Data: 30.09.98, horário: 08:40 horas, “Dom ‘Lito e a Privada’”:

De manhã Osnelito entrou na sala de reuniões, que poderia ser também o “Salão Vermelho”, a “Sala da Galeria dos ‘Ex-Chefes de Polícia’”, a “Sala dos Artefatos Históricos de Jorge Xavier”, ou agora a “Sala ‘FG’”. Eis que a porta se abriu, era o nosso “Dom Lito” que às pressas se trancafiou no melhor lugar do mundo naquele momento. Eu, como sempre, estava sentado no mesmo lugar, na ponta da grande mesa, na diagonal direita de onde poderia monitorar a porta de entrada cerrada. Depois de alguns instantes, após o barulho da descarga abriu-se a porta e uma nova tracionada no mesmo ritmo frenético da entrada, só que agora na minha direção, o corpulento que quase trotava ao caminhar, tipo “espanta pardal”, trazia consigo aquele cheiro de enxofre ou algo parecido que exalava como uma onda de fedor pelo ambiente. Finalmente pude lhe cumprimentar meio que dissimulando meu mal estar e intrigado com aquela fedentina que poderia esconder algum mistério, não poderia ser normal:

  • Fala “Dom Lito”!. (e pensei: deveria dizer: “Dom Lito ‘El Cagnon’”)
  • Tudo “beeémm?” (o jeito mansinho e manezinho de falar quando estava mais normal e não irado, acompanhado de uma pitada de ironia e sátira)
  • Tudo!.

Osnelito se sentou ao meu lado como um menino levado que acabou de fazer uma travessura, só que logo se refez para adquirir aquela sua velha fórmula de se autoanimar, liberar suas endorfinas...Estranhei que aparentava estar bem mais calmo,  diferentemente daqueles outros dias e abrimos uma conversação como velhos amigos:

  • Tu sabias que o rilha andou ganhando um “esporro” da Lúcia? (Osnelito)
  • É mesmo?
  • Aquela filha da Glória (telefonista da central telefônica da Delegacia-Geral) esteve procurando o Trilha lá em cima para que assinasse um termo de boas referências para um amigo gaúcho que quer instalar uma autoescola aqui em Florianópolis. Só que o requerimento já havia sido indeferido pela Lúcia, como eu não gosto de gaúcho, até gostei da atitude dela, já começou bem, mas o negócio é que a filha da Glória pegou a assinatura de diversas pessoas, como a assinatura da Delegada Ana, da Rosângela lá embaixo.
  • Sim, mas o que tem haver a filha da Glória com essa autoescola?
  • Ela disse que é sócia desse gaúcho lá de Porto Alegre, eles já tinham comprado parece que uns seis carros e quando ela me procurou para que eu também assinasse esse documento perguntei qual o seu interesse naquilo? Ela respondeu que tinha cinquenta por cento do negócio e eu pedi que me mostrasse o contrato social. Ela não tinha em mãos, mas eu insisti então que queria ver o contrato, do contrário não assinaria nada, e fiz isso até para resguardá-la no futuro, não gosto desses gaúchos, bom eu sei dizer que depois que a Lúcia tomou conhecimento chamou o Trilha e deu um “esporro” nele.
  • Mas quando que foi isso?
  • Foi na quinta ou sexta-feira.
  • Ah, agora eu entendo porque que o Walter tinha dito que estavam se matando lá em cima.
  • É isso mesmo, o Trilha chamou a Ana e a Rosângela lá em cima e deu um “esporro” nelas. A Rosângela disse que depois que viu eu conversando com ela se arrependeu de ter assinado, mas aí não adiantava mais, ela disse que agiu assim por inexperiência (e pensei no “quiproquó”)

(...)

Mistérios revelados:

  • E daí, como é que está a política por aqui?
  • Olha, aqui está tudo quieto, tudo muito silencioso, tudo muito misterioso.
  • Mas os comissionados estão fazendo campanha, segundo informação estão subindo os morros nos finais de semana, tu que és comissionado não estais nessa?
  • Sim, nos finais de semana eu participei de panfletagem e fui a carreatas, mas não a todas, hoje, inclusive, tem a formatura dos policiais, mas eu não vou.
  • Tu estais falando da formatura dos novos policiais na Academia? (e pensei: “então é nesta quarta”)
  • Sim, o pessoal que concluiu o curso, tu achas que depois do que fizeram comigo se eu tenho cara para aparecer lá, de jeito nenhum, olha eu já decidi os meus votos, vou votar no Júlio Teixeira, vou arranjar uns votos para o Blasi, vou votar no Lula e para Deputado Federal no Andrino.
  • Sim, e para o Senado?
  • Não voto no Jorge, acho que vou votar no Colatto.
  • É, eu acho que você está sendo coerente Lito, és filiado ao PMDB e estais em cargo em comissão (lembrei que o Fiat 147 branco do Osnelito tinha estava sempre na garagem do prédio da Delegacia-Geral e ostentava vários adesivos de Paulo Afonso nos para-choques, poderia haver algum mistério naquele procedimento, seria uma encenação para a torcida, a começar pelos “espiões” da Lúcia, do Lourival e do Trilha?)

(...)”.

E pensei nos meus votos ao pleito eleitoral daquele ano – realmente não seria um grande mistério para todos na Delegacia-Geral, considerando os níveis das espionagens de todos os lados. Mais uma vez Lula para presidente (especialmente em contestação à política de Fernando Henrique de juros altos, recessão, a supressão de direitos dos servidores públicos, a maneira como estava sendo conduzida a reforma da previdência e uma homenagem ao Partido dos Trabalhadores pelo passado de lutas...). Para governador do Estado seria Esperidião Amin em razão de tudo, desde o nosso “Plano de Governo”, ao que Paulo Afonso fez com os servidores públicos do Estado, cujo tratamento jamais poderá ser esquecido, bem diferente do tratamento do Legislativo, Judiciário, Ministério Público, Tribunal de Contas do Estado... (seria uma contradição eu não votar em Esperidião Amim). Ao senado decidi votar em Bareta como homenagem aos “Verdes” (não poderia votar em Jorge Bornhausen porque esteve o tempo todo apoiando Paulo Afonso e no final quis abandonar o barco e, também, porque certamente iria votar a favor de Fernando Henrique que sempre foi contra os servidores públicos, em nivelar por baixo nossos direitos...  Para deputado federal decidi votar no amigo Dércio Knop, especialmente, por suas posições na Câmara Federal (foi contra o Governo em tudo) e  pela ligação familiar. Para deputado estadual Júlio Teixeira em razão logicamente do nosso “Plano”, pela nossa instituição e pela amizade.

Horário: 09:20 horas, “Eu, nós e os outros”:

A Escrevente Policial Rita Adriano – com seu mundo carreado de problemas e dificuldades financeiras – me telefonou querendo colher minhas impressões sobre a festa no Ginásio da Cassol, disse que estava “Marquinhos” na carreata e depois, como muitos,  acabaram se perdendo e  não acharam o ginásio da Cassol.

“(...)

  • Chegamos no galpão da Cassol e não vimos movimento algum e fomos embora. Tínhamos ainda um aniversário para ir na Agronômica e saímos de lá era uma e meia da madrugada. (Rita)
  • Legal, pelo menos vocês aproveitaram, a festa lá terminou quase à meia-noite.
  • Tu vê, a gente chegou lá e não viu movimento algum e achamos que já tinha acabado.
  • O quê? Eu achei que vocês foram embora preocupados que tivesse alguém lá vigiando, ou coisa assim.
  • Não, foi porque realmente nós não achamos o pessoal e o “Marquinhos” queria falar com o Júlio.
  • Pois é, ele me telefonou ontem dizendo isso, parece que queria umas passagens para um pessoal que quer votar nele.
  • Sim, é isso mesmo.
  • E como é que está o CEPOL?  (Serviço de Rádio da Polícia Civil)
  • Está tão bem.
  • Quando é que tu estais de plantão?
  • Eu pego hoje à noite e saio amanhã cedo.
  • Ah sim, e descansas quarenta e oito horas?
  • Mais, eu entro hoje, saio amanhã cedo, descanso quinta, sexta e só vou entrar no sábado à noite.
  • Sim, mas então tu não recebes horas extras?
  • Claro que recebo, por que tu achas que eu quis ir para ali?
  • Entendo, mas não caberia horas extras nessa situação Rita, só o adicional noturno.
  • Eu sei que não, mas vê se não vai me prejudicar, né? Não espalha.  (risos)
  • Não Rita, quem sou eu para fazer uma coisa dessas, houve uma época em que eu ainda queria mudar muita coisa, hoje vejo que não é meu dever refazer o mundo, mas procuro fazer as coisas certas na medida do possível, e acho que cada um deve fazer o mesmo, agora não dá é para tu estares sempre batendo de frente, já apanhei muito, chega!
  • Claro!
  • E, também, quantas coisas erradas existem na Secretaria de Segurança, imagina quantas pessoas estão nessa mesma situação ou em outras, heim?
  • Claro, claro, mais não vai falar para ninguém da nossa situação lá no Cepol.
  • Pode ficar tranquila. Ah, temos que marcar uma data para o nosso pessoal se encontrar para aquela nossa janta lá no “Marquinhos”.
  • Mas tem que ser depois das eleições.
  • Sim, agora não dá, mas deixa que oportunamente eu faço os contatos.
  • Certo.

(...)

Horário: 16:40 horas, “Ideli Salvati”:

Ao sair da Delegacia-Geral Walter me interceptou na portaria:

  • Genovez!
  • Sim?
  • Um amigo meu disse que conversou com a Ideli Salvati e quando perguntou a ela  sobre a sua eleição  respondeu que dificilmente iria se releger. Depois perguntou se o Heitor conseguiria e ela respondeu que nem ele e nem o Júlio Teixeira também conseguiriam.
  • Ela respondeu isso, será? Até pode ser se a pesquisa foi feita com base em informações aqui na grande Florianópolis, mas eles são candidatos estaduais.
  • Não, segundo ela é em todo o Estado, já pensou? Ela disse que o primeiro será o César Sousa, depois o Paulinho Bornhausen.
  • Olha Walter, eu torço para que tanto o Júlio como Sché consigam se eleger (lembrei que meu pai era eleitor de Sché, conforme já tínhamos acertado).
  • Quem é que vai acreditar nesse pessoal do PT, já pensou eles governando? Escuta, soubesses da última?
  • Não?
  • Trocaram a formatura do pessoal da Academia que estava prevista para hoje, ficou para a semana que vem, para depois das eleições.
  • É mesmo, por quê?
  • Não sabe? É que querem ver se o pessoal que colocaram vão votar nos candidatos deles, pode isso?
  • Ah, então tá, mais essa, tchau Walter!

Tomei meu rumo agora pensando na candidata Ideli Salvati e nas duas vezes que nos encontramos, frente à frente, lá no interior da Assembleia Legislativa, nossos olhares se cruzaram, ela Deputada Estadual e eu como convidado do Deputado Jair Silveira no plenário. Aquele olhar de Ideli foi marcante e demorado, fora do comum, com um misto de curiosidade e ao mesmo tempo interesse (aliás, olhos negros, grandes,  expressivos, atentos..., talvez esperando um cumprimento, um sinal de empática mútua, boas vindas e, talvez, uma aproximação na condição de eleitor, autoridade... Lembrei das minhas duas irmãs que trabalhavam na Secretaria de Educação e fiquei imaginando por que não eram suas eleitoras, da próxima vez pretendo perguntar a elas por que não votam em “Salvati”, a impressão era que se tratava de uma parlamentar de luta em defesa dos professores, dos servidores. Continuarei a prestar atenção nela, e espero não me decepcionar.

Horário: 18:00 horas, “os adjuntos":

Mais tarde, retornei ao prédio da Delegacia-Geral e passando próximo à sala das telefonistas não pude deixar de deter minha curiosidade sobre o que poderiam estar conversando quase em vésperas de eleições. Em determinado momento uma policial comentava que Wanderley Redondo esteve ali no prédio e teria comentado que ocuparia um cargo importante no futuro governo. Segundo uma delas “o doutor  Wanderley vai ser o primeiro homem do Amin na Segurança Pública, ele vai ser o Adjunto...” (logo pensei em Jorge Xavier, há se ele ti vesse ouvido aquilo...”). E do outro lado alguém retrucou: “...mas ele não iria ser o Diretor do Detran...?” A seguir veio a resposta da outra policial: “Só se ele quiser!”

Fiquei meditando sobre o que já tinha acabado de ouvir, inclusive, lembrei que conversado com Jorge Xavier na semana que havia passada quando comentamos que um dos cargos que ele poderia ocupar, levando em conta a sua participação no processo, sua condição de Delegado-Especial e experiência, seria o cargo de Adjunto na Procuradoria-Geral ou, ainda, num primeiro momento, na própria Secretaria de Segurança Pública. Estava se originando uma nova relação de forças em função da disputa pelo poder e voltei meus pensamentos para o Secretário Lorival Mattos, do porquê ser esse cargo tão importante, também no compromisso que firmei comigo mesmo de resgate da hierarquia na instituição dentro de um novo modelo, isto é, os cargos de Direção superior teriam que ser providos somente por ocupantes de cargos de Delegado Especial, com algumas exceções nas áreas técnicas e finalísitcas.