Data: 24.09.98, enfim, a primavera:

Como faço todos os dias de manhã cedo, eram seis horas e cinquenta minutos e eu dei a partida para a Delegacia-Geral utilizando como sempre a Avenida Beira Mar Norte que neste horário que era bem mais digerível. A adrenalina já lá em cima, voltou aquele som da Tina que fez lembrar o dia anterior, havia sinais de que naquela dia poderia ter mais uma dor de cabeça e teria que preparar um analgésico. No banco ao lado a “Folha de São Paulo” do dia anterior que mal tive tempo para começar a ler, pois tive que interromper em razão do adiantado da hora e do  cansaço. Como já fazia com certa frequência deixei para a manhã do dia seguinte completar a leitura das principais matérias, no caminho pude reparar que já é primavera, o sol surgia com certa dificuldade dentre as nuvens, o chão bastante molhado da chuva dos últimos dias, a temperatura bem agradável, era bom imaginar que aquele clima se prolongasse até a metade do verão e depois seria muito interessante se entrássemos diretamente no outono (o verão era insuportável, aquele calor, o suor, desgastes...). Quando alcancei a Rua Bocaiuva não pude deixar de perceber aquelas árvores da repartição do Exército Brasileiro, a Casa do Barão Batovi com seus coqueirais centenários, aquele cheiro de verde, a brisa do mar circulando pela Avenida “Othon” o ar ainda puro da nossa cidade. Ao chegar na Delegacia-Geral por volta de sete horas não encontrei o jornal “A Notícia” (às vezes chegava um pouco mais tarde) e não pude passar uma olhada nas principais manchetes na coluna do jornalista Moacir Pereira e nas  matérias de polícia. Tive que me contentar com a “Folha” que já exigia muito tempo. A portaria como sempre estava deserta, geralmente nesse horário chegava a Odésia (do Gabinete do Delegado-Geral) que cumpria jornada reduzida e, por volta de sete e trinta, infalivelmente, chegava o Walter que certamente iria para a central do telefone e eu era o personagem do salão dos ex-Chefes de Polícia para a leitura matinal, além de ouvir o “Heródoto” Barbeiro da CBN por meio de fone de ouvido, sempre com novidades intermináveis, com as principais notícias do país, ilustrando, pontualmente, às oito e trinta o comentário eclético do cosmopolita Gilberto Dimerstein. Era mesmo, parecia que tem no ar algo clássico também de Tucídides e a Guerra do Peloponeso, César nas campanhas da Gaia, Euclydes da Cunha em Canudos, enfim, todos aqueles historiadores que relatavam acontecimentos presenciais, participando diretamente dos embates e depois no recolhimento... E me vi num verdadeiro túnel do tempo, em pleno começo de primavera, a estação germinal, a presença das flores!

Horário: 11:30 Horas

Jorge telefonou para avisar que havia acabado de conversar com Tereza no Gabinete do Júlio Teixeira. O seu objetivo era saber como é que ficava o material de propaganda na nossa festa do próximo sábado. Aproveitou para conversar também com o Delegado Wanderley Redondo e manifestou sua preocupação com relação aos trezentos reais que foi prometido como ajuda. Segundo Jorge o Delegado Wanderley  Redondo poderia enrolar e  em razão disso achava que seria bom eu telefonar para ele, inclusive, porque provavelmente ele achava que não poderia ir a reunião das quatorze horas no Candeias. Respondi para Jorge Xavier que telefonaria, mas que duvidava que Redondo faltasse com a palavra.

Horário: 13:50 horas

Telefonei para Wanderley Redondo:

  • Wanderley?
  • Sim.
  • E daí como é que vai ficar o negócio?
  • Eu estou indo para o Candeias já.
  • Então tá bom, a gente se vê lá.
  • Certo!

Horário: 14:00 horas - são Jorge e os seus  “Espanta-Diabos” e “língua-de-fogo”

 No trajeto ao Restaurante Candeias, no Bairro Barreiros – município de São José, para a reunião fiz uma parada no acesso em frente a antiga Boate Dizzy – no local de embarque de barcos, onde existia um trapiche,  já era hora de colocar um adesivo de Júlio Teixeira no meu carro e fixei-o no para-choque traseiro, limpando com a mão a sujeira do local para sua fixação. Também não queria aparecer no local com o carro sem propaganda do nosso candidato, de mais a mais era uma questão de consideração com aquele que subscreveu nosso “lano”:

  • Felipe, onde estais? (Jorge)
  • Estou quase chegando no Candeias, quase em frente.
  • Nós já estamos aqui, o Wanderley está comigo.
  • Eu sei, já estou quase em frente.
  • Aguardo.

No Restaurante Candeias avistei o carro do Delegado Jorge Xavier com adesivo somente dos candidatos ao Governo do Estado e ao Senado Esperidião Amin/Jorge Bornhausen. No interior do veículo estavam Jorge e Leninha (mais tarde chegou o “Cesinha”), Sr. Wilson e esposa (sogros do Jorge), Geraldo e sua esposa (D. Ivone) (cumprimentei-os surpreso com as famílias reunidas, situação essa que logo foi superada (pensei: “isso era Jorge” e lembrei daquele seu quadro de São Jorge existente lá na sua residência, daqueles dois bonecos de pau de frente para a porta - tipo espanta diabo – língua de fogo,  que havia colocado no seu gabinete quando era  Delegado Geral da Polícia Civil - , montado num cavalo e trucidando cobras, a necessidade do reconhecimento, dos amigos, nesse caso dos familiares, realmente os mais queridos e confiáveis. E logo que cheguei fui convidado a sentar e nos dirigimos para uma mesa próximo ao balcão. Depois de algum tempo já de conversação sobre a festa (Jorge, Geraldo, Wanderley Redondo e mais dois senhores que não conhecia) chegaram pela ordem Krieger, com seu bermudão em jeans e tênis, Cláudio Palma com seu traje desajeitado, mais em razão de excesso de peso que não combinava com seu estilo e estatura e, por último Rubem Garcez, enquanto Wanderley Redondo cumpria com sua palavra fazendo a entrega dos trezentos reais dizendo:

  • Felipe está aqui o dinheiro das minhas férias, depois eu vou ver se consigo acertar com o Gervásio, mas para tirar dinheiro dele não está fácil. (Redondo)
  • Se é assim Wanderley conta comigo, se não conseguires reaver o dinheiro com ele eu racho contigo.
  • Não. Deixa que eu dou um jeito.
  • Qualquer coisa você fala comigo.

E Leninha, atenta a tudo e  como se liderasse o grupo de familiares ao lado, passou com destino ignorado, mas antes fez o seguinte registro:

  • Pô, Felipe, “seu orgulhoso”’, vê se cumprimento a gente (e eu não lembrei de tê-la visto junto com os familiares de Jorge quando estavam no interior do carro, momentos antes). 

Krieger e Cláudio preencheram seus cheques no valor de trinta reais cada um e o Garcez e eu entregamos a mesma quantia em espécie, faltando Wilmar Domingues. Jorge Xavier assumiu a coordenação da festa e monopolizava a mesa com aqueles pormenores, detalhes, tudo devidamente rabiscado. Surgiu o problema da cerveja levantado por Wanderleyt Redondo que entendia que deveria ser liberada. Chegamos a um consenso de liberarmos cerca de dez caixas, cuja despesa seria rateada por nós posteriormente.

Horário: 15:00 horas – “Operação Cavalo de Tróia”:

Depois da reunião fomos para o ginásio da Cassol a fim de conversar com o zelador e acertar o preço da cerveja e mais alguns detalhes, inclusive, o problema da ‘vala’ existente na rua que dava acesso frontal ao ginásio que estava interditada pela Prefeitura de São José. Krieger conduziu Geraldo e Jorge no seu carro e eu fui com Garcez que no caminho reiterou informação que já havia dado na saída do restaurante, quando:

“(...)

  • Não sei tu viste a pesquisa do PFL que saiu no jornal “O Estado”, o Sché está colocado em quarto lugar e o Júlio nem aparece.
  • Mas Garcez essa pesquisa não reflete a realidade, não visse o que o Krieger disse, ela deve se circunscrever à Florianópolis.
  • Não sei, mas tu vê, eu fico preocupado, se bem que eles não vão querer me prejudicar.
  • Que é isso Garcez?
  • Tu tens um bom relacionamento com eles, até pela tua situação.
  • Não tem nada, se Sché se eleger tudo bem, eles vão respeitar a gente, não te preocupes, nós temos que apoiar o Júlio e tenho certeza que ele vai se eleger, eu não te falei da pesquisa que fizeram na região dele, dos cento e quarenta mil votos só na cidade de Rio do Sul o Júlio saí com uns vinte e cinco mil votos.
  • E o Sché, como está nessa pesquisa?
  • Ele tem previsão de fazer uns seis mil votos.
  • Tu vê, então não sei se tu tomasse conhecimento da matéria publicada pela Fecapoc no jornal de ontem?
  • Não, o que é?
  • Eles não estão comprometidos com o Júlio Teixeira, publicaram uma matéria orientando os policiais a votarem num dos candidatos da Polícia Civil, parece que tem seis Delegados candidatos e o nome do Júlio é mais um entre todos, isso demonstra que eles não estão trabalhando para o Júlio.
  • Mas o Júlio acredita neles.
  • Pois é, mas tu vê, eles em momento algum estão mostrando isso.

Nesse momento lembrei do “Cavalo de Tróia” – expressão que utilizei no mês de julho quando juntamente com Jorge Xavier e Garcez estivemos no gabinete do Deputado Júlio Teixeira na Assembleia Legislativa e este deu conhecimento com entusiasmo que a Fecapoc estava preparando um debate no Plenário daquela Casa com os candidatos da Polícia Civil e de suas intenções. Por essa razão Júlio Teixeira teria dito que estavam fazendo isso para ajudá-lo na campanha e que a direção da entidade estava fechada com ele, inclusive, iriam filmar o evento e mandar cópia da fita para todas as associações regionais e eu comentei que isso poderia significar um presente de grego, e que ele refletisse bem sobre essa proposta, pois no futuro poderia trazer muito dissabores, mas somente ele é quem poderia verificar o que tinha de verdade nessa intenção (e mais uma vez me preocupei, mas já tinha dito a Júlio que a hora da verdade chegaria, os relatórios do TRE indicariam o número de votos por região). Júlio Teixeira argumentou que pensaria sobre minhas preocupações e que havia confiado no pessoal da Federação Catarinense dos Policiais Civis, que compareceria aos debates, e que também participariam os outros candidatos, à exceção de Heitor Sché que não iria.

Nesse momento, em frente ao Shopping Center Itaguaçu tomei o celular na mão e fiz uma chamada..:

  • Alô.
  • Júlio, é o Felipe.
  • Fala Felipe, tudo bem?
  • E daí estais melhor?
  • Passou, melhorei Felipe, a carreata vai sair sábado de onde?
  • Olha, é o Wanderley  que programou isso, o ponto de saída é ali no Jardim Atlântico, naquela rodovia nova que construíram, é fácil, é só se informar.
  • Que bom, e na festa lá, tu achas que vai quantas pessoas, vão juntar os dois grupos?
  • Sim, aquilo que eu te falei.
  • Onde é mesmo que vai ser?
  • Júlio, é no ginásio da Cassol, o Krieger conseguiu o local.
  • Quantas pessoas tu achas que vão estar lá?
  • Olha Júlio, entre trezentas e quatrocentas pessoas, é isso aí, e nós estamos rachando a despesa.
  • Que bom, muito bom mesmo, mas eu ajudo, depois a gente vê.
  • Não Júlio, a despesa é rateado pelos amigos, você só entra com a tua presença. Mas Júlio, eu estou te telefonando, tu viste a pesquisa que foi publicada hoje no jornal?
  • Que coisa horrível, mentira, tudo conduzido, eu telefonei para o Moacir Pereira, a informação não é verdadeira, fizeram isso por encomenda, já enchi o saco do Moacir.
  • Mas que barbaridade,  então realmente foi esquema.
  • Sim, eu já te falei da pesquisa feita aqui pela Perfil na minha região.
  • Eu sei Júlio, outra coisa, tu viste a nota da Fecapoc ontem no jornal “O Estado”?
  • Não vi, sobre o quê?
  • Sobre as eleições, eles publicaram uma nota orientando os policiais civis a votarem e colocaram o nome de todos os candidatos, sem qualquer destaque para o teu, estou te passando isso para ficares ligado.
  • Mas que coisa, eu vou telefonar para eles, eu não sabia disso.
  • Bom, tu sabes né, conversa com eles, não sei até que ponto vai a tua confiança,  mas tudo bem eu não vou tirar mais o teu tempo, sei que tens um monte de coisas para fazer.
  • Tá bom Felipe, a gente se encontra no sábado.
  • Isso. Estamos aí para o que der e vier.
  • Claro, estamos nessa juntos.