Data: 22.09.98, 13:00 horas, 19:30 Horas

“Exaltações”:

Nesse horário cheguei no Restaurante Candeias que ainda estava quase que vazio. De longe já avistei Geraldo (proprietário do estabelecimento) com sua tradicional camisa vermelha, gola polo por dentro da calça, deixando saliente aquela sua barriga avantajada.

Evitei a aproximação (era aquele meu jeito de racionalizar o tempo em detrimento das relações interpessoais, sempre com duas ou mais coisas para fazer ao mesmo tempo, certamente que as pessoas não poderiam compreender esse meu estilo, e isso levava a um distanciamento, imagine em se tratando de uma pessoa com as limitações daquele comerciante).

Liguei meu notebook num canto do restaurante e iniciei meus trabalhos, quando me deu com um garçom que muito educadamente me indagou:

  • Doutor, o que vai para beber?
  • Opâ, tudo bem, olha eu vou querer uma caipirinha de “Steinheguer”.
  • Pequena ou média?
  • Pode ser a média.
  • Certo.

Em seguida tocou o telefone celular, era o Delegado Wilmar Domingues do outro lado (lembrei que tinha telefonado para sua residência por volta de quatorze horas para avisá-lo da reunião da noite, mesmo que contrariasse Jorge, no entanto alguém disse que já tinha saído para o trabalho. Na Deic informaram que havia dado uma saída e pedi a policial Ana que deixasse um recado embaixo da sua porta, pedindo para entrar em contato:

  • Fala Doutor. (Wilmar)
  • Oi Wilmar.
  • Eu recebi o recado debaixo da minha porta.
  • Certo, pois é, nós temos aquela reunião da terça-feira e gostaria muito de contar com a tua presença.
  • Sim.
  • Na última terça não deu né.
  • Não, era terça, mas ficou para quarta que é o meu dia de futebol e eu saí suado e depois de uma cerveja, realmente não tinha condições.
  • É verdade. Eu entendo, mas hoje estaremos no restaurante a partir das vinte e trinta.
  • Não tem problema. Estarei lá, é às...
  • Isso, estaremos todos lá.
  • Certo, então até.

Mais a seguir, de longe avistei Geraldo conversando com seus garçons, no primeiro momento procurei ser educado e o cumprimentei com um abano, mesmo na dúvida se estava olhando na minha direção, no que fui correspondido com aquele seu sorriso alemão, porém humilde, de quem iria longe nos negócios. E Gerald o se aproximou para uma conversa de boas vindas:

  • Tudo bem doutor?
  • Tudo certo.
  • Não quer ir aperitivando alguma coisa? Eu tenho aí marisco e frutos do mar especial (Geraldo)
  • Não, obrigado. Eu acho que vou esperar o pessoal e depois já estou bebendo.
  • Que bom, mas se quiser. (Geraldo)
  • Certo.
  • Os nossos candidatos parece que estão bem. (Geraldo)
  • É mesmo, tu estais falando do Júlio e do Knaesel?
  • Sim, o Knaesel vai fazer uma boa votação e o Júlio também vai. (Geraldo)
  • Que bom, realmente o Knaesel vai ser um dos mais votados e o Gervásio (candidato à Federal)?
  • Ele precisa fazer uns quarenta mil votos, estamos trabalhando. (Geraldo)
  • E o Cesinha, como está?
  • Está bem. (Geraldo) 
  • Parece que ele quer sair candidato a vereador aqui em São José, era uma boa, ele leva jeito.
  • É sim. (Geraldo)
  • Nesse caso, se ele tiver projeto político seria importante que tivesse passado no concurso para Delegado e depois que viesse para São José.
  • Aí ele viria com toda força, iria facilitar muito se ele tivesse conseguido isso (Geraldo)
  • Pois é, vamos ver se no próximo concurso ele vai.
  • É doutor, depois eu faria um trabalho aqui em São José apresentando o nome dele na última hora. A gente poderia no dia da eleição formar grupos que entregariam bonés e outros brindes para as pessoas próximas das urnas e isso resultaria em bom número de votos, pois as pessoas vão lembrar daqueles que na última hora deram alguma coisa (Geraldo)
  • É, com certeza funcionaria, mas, vamos ver, o Cesinha leva jeito para a política.

Depois disso eu e o sogro de “Cesinha” fomos interrompidos com a aproximação do Delegado Cláudio Palma Mora foi visto já na entrada parado inspecionando o lugar, enquanto isso eu destilava um pensando: “Realmente esse Geraldo vai de mansinho e consegue os seus objetivos, não prega prego sem estopa”, em cujo momento Cláudio Palma se chegou com aquele seu andar “slow motion” capaz de transmitir calma, no entanto, sabia que isso só ocorria nas aparências. Nos últimos anos Cláudio estava mais para um atleta com seus óculos “ray ban”, fazendo estilo de ator “hollywoodiana” (lembrei que há anos atrás, quando ainda trabalhávamos juntos na Quarta Delegacia de Coqueiros - Florianópolis, Cláudio teria me dito que já havia assistido todos os filmes de 007), até que Geraldo pediu licença para nos deixar à vontade.

  • E daí Cláudio?
  • Vamos ter que sentar numa mesa maior,  daqui a pouco o pessoal vai chegando.

Ele deu a volta na mesa e veio por trás da minha cadeira:

  • Gostei do teu negócio aí (referia-se ao meu notebook)
  • É.

E mal ele fazia um reconhecimento da interface eu já havia acionado as teclas “alt-F4” e lá se vai a tela preta.

  • Qual é a marca disso?
  • É Texas.
  • Bom, né?
  • É 166 MMX.

Fechei o “aparelhito” e fomos para a mesa ao lado.

  • Mas qual é o teu regime.
  • Olha Cláudio, é reeducação alimentar, antes eu comia de manhã cedo, às dez horas, ao meio dia, às dezesseis e às vinte horas. Agora não. Eu como pouco de manhã. Ao meio-dia prefiro verduras e carnes grelhadas e a noite café com pão, sendo que mais tarde caminho diariamente cerca de uma hora.
  • É mesmo?

E chega o Jorge Xavier com seu jeito tradicional de ser, cumprimentando todos, se fazendo notar, transmitindo aquela paz (lembra muito um pastor), só que neste dia estava mais devagar, trajando uma jaqueta “Lee”, desbotada e que contrastava com o seu dia-a-dia em que usava traje social.

  • É, hoje não estou muito bem.

Nisso tocou o celular, era o Delegado Garcez do outro lado.

  • Alô, Felipe?
  • Fala Garcez, estamos aqui te esperando.
  • Pois é, eu tenho um aniversário do meu sobrinho e afilhado, e não tenho como faltar esse compromisso.
  • Pô! Já faltasse o compromisso de ontem, lá no Castelmar.
  • O que tu queres, estava cansado do plantão de domingo.
  • É, mas dá um jeito de vir aqui, nós estamos te aguardando, nem que seja só por um instante, qualquer coisa depois eu vou te levar.
  • Não dá, sabe como é Felipe, eu não posso faltar a esse compromisso, inclusive é aí em Florianópolis.
  • O quê? Melhor ainda, fica mais perto, tu dá um pulinho aqui e depois volta. Mas fala com o Jorge,  ele quer falar contigo.
  • Felipe não, o que é isso?
  • Olha o Júlio não vai a festa, tu vais?
  • Ele não vai, então vai ficar mal, eu vou, ajudo nas despesas, só não vou levar todo mundo.
  • Ah! Garcez, ele está aqui aflito e quer falar contigo, estamos esperando todo mundo e só vai faltar você, vem o Osteto, Wilmar.

Jorge do outro lado franze a testa e pausadamente me olha quase que por baixo dos seus óculos (fiz aquilo de propósito porque até então ele não sabia que Wilmar Domingues viria a reunião, e também o Osteto não tinha sido contatado) e passei o celular para que ele se acalmasse e passasse a cobrar a presença do Garcez no local, mas já sabia que em se tratando do Garcez...

  • Assim não dá, trocar uma reunião destas para tratar de um “Plano” por um aniversário.
  • Mas Jorge, ele explicou, é um aniversário de parente, sabe como é.
  • O quê? Não! Nós temos que discutir a festa nossa e ele não podia fazer isso,  temos um monte de coisas pendentes.
  • O Garcez é gente boa, mas tem dessas coisas. (Felipe)
  • O Garcez é uma pessoa límpida. (Cláudio)
  • Ah, sim, mas era importante que estivesse aqui. (Jorge)

A fartura:

O garçom numa das várias vezes que veio até a nossa mesa, sem que tivéssemos feito o pedido ainda, trouxe vários bolinhos de siri Jorge Xavier bem à vontade insistia em pedir um aperitivo de frango (lembrei que da última vez o aperitivo de carne não estava bom, estava dura). A partir do momento que comecei a aperitivar Cláudio deve ter observado que não dava para resistir àqueles bolinhos temperados com azeite de oliva virgem:

  • Eu tenho me alimentado da mesma forma que você, poucas refeições e não tenho emagrecido. (Cláudio)
  • É. (Felipe)
  • A diferença é que eu não tenho caminhado. (Cláudio)
  • É, faço isso todo santo dia, ou melhor quando posso, por exemplo hoje já não dá. (Felipe).
  • O Felipe gasta muita energia, e diminuiu as refeições. (Jorge)
  • Olha, o Geraldo parece que mandou preparar frutos do mar. (Felipe)
  • O quê? não! Felipe eu acho que podemos pedir dessa vez um aperitivo de franguinho. (Jorge)
  • Pois é, para mim não tem problema. (Cláudio)
  • Eu não gosto disso, fico sem jeito, o Geraldo exagera, quer agradar. (Jorge)
  • Ah Jorge, vamos lá, se ele quer tratar bem a gente. (Felipe)
  • O Felipe não entende. Eu já pedi o aperitivo para o outro garçom, ele já deve estar preparando. (Jorge)
  • Tudo bem. (Felipe)

Nisso notei que estacionou um carro na frente do restaurante e logo reconheci que era  o Krieger que acabava de chegar, estava de tênis branco, calça jeans, diferente dos outros nossos encontros.

-    Oh Krieger, se o Garcez estivesse aqui já iria fazer um comentário. (Felipe)

  • Eu sei, é o sorriso. (Krieger)

Notei que Krieger passou a externar um controle de si após eu fazer a entrega de uma cópia do “Plano” para o Cláudio. Enquanto isso dava para perceber como Krieger levava as coisas a sério, externando prazer de estar conosco e participando das discussões sobre o nosso “Plano”, realmente, concluí novamente que se tratava de uma pessoa que poderia nos surpreender em termos de futuro, sempre atento ao que passava em sua volta, demonstrando interesse em todos os assuntos tratados, além disso, aparentava ser uma pessoa que assumia compromissos, que não fugia aos desafios.

Mais a seguir olhei para a porta do restaurante e percebi a chegada do Delegado  Wilmar Domingues trajando terno, o que contrastava com a informalidade de todos nós. Enquanto Jorge Xavier falava intercedi dando os vivas para a chegada do nosso último participante. Jorge Xavier ao perceber os acontecimentos, sem entender (deve ter imaginado: “esse Felipe é um irreverente”, e em vez de me ouvir passou a falar sozinho e gesticulando) lançou uma pérola no ar ao mesmo tempo em que torcia seu pescoço e deixava escapulir aquele seu sorriso bem conhecido:

  • Doutor Wilmar, o senhor veio.
  • Sim!

Sorrisos, abraços, explicações... A partir daí os assuntos fluíram em várias direções: .

  • Vocês sabiam que o Napoleão Amarante está recebendo diária corrida de Desembargador, vinte e cinco mil reais por mês? Ele está fazendo o curso da Escola Superior de Guerra no Rio. (Krieger)
  • Interessante, vocês sabiam que ele já foi policial civil. (Felipe)
  • O quê? (Jorge)
  • Não, eu não sabia. Ele foi quando? (Krieger)
  • Ele é da turma de Videira, do final da década de cinquenta e início de sessenta, durante o governo Heriberto Hulse, quando o Secretário era o médico Pelágio Parigot, trabalhou nos serviços de Jogos e Diversões ou na Armas e Munições,  não sei bem, ainda quero entrevistá-lo, nessa época veio também estudar aqui em Florianópolis. (Felipe)
  • Mas tu vê. (Krieger)
  • Eu não sabia disso, mas ele também foi Secretário de Segurança Pública. (Jorge)
  • O quê, quando isso? (Felipe)
  • Foi depois daquele Secretário de Joinville, como é mesmo o nome. (Jorge)
  • A acho que o sobrenome é Carvalho. (Felipe)
  • Não sei, como é o primeiro nome dele mesmo? (Jorge)
  • Paulo (Felipe)
  • Paulo Mendonça de Carvalho, ele substituiu por cerca de quatro meses. (Jorge)
  • Olha, essa eu desconhecia. (Felipe)
  • Tá vendo, mais uma de história aí. (Krieger)

E lá pelas tantas, falando sobre a festa na sexta-feita no ginásio da Cassol comentei que seria bom que todos fossem, mesmo Júlio Teixeira não estando lá. Relatei o telefonema e as explicações do nosso candidato e o assunto que ganhou as atenções foi sobre quantas pessoas iriam finalmente ao evento,  menos do que o previsto. Todos os presentes se dispuseram a ir à festa, inclusive, a ajudar nas despesas. Fiquei encarregado na sexta-feira de comprar carnes, legumes... Lembrei também que teria um voleibol com o pessoal da Penitenciária. Nisso:

  • Wilmar, você pode levar a ... eu vou levar a Leninha. (Jorge)
  • Coitada da minha esposa, ela é tão boazinha. (Krieger)
  • Quantos filhos você tem Krieger? (Felipe)
  • Um menino, o nome dele é Gustavo Philippe Cassol Krieger, um nome forte, eu gosto muito da Escandinávia, olha eu tenho aqui a carteira de identidade dele,  olhos azuis...

Depois de manusear a carteira de identidade de Gustavo e vendo a satisfação de Krieger de falar de seu filho e esposa:

  • Genovez já não é um nome tão forte. (Wilmar)
  • É também, Cristóvão Colombo era Genovez,  genovese, Genovesi... italiano... (Felipe)
  • Sim. (Wilmar)
  • É, aqui todos têm sobrenomes fortes, Moura, Xavier, Domingues. (Felipe)
  • Xavier e Souza são nomes fortes, são da minha descendência, vocês não conhecem “Sousa e Cruz”, vocês sabem de quem ele era filho? Nunca ouviram falar do Marechal Guilherme? Você que é historiador (referindo-se a mim)? (Jorge)
  • Claro, eu ouvi. (Felipe)
  • Duvido? (Jorge)
  • Não é “Souza e Cruz”,  é “Cruz e Sousa”, aquele poeta? (Krieger)
  • Ah é, “Cruz e Souza”, o poeta, eu me enganei. (Jorge)
  • Ele era filho de escrava e foi adotado pelo Marechal Guilherme Xavier de Sousa... (Felipe)
  • Não senhor, ele, Cruz e Sousa era filho da escrava com o Marechal, e eu sou descendente do mesmo ramo da família,  conheço a história. (Jorge)
  • Jorge, dá licença, ele foi adotado pelo Marechal Guilherme que parece morava na atual Rua Vitor Meirelles (antiga rua da Pedreira), lá próximo da Praça XV, no centro. Você sabia Jorge de quem é que ela foi escrava?
  •  Não, isso eu não sei. (Jorge)
  • Com a abolição da escravatura em 1888 a mãe dele foi libertada, ocorre que com a vinda do Coronel Moreira César para Desterro em abril de 1893, a mando de Floriano Peixoto, ele teve amplos poderes para convocar pessoas para trabalhar no Palácio como faxineira, cozinheira... (Felipe)
  • Eu não sabia disso. (Jorge)
  • Ah, tem aquela Rua Marechal Guilherme lá no centro... (Krieger)
  • O Marechal Guilherme foi herói da Guerra do Paraguai e vocês sabem qual foi o primeiro nome da Escola da Polícia Militar (atual Academia da Polícia Militar)? Chamava-se também Marechal Guilherme em sua homenagem, mas tivemos um outro Marechal aqui na Desterro, naquela época... (Felipe)
  • É mesmo? Isso eu não sabia. (Jorge)
  • Não era Guilherme, era Manoel, Marechal Manoel de Almeida Gama D’Eça... (Felipe)
  • O Barão do Batovi...? Avô do Othon da Gama D’Eça? (Krieger)
  • Sim, é esse mesmo que também foi nosso Delegado, inclusive, não sei se vocês sabem, mas o Othon foi também Chefe de Polícia e Secretário de Segurança Pública... (Felipe)
  • É mesmo? (Wilmar)
  • É, nós já falamos que tínhamos que criar a cadeira de História na Academia, pelo menos para os Delegados. (Krieger)
  • Um outro que foi Delegado e vocês falaram o nome dele foi o Irineu Bornhausen. (Felipe)
  • O quê? Essa eu não sabia disso também, quando foi isso? (Krieger)
  • Isso eu também não sabia. (Jorge)
  • Foi por volta de 1914 na cidade de Itajaí. Depois ele fez carreira política, começou como vereador, depois prefeito, no final da década de vinte casou com a Marieta Konder..., é isso aí! (Felipe)
  • Como a gente tem história, puxa! (Krieger)
  • Muita coisa eu já registrei na minha edição do novo “Estatuto da Polícia Civil Anotado”, edição histporica. (Felipe)
  • Pois é,  eu estou esperando um exemplar. (Krieger)
  • Como é que você faz para dar conta de tudo isso, que horário você arranja para pesquisar? (Cláudio)
  • Olha Cláudio, às vezes levanto às três, quatro horas da madrugada, e é direto no  Arquivo Público, Biblioteca Pública, eu inclusive faço citações no estatuto.
  • É sobre a origem dos Delegados que recebiam a delegação do Desembargador na época do D. João VI...? (Krieger)
  • É, desde a criação em 1808 da nossa Intendência-Geral, passando por Santa Catarina em 1812 com o Juiz de Fora Francisco de Almeida, nosso primeiro Intendente de Polícia na Capitania de Santa Catarina... (Felipe)
  • Mas ele era Juiz? (Krieger)
  • Ele era Juiz de Fora veio para Desterro nomeado também como Intendente de Polícia, era o cargo mais importante da época e cumulava atribuições... (Felipe)
  • Pois é, eu queria um exemplar do Estatuto, aquele que tu me entregaste era para a Alina. (Krieger)
  • Olha Krieger, é quase que inviável, mas se tu quiseres eu mando confeccionar um especial, vai sair uns oitenta reais, acho muito caro. (Felipe)
  • Mas chegaste a ver lá na UFSC quanto é que vai custar a impressão, eu me disponho a ir lá ver para você quanto é que vai custar esse serviço. (Wilmar)
  • Olha, uma tiragem de três mil volumes vai ficar em torno de uns dezoito mil reais, eu já fiz um orçamento na editora Paloti e não adianta mandar imprimir poucos volumes, tem que ser um número bem maior, mas Wilmar eu agradeço, se estiveres interessado. (Felipe)
  • Você me dá um exemplar e eu vou até lá. (Wilmar)
  • Farei isso, entrarei em contato contigo. (Felipe)
  • Mas mudando de assunto, uma coisa que me preocupa é que não temos candidato a deputado federal, acho que a gente precisa se posicionar, o Heitor deveria ter saído candidato a Federal, poderíamos apoiar o Konder Reis, pois temos também interesses em nível nacional. (Felipe)
  • O quê, nem me fala desse cara! (Jorge)
  • É mesmo? Jorge tu disseste que ele te traiu. (Felipe)
  • Sim, eu não te falei o que ele fez com o “Cesinha”, depois de ir contra todos lá na faculdade, conseguiu colocar o nome do Centro Acadêmico do curso de Direito da Univali (Campus de Biguaçu) com o nome dele e no dia nem apareceu, deixou o “Cesinha” mal, e por isso recebeu um pau de um monte de colegas que não aceitavam esse nome, e hoje até já trocaram o nome do Centro Acadêmico. (Jorge)

A seguir, começamos a conversar sobre as promoções na Polícia Civil, tendo eu iniciado a conversa. Antes disso, porém, Krieger disse a todos que havia convidado o Delegado Neves - da sua turma - para participar do nosso grupo, que já tinha feito os contatos e ele se mostrava ser uma pessoa que poderia contribuir muito para o nosso ‘Plano’ (confesso que nunca tive um relacionamento muito estreito com Neves e sua esposa, e da última vez que conversei com ele foi por telefone, foi muito gentil me procurando para pedir um exemplar do meu Estatuto da Polícia Civil Anotado – edição 1997, mas havia aquela informação no ar de que era muito ligado ao Lorival, que tinha sido o responsável pela sua nomeação para cargo em comissão do PMDB). A conversa continua a fluir:

  • Wilmar, você vê, eu conversando com o Braga lá na Delegacia-Geral, ele me disse que algumas pessoas do Conselho teriam me criticado porque em 1995 fiz um documento dirigido à Comissão de Promoção pedindo a minha exclusão do certame, pode? (Felipe)
  • E como é que está isso? Está tudo atrasado, eles não fazem mais promoções. (Krieger)
  • Realmente, isso está uma vergonha, a lei tinha que ser cumprida e está tudo atrasado. (Felipe)
  • Parece que a última promoção foi em 1995. (Krieger)
  • Mas o que ocorreu foi o seguinte pessoal eu que trabalhei na lei de promoções conhecia bem a legislação e em novembro quando ela foi publicada procurei o Oscar Peixoto que era o Delegado-Geral e externei a minha preocupação porque todos os Delegados teriam do dia primeiro ao dia dez de janeiro para se habilitarem às promoções, esse prazo era peremptório Disse para ele que nós teríamos pouco mais de um mês e que ele convocasse pelo menos todos os Delegados Regionais que eu poderia dar as instruções. O Oscar não tinha acompanhado a tramitação dessa lei e vocês sabem, naquele contexto a lei foi gerada de maneira inesperada, mas teve que ser, não havia outra alternativa,  sob pena de não termos lei nenhuma sobre promoções, havia de um lado o Alberto Freitas na ADPESC que fazia oposição contra tudo e contra todos, o gabinete do Secretário, a Procuradoria-Geral do Estado, a Secretaria de Administração, várias facções no comando da Polícia Civil, a Fecapoc e outras entidades de classes que eram contra. Porém, de nada valeram os meus argumentos, Oscar conversou com o Ademar Rezende na época que teria aconselhado a não se preocupar porque nunca tinha sido assim antes... As promoções estavam previstas pela legislação anterior para o dia vinte um de abril, então por que se preocupar no final de novembro do ano anterior, então que deixasse assim que depois se tomaria as providências e eu não tive outra alternativa a não ser menos aconselhar os Delegados mais chegados a se inscreverem no prazo de dez dias estipulados na lei, então com a chegada dos primeiros requerimentos o Oscar passou a se preocupar, mas aí já era tarde porque as providências não haviam sido tomadas. No meu caso havia cerca de sete vagas para Delegado Especial e eu tinha sido promovido para a quarta entrância no ano anterior, o dia vinte e um de abril. Com a mudança da data de promoção para dez de maio passei a ter o interstício de trezentos e sessenta e cinco dias e poderia me habilitar novamente, mas preferi não fazê-lo porque achava injusto e, também, para evitar falatório já que fui eu que fiz a lei, sabia que a grande maioria não se habilitaria porque não sabia da existência da lei. O Garcez trabalhava comigo e também não queria sair de Biguaçu, em razão disso também não se inscreveu, não queria abrir mão de sua lotação porque residia naquela cidade, preferia esperar uma oportunidade melhor e concorrer à promoção para a Capital. Ocorre que o Oscar logo após transcorrido o decêndio me chamou e pediu um aconselhamento, respondi que ele poderia até tentar baixar uma resolução com uma série de “considerandos” e, ao final, determinando que todos os Delegados de Polícia se julgassem habilitados, o que não resultaria prejuízos, exceto para aqueles que já haviam se habilitado. Oscar, apesar de advertido pelos riscos de ser impetrado mandado de segurança, optou por baixar apenas uma resolução que foi redigida por mim.
  • Então o senhor é que foi o autor daquele ato, isso eu não sabia. (Wilmar)
  • É Wilmar, ocorreu tudo isso e não foi por falta de aviso. Eu adverti o Oscar,  só que aí mudou a situação, como todos agora estavam habilitados eu não tive outra alternativa se não solicitar formalmente o meu intento em não participar do concurso porque tinha conhecimento da legislação e conhecia os critérios e poderia me beneficiar com isso, enquanto os outros estavam por fora e talvez não tivessem tempo de preparar a documentação. Mas Wilmar eu faço questão de registrar isso porque o Braga veio dizer que algumas pessoas do Conselho ainda me criticam por causa desse meu expediente pedindo a retirada do meu nome do processo, ora, já se viu uma coisa dessas, não é coisa de doido, ainda querem me criticar, e o Garcez fez a mesma coisa, mas no caso dele porque não queria sair de Biguaçu.
  • É, realmente o pessoal não entende. (Wilmar)
  • Uma outra coisa, a lei pode ter tido uma tramitação bastante restrita ao conhecimento de todos. (Felipe)
  • Ah, sim Wilmar, caso contrário não iria sair nunca, existia toda sorte de pressão na naquela época. (Jorge)
  • Mas na verdade essa lei começou a ser trabalhada desde a época do Bado, em 1987, tivemos o nosso novo Estatuto da Polícia Civil em 1986 e infelizmente a administração anterior não preparou o processo de promoção de acordo com as novas normas, tais como criação de critérios por merecimento. Eu ouvia as entidades de classe e isso criou uma série de problemas porque quando assumimos a direção da Polícia Civil em março de 1987 o processo de promoções já deveria estar em andamento, com a contagem dos pontos sido publicada, mas  nada disso ocorreu, houve boicote e o Bado me chamou pedindo  aconselhamento. Eu recomendei  a ele que cancelasse as promoções daquele ano, no segundo semestre daquele mesmo ano indiquei o Jorge para presidir a primeira comissão de promoção segundo as novas normas (o Comissário de Polícia Ricardo Feijó foi constituído como representante das entidades de classe, por indicação da antiga Acapoc, o Alberto Freitas indicou o Delegado Moritz). (Felipe)
  • É, nessa época eu estava dando sopa lá da DCI, sem fazer nada e o Felipe indicou o meu nome ao Bado para presidir a comissão. (Jorge)
  • Mas você vê Wilmar, foi a partir dali que fizemos o primeiro esboço de critérios de promoção. Depois esses critérios foram sendo aperfeiçoados na época em que estive na presidência da Fecapoc que   mais tarde veio a resultar na Lei Especial de Promoções. Foram anos de luta e somos o único Estado da Federação que a Polícia Civil possui uma lei especial de promoções, na grande maioria dos Estados os policiais são regidos pelo Estatuto Geral do Servidor Público. (Felipe)
  • Mas esse prazo para inscrição no início do ano tem causado problemas. (Cláudio)
  • Sim. Ocorre que quando a lei foi feita nós tivemos que inserir esse dispositivo como um primeiro momento, principalmente, em razão de que nós passamos a ter data certa de promoção – 10 de maio e 28 de outubro -, com a emenda de 1994 os Delegados passaram a concorrer a promoções a qualquer tempo, desde que houvesse vagas ou cargos em vacância, bastaria a direção da Polícia Civil baixar edital, então o que a lei precisava era ser aperfeiçoada, na época as pressões eram tão grandes que não havia clima para muita coisa. (Felipe)
  • Mais então existiam tantas pressões assim é? (Krieger)
  • Meu Deus, o que nós sofremos, vocês não vêm o que o Valkir e o Ademar fizeram comigo. (Jorge)
  • Pois é o Valkir parece que vai votar no Júlio? (Felipe)
  • O quê? Não acredito? É tudo mentira, é um falso. (Jorge)
  • É, realmente na época o Jorge sofreu muito, mas também tu cometeste erros infantis, né Jorge? (Felipe)
  • Só não vai dizer que eu fui inocente, dá licença. (Jorge)
  • Olha eu me lembro muito bem e já disse várias vezes que o esquema de poder que foi montado foi para contemporizar várias facções, com esse negócio de se fazer pedido de exoneração coletiva para exigir a isonomia dos Delegados eu vi o Valkir redigir o documento que na verdade pedia a cabeça do Jorge, vi os comentários de que ele e o Ademar estavam articulando tudo para colocar o Jorge contra o Pacheco, o que resultaria na sua exoneração irrevogável, e não deu outra, eu ainda fui na sala do Jorge e disse: “Jorge, o Valkir e o Ademar estão redigindo um documento que todos nós vamos ter que assinar, e você está encabeçando, chama esse pessoal aqui, toma alguma providência...”. (Felipe)
  • Não adianta, eu estava cego, eu acredito no homem, na palavra. (Jorge)
  • E foi assim,  assumiu o Oscar e depois o Ademar. (Felipe)
  • É, e eu me arrependo de não ter aceito o cargo de Delegado-Geral na época, fui convidado e declinei em razão das circunstâncias. (Wilmar)
  • Eu ainda indiquei o teu nome para o Pacheco, mas hoje me arrependo, se pudesse voltar atrás não teria deixado eles me derrubarem, realmente foi um erro. (Jorge)
  • Mas o passado não tem volta, e isso dá uma boa experiência para o futuro. (Felipe)
  • Como existe esses conflitos. (Krieger)
  • Pois é Krieger, de qualquer maneira é aquilo que nós já conversamos, o Júlio representa o novo. O pessoal do Heitor significa a velha guarda, isso causa um problema sério, nós precisamos construir uma polícia dentro de uma nova visão,  diferentemente daquela em que pessoas aderem a um projeto objetivando o poder pelo poder. Eu não consigo ver o poder como um fim e sim como um meio, é preciso investir em conteúdo ideológico, em bloco histórico, que venha ao encontro de uma polícia de vanguarda, à formação científica, ao tecnicismo, à aproximação e identificação com sociedade civil, à ciência em defesa dos fracos, da sociedade.
  • Eu também penso assim. (Krieger)
  • Mas eu sei que nós temos que estar inseridos dentro da realidade, pode ocorrer que o Heitor venha a se eleger e se isso ocorrer, certamente, os espaços políticos na Segurança terão que ser mais divididos ainda e em razão disso é que precisamos aumentar o grupo. Temos um projeto e o Júlio é o único candidato que tem um “Plano” forte de cunho ideológico voltado para nossas  aspirações, inclusive, Wilmar, nós podemos trazer depois o teu filho?
  • Não dá, ele está apoiando o Heitor (Wilmar)
  • É mesmo? (Felipe)
  • O pessoal procurou ele, trabalhou com o Nilton, sobrinho do Heitor lá na Terceira Delegacia, fizeram amizade. (Wilmar)
  • Tudo bem, tudo bem, olha só para teres uma ideia o meu pai também vai votar no Heitor, acho isso importante.
  • Mas, o voto é secreto. (Jorge)
  • Na hora de apertar as teclas, troca o número. (Krieger)
  • Nada disso. Sou uma pessoa de princípios, quando dou a minha palavra não volto atrás. Já acertei com meu pai que ele vota no Heitor e assim será. Ele próprio queria votar no Júlio, mas em nome da conciliação e prevendo o futuro, afinal temos que unir forças. (Felipe)
  • Agora eu entendo. (Jorge)
  • Mas de qualquer maneira meu pai também está ajudando o Júlio, no momento encontra-se em Tubarão e está fazendo algum trabalho político lá. (Felipe)

Novamente Krieger mencionou o nome do Delegado Neves para compor o grupo. Concordei, considerando que se ele fez essa escolha passava a gozar de um juízo de admissibilidade. Cláudio reforçou o nome de Neves dizendo que se trata de um bom colega e Delegado. Krieger ainda havia comentado com Wilmar Domingues sobre a necessidade de passar os concursos da Acadepol para um outro órgão como a UFSC, que daria a relação dos aprovados, sem maiores dificuldades. Também mencionou que os alunos do curso de Delegado assistiam aulas de terno e gravata, sendo que os alunos de outras carreiras também o mesmo, isso já fazia com que o profissional já saia da Academia com uma formação, o que achei muito bom. E eu ainda fiz um eloquente comentário acerca do respeito que nunca deverá ser imposto, mas sim adquirido. Citei que dentro dessa premissa era preciso que nossos policiais cada vez mais sejam mais potencializados, utilizassem de recursos e conhecimento científicos,  e que isso não fosse um privilégio de uma elite, que as reformas da LC 55/92 tivessem sido importantes nesse sentido, em que pese que muitos Delegados nos criticaram,  desejavam manter os policiais civis lá embaixo para mostrar o diploma de formação da Acadepol e dizer que tinham pós-graduação, verdadeira bobagem. Evidente que a boa formação do nosso policial iria fortalecer a instituição. Lembrei de um amigo que foi registrar uma ocorrência há dias na Quinta Delegacia da Trindade que era tida como de primeiro mundo, e quando lá chegou o policial de plantão não utilizou o computador porque não estava preparado para tanto. A seguir, o plantonista foi até uma máquina de escrever... Nesse sentido, foi uma vergonha se exigir ainda no último concurso prova de datilografia, como isso pôde ainda acontecer? Outra coisa era que com a melhora do nível de nossos policiais civis os nossos Delegados também teriam que se aperfeiçoar cada vez mais... eu por exemplo não quis parar de me aperfeiçoar nunca,  fazia parte da vida, era preciso se mudar as mentalidades.

 

Na mesa uma fartura como poucas vezes vista antes num restaurante, camarões,  bolinhos de siri, peixes, frutos do mar, ninguém aguentava mais comer. A mesa ainda estava cheia de comida, uma verdadeira fartura, o Geraldo, volta e meia, mandava o garçom com novos pratos (particularmente achei que foi o entusiasmo com o nosso bate-papo inicial, ou seja, o lançamento da candidatura do “Cesinha”, já o Jorge que não ouviu nada de nossa conversa comentava cheio de razão que sabia o porquê daquilo, segundo ele, teria sido uma chamada de atenção dos garçons por não terem proporcionado um bom atendimento da vez anterior, o que não concordei na ocasião,  fiquei com a primeira hipótese). Finalmente, teve ainda a sobremesa, enfim, Jorge se acalmou, era compreensível e assim nos retiramos.