Data: 28.09.98, horário: 08:45h, “os camaleões”:

Osnelito reapareceu no “Salão Vermelho” da Delegacia-Geral da Polícia Civil para a sua matinal visita e depois do “serviço de dejetos fisiológicos” veio para aquele bate-papo já tradicional:

  • Fala Litoviski! (outro apelido com que de vez em quando eu o chamava)
  • Tá tudo bem aí?

Nesse dia pude notar que o descendente de açorianos (típico manezinho da ilha de Santa Catarina, implacável contra os invasores gaúchos) estava mais calmo, com sua voz grave e pausada, parecia de ressaca, após um final de semana mais tranquilo (e recordei os seus relatos sobre a sua infância no Bairro da Costeira do Pirajubaé, em cima de uma carroça ajudando seu pai no engenho de farinha ou passeando pelos lados dos Bairros do Pantanal e Trindade, ainda em estrada de chão, a sua luta para ingressar na Polícia, os sacrifícios para concluir seus estudos e se formar em Direito na cidade de Itajaí, suas frustrações por até aquele momento e, especialmente, por  ainda não ter conseguido realizar um dos seus sonhos). Com aquela sua voz média e macia foi perguntando:

  • Como é que foi a festa, foi no sábado ou domingo?
  • Foi no sábado, estava boa, só que esperávamos mais gente, acabou comparecendo entre cento e cinquenta a duzentas pessoas.
  • Então estava bom, é um número razoável.
  • É, mas esperávamos muito mais, infelizmente a carreata se perdeu, acabaram encontrando outra no caminho e foi uma confusão.
  • A outra carreata era de quem?
  • Acho que do Gervásio Silva.
  • Ah sim, o Wilder ou Wlade, não sei quem mais me telefonou querendo saber da minha posição, eu disse a ele que  sou PMDB e que não poderia ir na festa do Júlio.
  • Sim, oficialmente o teu partido é o PMDB, tens plástico no teu carro, o Wilder também está ajudando o Mantelli,  mas, também ajuda o Júlio.
  • Sim.
  • E o Lima como está (Delegado Lima), vi você conversando com ele na sexta de manhã?
  • O Lima está bem, está contando com o segundo turno, ele acha que o PMDB vai para o segundo turno.
  • É mesmo.
  • Ele diz que no interior está muito bom,  só aqui na Capital que não por causa do servidor, mas eu não entendo, esse Coimbra (Delegado) aqui embaixo é um camaleão, faz de conta que é do PMDB, fica andando pra cima e pra baixo atrás da Secretária, comadre dele, e todo mundo sabe que ele não vota no Paulo Afonso, o Schmidt (Delegado) é outro, só que este já pediu duas ou três vezes exoneração e a Lúcia não deixa, tem uma turma aí que é assim, o Trilha e a Lúcia estão viajando direto pelo interior do Estado acompanhando o Paulo Afonso, fazendo política e dando segurança, não vi mais o Trilha. 
  • Não é fácil, e como é que está o nosso pessoal aqui no prédio?
  • Aqui é tudo Heitor Sché, um ou outro que diz que vai votar no Júlio.
  • Então o Júlio não tem muito compromisso com o pessoal aqui?
  • Não, o pessoal acha que o Sché vai ser o Secretário de Segurança. Eu já disse a eles que para isso acontecer ele vai ter que se eleger e se isso não ocorrer vai ser difícil, a começar que todo mundo sabe que a Ângela Amin não gosta dele,  depois fizeram uma pesquisa lá em Rio do Sul e ele está mal por lá, enquanto o Júlio parece que está muito bem, aqui na Capital o Heitor está melhor.
  • Segundo as pesquisas lá na região de Rio do Sul o Júlio está em primeiro.
  • E o Heitor?
  • Disseram que está em quinto.
  • Então está mal mesmo, aqui é que eu acho que ele está melhor.
  • Segundo saiu no jornal ele estaria em quarto dentre os do PFL.
  • Vai ser muito difícil chegar lá, o Amin está bem e o Jorge (Bornhausem para o Senado) está com trinta por cento,  já os outros somados chegam só a vinte e quatro por cento.
  • Olha Lito, para o Amin o melhor candidato é o Jorge, agora para nós servidores públicos ele e o Collato são os piores porque a política de Fernando Henrique é suprimir direitos de servidores, especialmente com as reformas previdenciária e administrativa, também o Grando já deu provas que não tem muita simpatia pelos servidores públicos, só discurso, você não viu a situação em que deixaram os salários na Prefeitura de Florianópolis, atrasados, sem reajustes e a Ângela é quem teve que colocar em dia, talvez o melhor candidato para nós servidores seja o Bareta do PV, não tem um outro possível, tem? Mas tem uma coisa, indiscutivelmente, para o Estado e para o Governo Amin o melhor candidato é o Jorge porque vai trabalhar sintonizado com o Amin e fazendo a ponte entre os governos federal e estadual.
  • Como é que pode isso?
  • É simples,  quem votar em Amin deverá votar em Jorge.
  • Eu sei, é voto casado.
  • Sim, e também porque tu achas que se Amin for Governador o Collato ou Grando vão ajudá-lo aqui no Estado? Duvido!
  • Sim, infelizmente não dá para se ter caráter, personalidade, a gente que precisa tem que fazer jogo,  se eles lá em cima fazem esquema você não vê o Jorge Bornhausen até pouco tempo apoiava o Paulo Afonso, agora está com o Amin,  quem sabe amanhã não estará novamente com o PMDB, heim?
  • É bem assim Lito, embaixo reflete o que acontece em cima.
  • Quem tem uma situação mais estável fica tranquilo, mas eu e outros que estão na nossa situação, diferentemente de ti que tens uma situação estável e pode se posicionar, temos que mentir, ser também camaleões, sob pena de sermos perseguidos.

(...)”.

Via celular:

  • Felipe, sou eu o Jorge, tudo bem?
  • Tudo bem.
  • Eu estou indo para Governador Celso Ramos me encontrar com um Vereador, escuta, temos que fazer um balanço da festa ontem.
  • Certo, acho que pode ser amanhã na reunião, vai ter?
  • Sim. Mas o Geraldo está irritadíssimo com o Wanderley, ele chegou a pedir a nota fiscal para mostrar prá ele, já que ele duvidou da nossa palavra achando que o preço não era aquele.
  • Quer dizer que o Geraldo pediu a nota fiscal da carne então para mostrar para ele?
  • É, mas tu precisas ver como o Geraldo ficou, mas eu gostaria que tu falaste com o Krieger para que ele acertasse com aquele senhor lá do ginásio e na reunião de amanhã nós acertamos com ele a diferença, inclusive, tu falas com os demais, eu vou voltar bem tarde.
  • Deixa que então eu falo com o Krieger e com o restante do pessoal.
  • Então tá. Até amanhã.
  • Falou. Até!

Via telefone vermelho (sala do Osnelito):

  • Alô Krieger, é o Felipe.
  • Tudo bem amigo?
  • Tudo certo. E daí que horas terminou a festa lá?
  • Terminou às onze horas.
  • O quê? Não pode, eu saí de lá por volta das onze horas?

(...)

  • A festa poderia ter sido melhor, o pessoal se perdeu na carreata, muitos não vieram. (Felipe)
  • Pois é,  e aquele cara... (Krieger)
  • Paciência. O sistema de som foi monopolizado, ficou ruim, muito ruim, mas serviu de lição para nós, a própria carreata não teve um roteiro.
  • Sim é verdade, mas valeu como experiência, não entramos mais numa dessas.
  • Mas eu achei que estava bom. (Krieger)
  • Estava sim, e acho que o Júlio se saiu muito bem, senti firmeza em suas palavras, inclusive, depois eu estive revendo o documentário que fiz com ele e vi que ficou muito bom,, não deixa dúvidas, ele tocou em pontos fundamentais, tenho certeza que nós não ficaremos em má situação, tu não viste eu entrevistando ele?
  • Eu vi, estava uma hora ali perto do bar e vi que tu estavas com ele, isso depois vai ser passado?
  • Não. Isso é particular, faz parte do meu acervo, eu tenho um grande número já de documentários.
  • Ah! É bom. Eu fiz o primário, secundário e superior com o Paulinho Bornhausen e fui na festa dele ontem. Ele estava me falando que fez um documentário também a respeito dos trabalhos que já realizou, é muito bom, depois com o Júlio pode se fazer o mesmo.
  • É isso aí, escuta Krieger, o Jorge pediu para eu falar contigo a respeito dos gastos lá da festa.
  • Sim. Eu já acertei com o zelador, passei um cheque para ele no valor da despesa. Foram duzentos e cinquenta e seis cervejas, houve sobras de refrigerantes, e mais vinte oito reais da limpeza, deve dar mais vinte e seis reais para cada um.
  • Está certo, não deve dar mais do que trinta reais para cada um, está dentro do esperado.
  • E o Wanderley deu quanto?
  • Trezentos reais, tu estavas lá no restaurante quando ele entregou o dinheiro.
  • É mesmo!
  • Eu conversei com o Júlio lá e ele perguntou se precisava de ajuda para custear as despesas e eu disse a ele que não, aquilo foi por conta dos amigos, né! Krieger, segundo me disseram ele está com um saldo de vinte e sete mil reais negativos na conta bancária e o sogro dele - Seu Joanzinho - com nove mil, como é que vamos aceitar ajuda dele? Dá licença!
  • É, mas a gente pode ajudá-lo. Depois cada um pode dar quinhentos.
  • Não entendi?
  • Cada um de nós nos meses de novembro e dezembro pode ajudar com  quatrocentos, quinhentos reais, é para ajudá-lo.
  • Sim, pode-se pensar até em fazer uma rifa, mas até lá vamos ver isso melhor.

(...)

  • Tudo bem, mas amanhã na reunião a gente acerta contigo as despesas, certo? (Felipe)
  • Não tem problema. Então até lá.
  • Até!

Horário: 17:10 horas e o “um olhar discreto”:

Deixo a sala do “Lito” e observei “Guinevere” ao fundo da sala de pé me reparando, pude perceber o seu olhar mais atento e um  sorriso mais alegre, porém, contido, só que muito além do normal, sem que abrisse sua guarda, deixando transparecer a sua garra, sensibilidade, foco e dedicação ao que fazia (pensei: “que mulher!”) e o prazer que tem em ser assim, comprometida...). Agi discretamente e pude notar o ambiente de trabalho mais descontraído, certamente que aquilo tinha a sua mão, o seu espírito e resultado das suas transformações.