Dia 01.10.98, horário: 18:30 horas, “A Carta”:

Pelo celular “Marquinhos”:

  • Oi, é o Marcos.
  • Fala fresco.
  • Olha, eu estive falando com o Wanderley lá no gabinete do Júlio.
  • Sim, e daí?
  • É sobre aquelas passagens para aquele pessoal votar, ele pediu para que eu voltasse a ligar amanhã, não daria para conversar com eles?
  • Tudo bem Marquinhos, tu falaste com o Wanderley que já tinha conversado comigo?
  • Sim. Eu falei para ele que já havia falado com o Felipe.
  • Certo.
  • O pessoal quer ir para a região lá do vale votar no Júlio.
  • Eu falo com o Müller (policial civil do gabinete do deputado) amanhã sobre o assunto, vamos ver se a gente consegue alguma coisa, se não conseguir, paciência.
  • É, eu falei para o Wanderley que no dia da carreata eu e a Rita nos perdemos e depois não conseguimos achar o ginásio, ele disse que o motorista andou a cem quilômetros por hora.
  • Mas ele é que arranjou aquele motorista, aí não dá para entender, foi uma barbaridade.
  • É, ele disse que o motorista saiu que nem louco a cem por hora.
  • E Marquinhos, como é que esta aí? (estava me referindo à Gerência de Recursos Humanos, onde “Marquinhos” prestava serviços)
  • Está difícil, o Dr. Lorival está esquisito comigo, não me cumprimenta mais, antes ele sempre falava comigo.
  • Mas há perseguições?
  • Sim.
  • Como assim?
  • Ah, é direto, ele estão de olho o tempo todo.
  • Mas e o pessoal aí, qual é a posição?
  • Vão tudo votar contra.
  • Mas tem gente aí que vota no PMDB?
  • Sim. É um ou outro.
  • Outra coisa Marquinhos, o pessoal aí é mais Heitor ou Júlio?
  • Mais Heitor. Um ou outro que vota no Júlio.
  • Ah, sim! Escuta e aquela carta que anda correndo por aí, sabes alguma coisa?
  • Pois é, haviam dito que ela foi remetida de Lages, mentira! Eu olhei no verso e vi pelo carimbo do correio que era daqui, aí pensei como é que poderia ter vindo de lá se o carimbo é daqui? E fui ver, ela saiu do protocolo aqui da Secretaria mesmo.
  • Dizem que quem escreveu foi o T. e o M. que trabalha com ele, sabes alguma coisa disso?
  • Não. Isso eu não sabia, para mim é novidade.
  • Pois é, disseram, mas a gente nunca sabe a verdade.
  • Olha, o pessoal aqui está usando a máquina direto.

 

  • É mesmo, como é isso?
  • Eles estão viajando direto, não param aqui, é reunião em todas as regiões.
  • Sempre foi assim, com raríssimas exceções, tu sabes que isso é verdade, né “Marquinhos”.
  • É mesmo.
  • Marquinhos pegasse os santinhos que eu deixei debaixo da tua porta?
  • Quando é que esteve lá?
  • Foi ontem a noite, por volta de oito e trinta da noite.
  • Deixo eu vê, é eu cheguei mais tarde, tinha uns de outro candidato, é Federal.
  • Ah, sim, é do Dércio Knop, meu conhecido, parente da “Dinha”.
  • Pois é, o pior é que eu já tenho candidato a Federal.
  • Tu que sabes “Marquinhos”, se quiseres dar uma força, outra coisa, temos que fazer uma festa da nossa turma lá na tua casa.
  • Pode ser.

(...)”.

DATA: 02.10.98, horário: 09:00 horas, “Ainda, a Carta”:  

Como fazia já todo início de mês fui ao lado onde funcionava a Assistência Jurídica da Delegacia-Geral da Polícia Civil para apanhar os Diários de Justiça do mês de setembro para fins de verificação de informações e atualização de meu Estatuto da Polícia Civil Anotado – edição 1999. Naquele local encontrei a Inspetora Myriam Isabel Lisbôa Müller de saída da Setor de Recursos Humanos que ficava logo á frente do “Salão Vermelho”. A ruiva Myriam, minha velha amiga e conhecida, estava impecavelmente trajada, com um elegante vestido de camurça marrom e o restante das roupas combinando, inclusive, com a cor de seus cabelos fio de ouro e sua pela bem clara, cheia de sardas, o que proporcionava um certo charme. E nesse momento, ao olhar seus olhos recordei que em épocas passadas ela veio trabalhar comigo na mesma área jurídica. Só que agora ela estava bastante mudada, antes muito recatada, tímida e recalcitrante nas suas incursões, agora esbanjava uma certa irreverência no andar, na fala, nos gestos, na nossa interlocução. Realmente não era mais a mesma Myriam de tempos atrás, achei que o seu casamento recente concorreu para essas mudanças. E lembrei que nos últimos meses nossas poucas e rápidas conversações giraram sempre em torno de sua frustração com a Polícia Civil, sobre a sua vontade direcionada a largar tudo, fugir, não ouvir falar mais em qualquer coisa que se relacionasse à instituição, muito triste ver aquela Myrian tão sonhadora, tão parceira, confidente, amiga, solidária, querida... E nas vezes que conversava com ela vinha à tona essas e outras questões institucionais, existenciais... Na verdade a realidade policial contrastava e muito com o seu universo, uma pessoa de berço (seu pai – Roberto Muller - fazia aniversário no dia vinte e dois de outubro...), família tradicional da Beira Mar Norte, com padrão de vida muito acima da média... E eu chegava a me perguntar será que ela iria durar muito tempo na instituição? Achei que o choque causado com a minha saída da Chefia do Setor Jurídico em 1995 havia sido drástico, um vetor da sensação de abandono e impôs uma realidade dura para ela que teve que ser sobrevivente... Enquanto eu estava no Setor certamente conseguia minimizar os efeitos dessas amplitudes que compunham dois universos tão díspares e a sua expectativa em participar da construção de uma nova Polícia, mudar o sistema e a arquitetura do nosso do poder, valorizar as pessoas, criar condições de cultura e ciência, enfim, a percepção da realidade e que muitas coisas não poderiam ser modificadas de um dia para outro, também, haviam as vicissitudes causadas pela rupturas políticas e seus efeitos nefastos no nosso meio que estabeleciam uma nova relação de forças a cada alternância de poder. E a ordem era “sobreviver”:

  • Myriam, eu precisava pegar os Diários de Justiça do mês de setembro...
  • Sim. Não tem problema. (com sua fineza e sorriso meigo, porém, não bobo).

E fomos até o seu setor:

  • Como é que estão indo as coisas? (Felipe)
  • Do mesmo jeito de sempre.
  • É? Estamos em clima de eleição, está perto.
  • É mesmo.
  • Escuta, tu viste a carta que anda por aí?
  • Sim, aquela vergonheira, e parece que o meu primo está envolvido. (agora um outro sorriso diferente...)
  • Qual?
  • O Perito... ele e o Dr. T.
  • Pois eu ouvi falar e lembrei que o M. é o teu primo.
  • Ele trabalha com o T., o pessoal ali do recurso humano tem a carta, a Mariana está com ela.
  • Ah que bom, ontem eu falei com a Cristina para trazer, então depois eu vou pegar com ela para tirar uma cópia para mim.
  • Uma baixaria mesmo, colocaram um monte de artigos falando mal do Heitor Sché...

(...)

 Haveria um possível milagre?

Em seguida fiz um histórico sobre o meu relatório que havia recentemente encaminhado à Secretária Lúcia Stefanovich dando conta dos meu trabalhos desenvolvidos pela comissão de assuntos históricos que presidia e da qual Myrian também era integrante.  Myrian afirmou que um conhecido seu, de nome Sérgio, associado a um grupo de gaúchos,  estava lançando uma página na Internet com a relação de todas as leis do Estado de Santa Catarina. E fez uma crítica que a “Assistência Jurídica” estava abandonada, diferente da minha época, sem livros para pesquisa, computadores... Argumentei que já havia melhorado muito e que num passado mais distante era bem pior:

  • Mas que bom Myriam que a gente tem tudo por fazer, já imaginou se já estivesse tudo pronto?
  • Mas não é bem assim.
  • Olha Myriam, eu concordo que temos que melhorar, mas quando a gente vai fazer uma avaliação da nossa realidade a gente esquece o passado e se fixa em outras instituições que estão bem melhores.
  • Eu outro dia estive visitando o setor de informações da Polícia Federal, eles estão muito bem e ainda acham que têm que melhorar muito, imagina nós aqui? A nossa “Assistência Jurídica” deveria ser um local também de arquivo de informações, o pessoal da Polícia  Federal volta e meia vão fazer cursos fora, como foram recentemente para Brasília e aqui não existe nenhum estímulo.
  • Pois é Myriam, mais isso serve de estímulo para que a gente procure superar esse estado de coisas, não achas?
  • Não sei, a gente ainda fica esperando que um pessoal novo assuma isso, mas parece tão difícil.
  • E a política Myriam?
  • Eu ainda não sei, mas tenho pensado no Heitor Sché, o Dr. Braga pediu para eu votar nele.
  • Ah, se o Dr. Braga pediu isso para ti não custa eu também pedir para votares no meu candidato.
  • Quem é?

(...)

O novo e o velho: há males que vem para o bem:

E, entreguei quatro santinhos para ela:

  • Eu imaginava que era o Júlio Teixeira. (Myriam)
  • Pois é, é aquilo que nós estávamos conversando anteriormente, o novo e o velho.
  • Tomara que se elejam os dois... (Myriam)
  • O Heitor trás com ele aquele pessoal de antigamente, já o Júlio abre uma pontinha de esperança, mas a gente nunca conhece o futuro, a gente confia, tem esperanças.
  • É! (Myriam)
  • Mas também torço para que se elejam os dois, inclusive, o meu pai vai votar no Heitor.
  • Se os dois se elegerem melhor. (Myriam)
  • Só espero que esse pessoal do PMDB  não se eleja, não dá mesmo.
  • Não vê o que o Blasi aprontou, só de lembrar que o meu pai levou um chá de cadeira... (Myriam)
  • Eu me lembro que na época tu estavas completamente apaixonada pelo discurso dele, lembras disso?
  • Só lá em casa foram quatro votos, mas que decepção, nunca mais. (Myriam)
  • Mas tu estais falando porque daquela vez que eu tentei te levar para a Penitenciária comigo e ele não resolveu o problema, só houve enganação?
  • Foi isso mesmo.
  • Mas Myriam, há males que vem para o bem.
  • É verdade.
  • E tu sabes por quê... (ficou na “Assistência Jurídica”, conheceu seu futuro esposo - Oficial da Aeronáutica, casou, teve filhos...)

O Esporro de Trilha:

E nisso chegou o Delegado Braga na “Assistência Jurídica” para interrompeu minha conversa com a Inspetora Myrian, daquele seu jeito de sempre, aceso, explosivo, cheio de vitalidade, incendiário, com sua voz em estalos agudos, quase grunhindo alto, mas em compassos e sem uma eloquência exagerada:

  • Eu estava lá embaixo conversando com o Walter e ele estava dizendo que o Amin vai ganhar com uma diferença de mais de um milhão de votos. Nisso passou o Trilha  que logo chamou logo o Walter e lhe deu um esporro por causa disso que tu vocês nem queiram saber, eu não admito uma coisa dessas. (Braga)
  • Mas o “esporro” foi...? (Felipe)
  • Só porque o Walter teria dito que o Amin vai ganhar com uma diferença...,  onde é que está a liberdade de pensamento, não podem proibir que cada um externe a sua opinião livremente. (Braga)
  • Bom Myriam, eu já estava de saída, doutor Braga depois a gente conversa mais.

Fui direto para o Setor de Recursos Humanos:

  • Mariana você tem aí aquele documento... (Felipe)
  • Sim, está ali.
  • Vou levar e tirar uma cópia dele e já devolvo em seguida, tudo bem?
  • Tudo bem!

E no novo setor de cópias, ao chegar já constatei a presença de “Guinevere” sentada como sempre de cabeça baixa e compenetrada em seus afazeres, dei uma olhada pausada para ela e vi que ela está atenta ao que acontece ao seu redor e posicionou seus olhos na minha direção. Aproveitei para cumprimentá-la e fui correspondido de maneira bem discreta e cortês. A seguir adentrei a sala de “Xerox” e Vitória (outra psicóloga), magra e de baixa estatura, mais para mulata, com seu aparelho bucal com hastes salientes para fora conversava com o Escrivão Carlos sobre seus estudos de Antropologia. Pedi licença e passei pelo meio dos dois e fui direto falar com Osnelito  que também integrava o trio e pedi para tirar cópia da carta documento. Enquanto isso, tomava um cafezinho ouvindo a conversa de Vitória que disse:

  • Mas uma amiga veio me perguntar: “’Vitoria como é que você que tem celular vota no PT?’, Mas meu Deus eu fiquei pensando que ignorância, que falta de senso para as inovações tecnológicas”.

E perguntei a ela já com os documentos copiados:

  • Vitória você vai subir? (Felipe)
  • Subir onde?
  • Bom, nós estamos sempre subindo...

E notei que Carlos e Lito me olharam intrigados depois do nosso curto diálogo, esperando a complementação. Vitória completou:

  • É mesmo, estamos sempre subindo na vida, não importa se nas paredes, no chão.
  • Mas sabe o que é Vitória, você entrega esse documento lá para a Mariana?
  • Ah, sim!
  • Bom pessoal, o papo aqui está muito estimulante, mas eu tenho que ir. (Felipe)
  • Bota estimulante nisso. (Vitória)

E ao deixar o local pude observar ainda Walter na central telefônica fazendo às vezes de telefonista, ele me olhou se insinuando no sentido que estava se segurando para  me dizer algo, mas não dei oportunidade e segui a passos rápidos em direção ao “Arquivo Público” porque já estava atrasado e era o meu compromisso diária naquele horário. No trajeto a certeza de que éramos todos “sobreviventes nas subidas e nas descidas... enquanto houver vida”.