estão detidos 19 homens (...)
(Diário Catarinense, 06.06.99)
E dizer que durante o governo Kleinubing lutamos para extinguir a carreira de “Policial Carcereiro”,, em cuja época conseguimos acabar com presos em Delegacias de Polícia, um feito histórico. No governo Paulo Afonso os Delegados que estavam no comando da Secretaria de Segurança Pública (Leia-se: Lúcia Stefanovich e Lourival Matos) resolveram aceitar pacificamente que presos permanecessem nas Delegacias de Polícia até a abertura de vagas. O Deap (Diretoria Estadual de Administração Penal), a Vara de Execuções Penais e o Governador do Estado fizeram pressão nesse sentido e nossos Delegados que detinham o dever de resistir lamentavelmente abriram a porteira e nossos policiais ao invés de focarem em suas obrigações constitucionais e legais... Na época estava na direção da Penitenciária de Florianópolis, quando soube dessa decisão, contra tudo e contra todos, chamei os Agentes Penitenciários e disse para eles que nós continuaríamos a receber os presos normalmente..., porém a decisão não dependia só de mim e o Deap mudou a política sob a justificativa de ter que aliviar as tensões no sistema e transformar as repartições policiais em “sala de espera” de vagas nos presídios e penitenciárias. Fui conversar com o Diretor do Deap (Delegado Sala) e relatei toda a nossa luta desde a aprovação da lei complementar cinquenta e cinco para tentar mudar o curso dessa nova história (não aceitar que presos ficassem nas Delegacias e que fossem abertas vagas no sistema...) e que, muito embora ele ainda nunca tivesse exercido as funções de Delegado de Polícia (saiu da Academia e foi direto para o sistema prisional), tínhamos que pensar em salvaguardar nossos Delegados e policiais que acabariam se transformando em administradores e carcereiros de presos, coadjuvantes do sistema prisional... Lamentavelmente, não fui ouvido e os Agentes Penitenciários adoraram a ideia...! O fato era que não podia esquecer a conversa com ex-Deputado Federal Dércio Knop (Presidente Estadual do PDT) que estava no comando da Pasta da Justiça durante aquele governo, muito mais preocupado com outros interesses..., além do mais parece que queriam um sistema prisional, digamos, bem mais palatável! Afinal de constas, sobrou para quem?
Data: 08.06.99, horário: 10:30 horas – “O fator ‘Pedrão amigo do Governador Amin?’”:
Estava na “Assistência Jurídica” quando em determinado momento senti que alguém se aproximava e intuitivamente alguém soltou um brado:
- Só pode ser o doutor Braga! (Jô Guedes)
- Como é que tu sabes? (Felipe)
- Olha aí! Conheço só pelo andar! (Jô Guedes)
(...)
Braga aparentava estar bem nervoso:
- Vim da Adpesc, acabei de chegar e encontrei o Sell, tu não imaginas, ele estragou o meu dia, me deixou nervoso, tenso! (Braga)
- Mas por quê?
- Ele consegue me deixar assim, eu fui dizer para ele que estou agora na Armas e Munições, precisavas ver, ele ficou dizendo que eu não podia ter aceito, onde já se viu, disse que aqui na Assistência Jurídica eu estava trabalhando direto com o Delegado-Geral. Felipe eu não estou em cargo comissionado! (Braga)
- Sim. (Felipe)
- Mas tu precisas ver, não adiantou nada, eu disse para ele que estou lá embaixo sem cargo comissionado, conseguiu me irritar, ele consegue isso, . eu cheguei a dizer para ele que consultei os amigos antes de sair daqui, que o doutor Felipe também consultou os amigos antes de vir para a “Assistência Jurídica”, mas não adiantou, conseguiu estragar o meu dia!
(...)
Braga estava visivelmente indignado, revoltado, atingido, se sentindo ultrajado:
- Mas Braga eu não sei como é que tu vai te importar tanto com a opinião do Sell, eu acho que é isso, como ele sabe que vai te detonar, vai te colocar prá baixo faz isso contigo! (Felipe)
- Ele consegue me irritar! (Braga)
- Eu não sei Braga, mas acho que tu não deves de importar com a opinião dele, quem é o Sell para te julgar? Ele no governo passado estava ocupando função de Delegado Distrital e ninguém diz nada, eu não sei, mas acho que tu te deixas abalar muito com a opinião dele. Até entendo essa estratégia, pois a melhor defesa é o ataque e é isso que ele fez, te deixar sem reação alguma, mas vocês são todos do grupo do Heitor, não?
- (Felipe)
- O Heitor não se elege para mais nada, ele e o Julio estão mortos politicamente e o Sell e o ‘Pedrão’ ficaram de fora, não conseguiram nada! (Braga)
- É! (Felipe)
- O ‘Pedrão’, não sei se tu sabes, é amigo do Amin, ele fala com o governador a hora que quiser. (Braga)
- É mesmo? (Felipe)
- Sim, tanto que ele colocou dois no governo e não foi o Heitor não! (Braga)
- Quem que o ‘Pedrão’ colocou? (Felipe)
- Um foi o Adalberto como Regional lá em Jaraguá, o Adalberto foi o ‘Pedrão’ que colocou e o outro é aquele que está lá na Corregedoria, como é mesmo nome dele, é Corregedor? (Braga)
- Ah, sei, o Nilton Andrade! (Felipe)
- Sim, o Nilton, o Nilton sempre foi protegido do ‘Pedrão’, é afilhado dele e o Maurício Eskudark o pessoal acha que foi o Heitor. (Braga)
- E não foi? (Felipe)
- O Maurício tem força própria, ele é do Diretório do PFL, tem liderança, amizades e ele só não foi nomeado Delegado-Geral porque o Carvalho não aceitou.
(...)”.
Data: 10.06.99 – “Reminiscências Knopianas e a Renúncia de Péricles Prade”
É a manchete nos jornais de hoje..:
Ação na Justiça provoca a renúncia de Péricles
Vice-prefeito da Capital é acusado pelo Ministério Público Federal de superfaturar obra em presídio
Lúcia Helena Vieira e Adriana Baldissarelli
Florianópolis
O tucano Péricles Prade anunciou ontem que vai renunciar ao cargo de vice-prefeito da Capital, para o qual foi eleito em 1996 na chapa de Angela Amin (PPB). De São Paulo, numa carta de quatro folhas enviada ao Diário Catarinense, Prade avisa que tomará as providências ‘cabíveis’ relacionadas à renúncia na semana que vem. Além de registrar sua frustração com a política, o ainda vice-prefeito alega ter decidido renunciar para advogar em causa própria no processo movido contra ele pelo Ministério Público Federal (...). Mesmo sendo discreto e contido na apresentação das razões, Prade nunca escondeu a incompatibilidade absoluta com Angela Amin, mantida sob ‘controle’ desde a campanha eleitoral. Até o início da noite de ontem, a prefeita não havia sido comunicada oficialmente da decisão do vice de renunciar. Nenhuma comunicação oficial também chegou à Câmara de Vereadores, que é caminho obrigatório para a renúncia. O desencanto com a vida política tornou-se flagrante na conduta do vice-prefeito de Florianópolis nos últimos meses. Ele mal conseguia disfarçar a frustração pelo inexpressivo papel que lhe coube na administração municipal e as dificuldades de relacionamento com a prefeita. Ao intelectual que, no início, tomaria conta da área cultural e de projetos especiais, não foi concedido nem espaço físico para o trabalho. No início deste ano, chegou a movimentar o tucanato com a proposta de desembarcar da colisão Mais SC. Apesar disso, sua renúncia pegou de surpresa os partidários.
O Desabafo
‘Sou inocente e provarei, em qualquer tribunal deste país, que agi dentro dos parâmetros da moralidade e da legalidade’.
‘Estou inconformado. Passei toda a minha vida agindo com correção, sempre pautado pelos princípios éticos, tanto no plano pessoal ou social quanto na órbita pública ou profissional, e agora sou surpreendido, aos 57 anos, com essa intolerável injustiça’.
(...)
‘A política só tem me proporcionado desgostos. E não digo isso porque não me elegi deputado federal... Os aborrecimentos advêm de certos fatos e determinadas pessoas. Não me encontro confortável nesse universo. Perdi tempo, dinheiro e saúde. Ainda assim deixei as coisas fluírem sem maiores percalços. Agora veio a gota d’água. Chega!
(...)
(Diário Catarinense, 10.06.99, pág. 8)
“Êta Prade Poeta!”
E meus pensamentos voltaram para o mês de março de 1995, início do governo Paulo Afonso Vieira, era uma manhã de sol e toda a direção estava reunida no interior da Penitenciária Estadual de Florianópolis. O momento era de expectativa, pois acabavam de chegar o Secretário de Estado de Justiça e Cidadania e o Diretor de Administração Estadual para uma primeira visita ao estabelecimento. Iniciado o encontro Péricles Prade dirigiu a palavra ao Diretor do Estabelecimento demonstrando preocupação exacerbada com os problemas existentes na administração do maior estabelecimento prisional do Estado: a Penitenciária de Florianópolis, especialmente em razão das dificuldades encontradas e os desafios que juntos teríamos que superar. Prade deixou no ar uma esperança, justamente ele que me convidou para o cargo, numa lista de oito nomes, sete deles indicados politicamente, mas optou pelo meu, segundo ele mesmo, por questão de currículo: “Diretor eu quero toda semana estar aqui para uma reunião com a direção, saber dos problemas, nós vamos almoçar juntos uma vez por semana aqui para conversar”. Prade tinha um discurso carreado de emoções, oratória, gestos cênicos, olhar cativante... Achei bom demais para ser verdade, mas como já estava escaldado por uma longa da vida profissional, fiz uma contraproposta: “Secretário, o senhor não precisa vir toda semana, se o senhor vier pelo menos uma vez por mês ou a cada quinze dias. já vai ser ótimo, será um será um sonho”. Mas o então Titular da Pasta reafirmou seu compromisso de estar presente toda semana na Penitenciária, o que me incomodou um pouco porque sabia que não era verdade... porém, me contive ante as circunstâncias e, também, porque poderia até me surpreender. Passado alguns meses e nada do Secretário, conseguir conversar com ele para tratar de problemas na Penitenciária era um horror, simplesmente ele sempre estava no Palácio... e assuntos urgentes eram empurrados com a barriga. Ficou apenas na memória as suas palavras ao vento, que pareciam saltitar como doces poemas de um romancista..., nada mais! Prade esteve uma outra vez na Penitenciária, não para se reunir com a direção, mas, sob às luzes da imprensa maciça para lacrar a famosa “toca” (um local inóspito e destinado ao cumprimento de sanções disciplinares por parte de presos infratores...). Esse local passou por reforma (pintura, luminárias e abertura de um janela para ventilação) e, posteriormente, foi reativado. E Prade estava quase que diariamente nos jornais, até a sua exoneração da Pasta da Justiça e Cidadania, sem que nós pudéssemos ter experimentado uma experiência de proximidade, aliás, a impressão que ficou era que quanto mais distante dos problemas mas tempo teria para suas atividades políticas e de poeta, mesmo porque o acesso ao seu Gabinete era quase que impossível e na época coisas mínimas não eram resolvidas porque dependiam do Titular da Pasta, como as nomeações dos funcionários responsáveis por “oficinas” dentro do estabelecimento, e tudo ficava parado, os presos sem o que fazer... (depois soube que havia disputas políticas para indicação desses cargos...). E, ficamos nós, como uma nau em alto-mar, navegando conforme o vento, sem lenço e sem documento, aos sons dos gemidos de mais de cem aidéticos, dificuldades financeiras, ingerências políticas na escolha dos mestres (pessoas que deveriam coordenar o trabalho dos presos: mestre de marcenaria, estofaria, tipografia e etc.) e que se arrastou durante meses, falta de médicos, dentistas e etc. “Êta Prade Poeta”! pensava naqueles tempos. Inclusive, lembro da época em que não aguentava mais e pressionado, convoquei vários Agentes Penitenciários para me acompanhar para uma audiência com Péricles Prade no seu gabinete, a fim de dar um ultimato na nomeação dos “mestres” e também para dar encaminhamento num projeto de plano de carreira que havia feito para o pessoal do sistema. Quando chegamos na Secretaria de Justiça, acompanhado de mais de vinte Agentes Penitenciários (dentre os quais o excelente Chefe de Segurança da Penitenciária Agente Euclides Silva, o “Quidinho”) a secretária me informou: “O Doutor Péricles está despachando com o Governador Paulo Afonso no Palácio e não sabe que horas irá voltar...!” Imediatamente avisei ela que entrasse em contato com o Palácio ou via celular e avisasse o Secretário que ficaríamos ali no gabinete aguardando até que ele voltasse, nem que fosse ás dez horas da noite. Percebendo a nossa disposição, a recepcionista pediu um tempo e fez uma ligação. Na sequência ela me avisou que o Secretário autorizou somente a minha entrada. Sem estar surpreso com os acontecimentos, logo que entrei na sala o Secretário nervoso em sua cadeira foi vaticinando: “Diretor, o senhor tinha que estar lá na Penitenciária trabalhando e não vir aqui com os seus agentes me pressionar, o que o senhor está querendo com isso?” Com disposição e focado, respondi: “Secretário, há meses que estou esperando a nomeação desses mestres, há meses que encaminhei e reiterei várias vezes um projeto para melhorar a carreira deles e até agora nada! Lembra que o senhor me disse uma vez que iria almoçar uma vez por semana comigo lá na Penitenciária? Pois é Secretário, esses homens que estão ali fora, esses aí que o senhor está se negando a receber, são justamente eles que estão dando o seu melhor pela sua administração, são eles que estão segurando aquela penitenciária para que não haja uma explosão, eles estão dando o sangue pela nossa causa. Então, Secretário, eu não vou sair daqui enquanto o senhor não receber eles na sua sala, o senhor que me convidou para o cargo e eu aceitei, se o senhor não fizer isso agora pode pedir a minha exoneração, não tenho medo algum, faça isso!” Péricles Prade ficou emudecido e imediatamente ordenou que sua secretária mandasse todos entrarem em seu gabinete e logo que se posicionaram em pé na sua presença, passou a discursar: “Meus queridos, que bom que vocês vieram aqui, esta Casa sempre estará aberta para vocês...”. Moral da história, tudo continuou igual, nada quase mudou, apenas nossas relações que se eram distantes ficaram péssimas. Passados mais alguns meses Péricles Prade teve a hombridade de pedir exoneração do cargo de Secretário de Justiça, só demorou para cair na real...
A Pasta da Justiça parecia estar predestinada e, mais recentemente, os problemas com Jaime Duarte, João Rosa... e a pergunta: "O 'Tolerência Zero' serviria para resolver os problemas do "sistema prisional"? Nosso "Plano" pretendia criar um sistema flexível de administração penal com a participação e controle direto da Procuradoria-Geral de Polícia, a partir da "Superintendência de Administação Prisional do Estado, com a criação da carreira de "Polícia Prisional" (reenquadramento de todos os Agentes Penitenciários), dentre inúmeras medidas a serem adotadas em termos de sinergia de vários setores...
“As rebeliões”:
Enquanto isso:
Sistema carcerário está chegando ao seu limite
Pesquisa realizada pela OAB revelou que presos pedem assistência médica e jurídica
João José Cavalazzi
Florianópolis
Falta de assistência jurídica adequada, inexistência de medicamentos para tratar doentes crônicos, violação de correspondência, falta de higiene nos complexos carcerários e proibição de remeter à família o dinheiro obtido em trabalho nas instituições. Estas foram as principais conclusões do Relatório por Amostragem do Sistema Prisional Catarinense, divulgado ontem pela Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SC). O documento foi elaborado a partir de 236 entrevistas com internos da Penitenciária de Florianópolis.
Para o presidente da comissão, Reinaldo Pereira e Silva, o resultado indica os principais problemas do sistema prisional catarinense. ‘Expressam grave dilema social relacionado à segurança pública’ coloca Reinaldo. Na visão do advogado, o sistema carcerário é um ‘barril de pólvora, prestes a explodir’.
(...)
(Diário Catarinense, 10.06.99, pág. 38)