Data: 29.09.98, horário: 09:05 horas:

“As Cambadas”:

Era hora de deixar o “Salão Vermelho” (onde estava localizada a “Galeria dos ex-Chefes de Polícia”, legado da “Era Jorge Xavier”). Estranhei ausência do Escrivão Osnelito que não apareceu naquela manhã... Olhei para o relógio e lembrei que teria que telefonar e local adequado seria por meio daquele “telefone vermelho” existente  na sua sala, no primeiro andar. Desci pela escada rapidamente e aproveitei para me fazer ver, já que como de costume havia chegado muito cedo, antes das sete da manhã (Jorge Xavier tinha dito que era bom eu dar sempre umas voltas lá por baixo porque se eu chegava antes das sete e como não havia ninguém naquele horário era bom circular para ser visto e eu odiava aquele gesto. Na “descida” pensei: “às favas com isso, mas não desconsiderei, aliás, com “Trilha” no comando da instituição não era bom abrir a guarda, pode se esperar tudo...”). Antes que eu chegasse próximo do aparelho, observei “Lito” de paletó  apertando seu tronco estufado, logo que foi surpreendido com minha chegada, afastou-se do encosto da cadeira e debruçou-se por sobre a sua mesa, quase que vociferando deliberadamente as seguintes frases, sem que eu dissesse qualquer coisa:

- Cambada de filhas-da-puta, só matando!

Olhei para ele sério e nisso apareceu uma pessoa estranha na sua sala e ele completou:

  • Quando é que essa cambada vai criar vergonha?

Como ele já estava atendendo essa pessoa, achei inconveniente a minha presença e resolvi bater em retirada ainda recolhido em minha discrição. No retorno ainda pude mirar na sala maior uma “coisa”, parecia a silhueta esquivada de uma mulher por sobre alguns papeis, pensei propositalmente em parar para um cafezinho, mas preferi me render à timidez, a falta de tempo, sim era “Guinivere” em ação.

Lembrei ainda naquela manhã o artigo publicado naquele dia, na página policial do jornal “A Notícia” de Joinville que estampava a foto da Secretária de Segurança Delegada Lúcia Stefanovich, ostentando suas joias douradas, concedendo entrevista para falar sobre convênios destinado à construção de Delegacias de Polícia, além de explicações acerca das denúncias de prática de torturas e corrupção por policiais e publicadas pela imprensa nos últimos dias. Tentei imaginar a quem “Lito” – peemedebista de carteirinha e ocupando cargo em comissão na SSP, estaria se referindo com a utilização do termo “cambada”, talvez tivesse sido muito injusto, procedimento reprovável porque era generalizante.

Também, recordei que pela manhã, quando estava vindo para o trabalho, procurei me entreter um pouco ouvindo aquele “CD” que teimava em tocar no meu carro. Tratava-se da magnífica negra veterana que estava vivíssima nos meus pensamentos, justamente naqueles momentos de solidão. Outra faixa recorrente que tocava repetidamente dizia: “... o mundo começa a dar voltas, a todo o tempo aparece a sua face, toco seus olhos, seus lábios, espaço, espaço...”, achei melhor mudar de vez não só a música, mas o disco não só para romper com a rotina, também, para afastar pensamentos lúdicos que poderiam desviar do meu foco.

Horário: 10:50 horas, “encontro à vista”:

  • Alô, alô, alô!
  • Sou eu. (Jorge)
  • Ah, sim.
  • Escuta, falaste com o pessoal?
  • Queres me ligar no outro telefone, eu estou em casa.
  • Sim, depois eu falo contigo. Falaste com o pessoal sobre hoje à noite?
  • Falei com o Krieger e Garcez.
  • Sim, não falaste com o Wilmar e o Cláudio?
  • Não. Para o Wilmar eu posso ligar daqui à pouco.
  • Tudo bem. Então a gente se fala depois.
  • Certo.

Horário: 11:00 horas, “crendices e abnegados entusiastas”:  

  • Oi, sou eu. (Jorge)
  • Certo.

(...)

  • Olha Jorge eu vou te dizer uma coisa, é por isso que nós precisamos valorizar a nossa Corregedoria, não só para punir, mas sobretudo para orientar.
  • Meu Deus, eu tive vendo ali na festa, muitos policiais que estavam ali foram punidos por mim, aquele Clésio é um perigo.

(...)

Em frações de tempo, tive que me refazer da surpresa desse comentário de Jorge Xavier quanto ao julgamento expendido sobre o Investigador Clésio:

  • Sinceramente, eu no passado era mais corporativista, mais hoje já penso um pouco diferente, tempos tantas pessoas fora querendo uma oportunidade para trabalhar, pessoas com curso superior, e nós tendo que engolir policiais dessa estirpe, ocupando espaços que poderiam ser reservados para pessoas de valor, o que é isso aí, não podemos ser bonzinhos não, é preciso dureza, mas sem perder o senso de justiça, a instituição não pode continuar a sofrer com esse tipo de gente, se depender de mim tenho um passado muito limpo e serei implacável, especialmente com a corrupção.
  • Eu também penso assim Felipe, mas tu não viste o que o Wanderley me aprontou,  eu acho que ele disse para aquele pessoal que ele levou lá para que fossem depois da carreata tomar cerveja, eu não duvido que ele tenha dito isso, foi assim que ele fez para que o pessoal fosse para lá. Tu concordas?
  • Eu não duvido, mas Jorge tem um ditado que diz que uma pessoa pode enganar outra durante muito tempo, mas não pode enganar todos o tempo todo, demos uma oportunidade para ele somar e espero que ele não jogue fora essa oportunidade. Ele talvez não consiga ver tão longe, a visão dele parece ser mais imediata.
  • Sim, não tenha dúvida, na hora que ele veio gritando comigo eu nunca vou esquecer o que ele disse textualmente: “hoje nós somos iguais”, aquilo me marcou muito.
  • Mas como é que foi mesmo que ele te falou?
  • Ele entrou no bar, acho que ele tinha convidado todo o pessoal dele para tomar cerveja depois da carreata e o pessoal logo que chegou lá começou a cobrar a bebida. Eu coloquei os meus parentes para controlar a cerveja e ele entrou lá e gritou: “Hê, He, estão trancando a bebida, vamos colocar ligeiro”. E se dirigiu para mim dizendo: “Tu estais segurando a cerveja, entrei com trezentos paus, hoje nós somos iguais aqui”. Só faltou eu cair na porrada com ele, e tive que pedir desculpas para os meus parentes.
  • Mas que coisa, eu não sabia que tinha sido assim, será que ele não tinha bebido?
  • Tu não estavas lá na hora, não vistes nada, não podes dizer isso.
  • Se estivesse chegado naquela hora trataria de acalmar a situação, não era momento para se discutir, ainda mais com o Redondo, estamos todos juntos.
  • Vem cá, aquele Moreto é irmão, é parente de qual Delegado Moreto?
  • Ele disse que é parente do Evaldo Moreto, lembra?
  • Mas que coisa, aquela carne que sobrou foi toda doada para uma instituição de caridade, o “Cesinha” foi quem levou, tem recibo, junto foi levado santinhos do Júlio.
  • Tudo bem.
  • Tudo bem não, aquele Moreto que estava lá queria levar toda a carne que sobrou, tu acreditas nisso? Começou a insistir e eu disse que não, chegou a dizer para o Mário, o assador (do Restaurante Candeias) disse que quem pagou a carne tinha sido o Dr. Wanderley, eu não duvido que o Wanderley não tenha dito para eles que quem pagou toda a despesa da festa tenha sido ele.
  • O quê Jorge, será?
  • Esse Moreto no final levou quatro espetos.
  • Olha Jorge, sobre as sobras da nossa festa eu tinha dito para você que desse a destinação que achasse melhor, lembra?
  • Esse Moreto foi o responsável pela desorganização da carreata, saiu a duzentos por hora, brincadeira. (Jorge)
  • Faltou um roteiro, a gente sabe disso, mas serviu de lição.
  • E como serviu, mas o Júlio que se cuide com esse pessoal, eu cheguei a chamar a atenção de uma pessoa que estava lá aprontando, achando que era policial, fui ver era um vigia dessas empresas de vigilância privada, agora tu vê até isso tinha na festa.
  • Jorge eu fui ver e rever a filmagem que fiz, achei que ficou muito interessante ter documentado tudo.
  • Pois é, o “Cesinha” disse que tu pegaste fundo com o Júlio sobre o Plano, só que ele disse que o Amin não terá condições de implementá-lo nos primeiros dois anos.
  • Não! Não é isso, o que o Júlio disse foi que o Amin terá dificuldades para governar no início, nos seus primeiros dois anos de governo. Mas eu não tinha perguntado sobre o “Plano”, ele é que tomou essa iniciativa de falar, fez questão de deixar registrado e ficou muito bom, vinculou nosso nome... e deu ênfase aos amigos e a lealdade a eles, achei isso também muito bom.
  • Que bom.
  • Por isso que são bons esses documentários que eu faço, depois eu guardo, inclusive, o Júlio deu muita relevância a valores como a família, os país, irmãos, amigos, também falou da questão do caráter, dignidade e sobretudo lealdade,  achei que ficou muito bom mesmo, e ele deixou registrado que o seu sonho é ser senador, governador, isso dá ainda mais credibilidade ao documentário porque ele com um projeto desses ele não iria brincar, são coisas tão importantes.
  • Isso foi bom, amanhã pode até...
  • Não. Não fiz isso com outras finalidades, foi apenas como um documentário histórico, mas serve para registro da nossa história também e além disso tenho certeza pelo que vi que Júlio não irá faltar com a palavra, ele foi muito feliz nas suas colocações.

(...)”.