Data: 26.09.98, horário: 21:30h, “o grande discurseiro-geral”:

No Ginásio da Cassol a festa para o candidato Julio Teixeira continuava e Krieger finalmente deu o ar da sua graça (chegou um pouco mais tarde acompanhado do seu pai). Enquanto isso, Garcez e eu nos posicionamos um pouco mais atrás das pessoas que se avolumaram em frente ao candidato.

No sistema de som estava o Investigador Clesio Moreira, aquele mesmo policial que no passado (na época da “Fecapoc”) havia me procurado, com muita humildade, parecendo uma pessoa recatada, para que lhe prestasse suporte na sua ação de indenização por dano moral (coloquei os serviços de Edson Cabral para ajuizar demanda). Agora estava ele ali controlando o sistema de som, e aparentava estar “alto” (nos gestos, nas palavras...), bem acima do “normal”, sob ordens de Wanderley Redondo. Na verdade a coordenação dos trabalhos sonoros havia sido contratada  por Wanderley Redondo (pude verificar o porquê de Clésio o tempo todo não largar o microfone, mais parecia uma “soldado-guardião”). Senti falta do Delegado Quilante e me perguntei qual seria o seu “trunfo” de Redondo, pois a impressão era que poderia haver muitos, talvez muito além de várias “caixinhas de surpresas”.

Desde as primeiras oportunidades que vi Clésio no gabinete de Júlio Teixeira, nos últimos meses, percebi que algo havia mudado (dificilmente me cumprimentava,  evitava me olhar nos olhos, não sei se o convívio com outros policiais mais velhos e experientes, frustrados, viciados, ou se foi o resultado do trabalho de campo, do convívio com “foras da lei” e encarcerados, bem diferentemente de outros tempos que era ainda um iniciante (quando ainda convivia com policial Sônia Maria Vieira), mas isso pouco me incomodava, tão somente a sua metamorfose, a começar por sua barriga no mínimo o dobro do tamanho de quando o conheci, o que não era bom para qualquer policial. Na festa foi a mesma coisa, pude observar desde a chegada que para ele eu não passava mais de um desconhecido (ou teria medo de se queimar com Wanderley Redondo? Sim, depois que soube que passou a “queimar” Garcez por estar conosco e, ainda, lembrei de Carlos Heitor Cony que desde a sua infância havia se quedado mais à tristeza, à melancolia e eu, de certa forma, às vezes também ao ver a “perdição” um pobre policial naquelas condições, mas isso não poderia influir tanto assim a minha psique, afetar a minha paz de espírito). E Clésio com o seu inseparável microfone nas mãos, tendo Wanderley Redondo a seu lado portando bandeiras por sobre os ombros, fez o chamamento primeiramente do nome de Jorge Xavier para discursar (contrariando os nossos prognósticos). Aliás, fez o que já era esperado, certamente que cumprindo mandamento superior. Jorge Xavier proferiu um breve discurso como se estivesse na festa de aniversário de um amigo, sem muito brilho, com aquela sua voz calma e pausada, mas que, fundamentalmente, serviu para registro da nossa presença e para registrar alguma coisa sobre a existência do nosso “Plano”’. Em seguida falou o Escrivão João Batista (Presidente da Fecapoc) que hipotecou publicamente – em nome dos policiais civis – o seu apoio a Júlio Teixeira.

Um choque de cumplicidade, lealdade e caráter:

Por último, Júlio após experimentar um choque elétrico no microfone, antes de iniciar seu discurso,  brincou dizendo:

  • Eu acho que foi armado o esquema!

E, prosseguiu:

“... Eu sou candidato de vocês com muito orgulho...”;

“... e nós pedimos licença...”;

“... ninguém pode ser líder de si próprio, político de si próprio, eu pedi licença para ser candidato de vocês, eu pedi licença, vocês me estenderam o tapete, vocês me abriram o coração, vocês me deram a amizade, vocês podem ter certeza a solidariedade de vocês  me provoca, me faz com que cada vez mais eu tenha comigo o compromisso da palavra. É uma palavra muito singela, é uma palavra carinhosa, é uma palavra de caráter, porque eu não vejo as coisas que vocês fazem sem caráter, porque eu disse  para vocês naquela noite que eu continuo enfrentando o ódio, continuo enfrentando muita infâmia, eu continuo enfrentando muita calúnia e os meus policiais estão enfrentando agressão, muita agressão, vocês podem ter certeza disso, mas não é assim que se constrói. Se constrói na relação fácil, simples, na relação de amizade pura, na relação de acreditar-se em vocês. Nós somos cúmplices de uma causa. Eu não sou sozinho para fazer as coisas, não. Nós assumimos aqui com a juventude, com a segurança, com o sistema penitenciário, com a minha família, com Florianópolis, com São José, Palhoça, Biguaçu, Antonio Carlos, Santo Amaro. Nós assumimos uma cumplicidade e com toda certeza eu gosto muito disso. Eu gosto de solidariedade porque ela me provoca um sentimento real de lealdade. Lealdade nós temos com nossos filhos, com nossos pais, com nossos irmãos, com nossos amigos, com as pessoas que a gente quer bem. Eu quero muito bem vocês porque vocês me quiseram. Vocês quiseram Júlio como candidato. É muito simples, aparentemente, mas não é. É uma coisa que para mim é importante e grandiosa...”;

“... Pessoal sem promessas...”;

“... Vocês terão uma segurança respirando outros ares, segurança no coletivo...”;

“... A vitória está em nós e com muita lealdade...”..

(...)

(“O discurso era eloquente desde o início e continha muitas invocações, falou das perseguições, humilhações, do raio que o parta, dos cafundós dos Judas, do lugar onde o diabo perdeu as botas, e um grupo de jovens a sua frente gritava: “Julio Teixeira”, Julio Teixeira”... e, eu, assistindo a tudo pensei: “Nadinha do nosso ‘Plano’, nenhum compromisso com nada vezes nada”, seria surpresa?”, pensei).

Júlio Teixeira concluiu fazendo uma homenagem à policial Márcia Hendges, sendo ovacionado pelos presentes, especialmente os policiais exaltados que acompanhavam Wanderley Redondo (enquanto isso, parecia haver algo de estranho com aquela rapaziada, parecia que tudo estava muito bem ensaiado, o comportamento deles era profissional, programático, chegando a lembrar daqueles pastores de igrejas. Também, passava a compreender melhor o papel de Tereza e de que lado estava,  fazer uma releitura da sua terceira visão e captei no ar uma força que não era superior, ou que viesse das trevas, mas me acalmei porque o tempo talvez viesse a nos revelar...). Não sei por que me veio a imagem do ex-Delegado Carlos Sontag, como gostaria que ele estivesse ali, mas estava, nos meus pensamentos, aquela nossa conversa em Ibirama há alguns tempos atrás...

E mais a seguir chegaram  Wildemir (com a esposa) e Wlademir, ambos acompanhado de seus pais e grandes amigos (Arno Vieira e Ladir).Também acabaram chegando o Investigador Maguila (depois preso e demitido). O puro e inocente Wildemir foi quem trouxe Maguila para conversar com o Júlio Teixeira (pensei: “que mico, conheço esse cara, uma encrenca”) e o Kovalski, ambos da Penitenciária e meus conhecidos da época que fui diretor daquele estabelecimento (durante a rebelião de maio de 1997 ficaram do meu lado, enquanto os outros).

Tony (“Ventania”) me chamou para conhecer o Comissário Trajano, da Primeira Delegacia da Capital, já tinha notado a sua presença na festa, mas não sabia que era policial civil, dando a impressão ser uma pessoa calma, pacata e sensível, entretanto, com opinião e interessado:

  • O Senhor vai ser o Delegado-Geral, parece que tem poucos nomes? (Wildemir)
  • Não sei, não tenho essa ânsia pelo poder, temos um projeto, trabalhei muito nele,  o Júlio juntamente com o Deputado Knaesel e Jorge também subscreveram o projeto. Tem uns sessenta delegados em condições de serem o Delegado-Geral. Atualmente existem cerca de quinze Delegados Especiais em condições de serem nomeados.
  • Então, se for considerar aqueles que são filiados a partido, os que estão comprometidos, o senhor é um candidato forte. (Wildemir)
  • Sim, há possibilidades,  mas eu gostaria de trabalhar dentro de uma proposta, e não simplesmente ser mais um.
  • Mas esse projeto que o Amin pediu que fosse feito, tem conhecimento dele? (Wildemir)
  • O Amin não pediu nenhum projeto, o que existe é esse nosso projeto.

(...)

E relatei rapidamente a Wildemir e os seus acompanhantes como foi feito o nosso projeto, entretanto, Trajano estava curioso e perguntou:

  • Mas o que ele traz de bom para a Polícia Civil?
  • Trajano, eu tomei umas cervejas... eu gostaria que você fizesse uma pergunta mais específica e eu te respondo.
  • Mas, que melhorias ele traz?
  • Bom, eu poderia dizer que esse projeto foi feito olhando o que a sociedade aspira em termos de ideal, que tipo de Polícia ela deseja, procurou-se fazer algo não olhando só de dentro para fora,  então o que sabemos é que a Polícia deseja uma Polícia única e isso é também o que pensa a sociedade, mas isso não significa unificação absoluta, estamos propondo uma fórmula de unificação parcial que respeite a história dessas instituições.
  • Até o ano dois mil é irreversível a unificação. (Trajano)
  • É muito difícil, não é bem assim, o que desejamos com esse projeto é dar condições para que Amin e Júlio comecem a implementar mudanças históricas não só para Santa Catarina, mas para o Brasil todo. Esse nosso projeto na verdade é uma continuação daqueles nossos projetos que resultaram nas leis complementares cinquenta e cinco e noventa e três.
  • É a do escalonamento vertical? (Trajano)
  • Isso, também se pretende melhorar o escalonamento vertical, já foi uma conquista se exigir o segundo grau dos Investigadores, o nível superior para Comissários, Escrivães.
  • Mas são muitas carreiras na Polícia Civil, eu acho que tinha que diminuir o número (Trajano).
  • É verdade,  o nosso projeto prevê isso, um enxugamento, mas  temos muitos desafios a vencer, temos problemas com outras instituições, inclusive, até internamente, como com os Peritos, você sabe que o grande problema são os médicos-legistas, eles tem mais força que os próprios Delegados, são ricos, muitos descendem de famílias tradicionais, participam intensamente de entidades e da sociedade, são professores da Universidade, ex-presidentes da Associação Catarinense de Medicina, são médicos de famílias importantes da sociedade e tudo isso se torna até uma ameaça no sentido de dividir ainda mais a nossa Polícia, é preciso que o conhecimento científico esteja ao alcance de todos os policiais, não podemos admitir apenas que um grupo detenha esse “status”, que surja uma elite, enquanto o restante da Polícia Civil só sirva para subir o morro para prender “saca-trapo”.
  • Como é que você disso? (Trajano)
  • Prender “saca-trapo”? Sim, sei, são os pobres coitados da sociedade, então na nossa visão, não que não seja importante se fazer prisões por aí, mas a Polícia Civil tem que ser toda ela científica, cada policial civil tem que ser potencializado com técnica e ciência e para isso devemos evitar qualquer cisão.
  • Como no Rio Grande no Sul? (Trajano)
  • Exatamente, como em outros estados.

(...)

E por falar nos “Peritos Criminalísticos”, testemunhei a chegada de Celito Cordioli, aquele italiano atento a tudo e que também estava apoiando Júlio Teixeira (anteriormente estava com o Coronel Sidney Pacheco), no fundo uma certa frustração por estarmos em posição contrária na questão que diz respeito ao futuro da Polícia Científica, aquelas velhas paixões corporativistas não tinham como ser superadas dentro dessa nossa pretensão, não havia coma manter uma organização e estrutura policial fragmentada para satisfazer interesses setorizados, em detrimento do coletivo e isso me preocupava porque envolvia emoções, velhas amizades, ideologias, corporativismos e, finalmente, salários. Porém, estava ali um amigo sincero e competente, um guerreiro, só que na presidência da Associação de Peritos Criminalísticos defendendo ideais de independência ao invés de lutar por maiores espaços e recursos dentro da nova “Procuradoria-Geral”, acima de tudo, de defender a ideia de se juntar a nós para buscar a concretização de nossos objetivos. E me veio a pergunta: “Como é que Julio Teixeira iria harmonizar todas essas forças internas caso viesse a se eleger, caso viesse a ser confirmado como Titular da Segurança Pública, caso viesse a ter que realizar algum projeto na área policial. E, além disso, havia o fator Ministério Público correndo por fora no jogo do poder (de forma invisível), cuja opção seria a melhor para um governo fisiologista, que não queira se incomodar, enfrentar desafios, que opte por administrar em águas calmas... e para isso o pulo do gato seria invocar Promotores de Justiça ávidos por visibilidade ou por um projeto pessoal ou político, mais poder, além dos egos pessoais..., sem que em hipótese alguma se interessassem em se imiscuírem nesse universo, apenas no afã de exercerem o poder pelo poder institucional, negociar por negociar nos bastidores para fins institucionais, barganhar por barganhar (especialmente salários e vantagens) o melhor para a categoria em todos os níveis dos Poderes e, quiça, superarem o próprio Poder Judiciário, tudo em nome de um quase “mistério público” de uma sociedade desprotegida, distante, excluída, embrutecida e emburrecida pelos auto-falantes abertos ao público pelo meio oficial ou privado ..., de resto, do andar de cima apenas administram o andar de baixo que teima em registrar de forma recorrente conflitos instestinais, falta de projetos, embates de egos, em especial, por meio dos processos midiáticos, disputas tolas, estatísticas, cargos de segundo ou terceiro níveis...